Eu estava voltando pra casa no final da manhã quando me deparei com um poster de Ghassan Kanafani na entrada de um dos maiores CoHabs aqui da minha cidade. Há tempos penso em compartilhar um texto dele no blog e vi esse encontro inesperado como um sinal de que eu tinha que fazer isso hoje.
Ghassan Kanafani foi um escritor e militante palestino, expulso de sua terra natal pelas tropas sionistas quando ainda era criança (durante a Nakba, entre 1947-1948), que lutou durante toda a sua vida pela liberdade e autodeterminação do povo palestino, contra o colonialismo e o imperialismo. Kanafani foi assassinado em 1972 pelo Mossad, o serviço secreto israelense, quando tinha apenas 36 anos. Se algum dia você tiver a sorte de encontrar um dos romances dele no seu caminho, não perca essa oportunidade de mergulhar na literatura palestina. Mas o texto que traduzi (do Francês) pra vocês é o começo de um conto, inspirado na sua história pessoal, chamado “A terra das laranjas tristes”. Nesse conto acompanhamos uma criança que é forçada a deixar sua cidade, Jafa, no litoral palestino, e se torna refugiada no Líbano.
Esse conto me fez chorar todas as vezes que o li. Entrevistei várias pessoas que sobreviveram a Nakba, a “catástrofe”, quando as tropas sionistas fizeram uma limpeza étnica da Palestina, pra criar o futuro Estado de Israel, e dois terços da população do país se tornou refugiada. Ouvi-las sempre enchia meu coração de tristeza e revolta, mas, como expliquei acima, esse conto mostra o processo de perder seu lar, sua terra, seu país, tudo que te é caro e se tornar refugiada através dos olhos de uma criança e a tragédia é contada com uma imensa delicadeza. Só lendo pra entender.
A terra das laranjas tristes
Quando partimos de Jafa para Acre, não havia sensação de tragédia. Parecia uma viagem anual para passar o feriado em outra cidade. Nossa estada em Acre não me surpreendeu: talvez, por ser jovem, estivesse até feliz com isso, pois a viagem me fez faltar à escola…
No entanto, na noite do grande ataque à Acre a situação ficou mais clara.
Aquela noite foi difícil para você e para mim.
Foi, penso eu, uma noite cruel, passada entre o silêncio rígido dos homens e as invocações das mulheres. Minha espécie, você e eu, éramos jovens demais para entender o significado de toda essa história. Naquela noite, no entanto, alguns fios da história se acenderam.
De manhã, enquanto os judeus recuavam ameaçando e fumegando, um grande caminhão estacionou em frente à nossa porta.
Coisas leves, principalmente roupas de cama, foram jogadas no caminhão, rápida e histericamente. Eu estava encostado na velha parede da casa e vi sua mãe entrar no caminhão, depois sua tia, depois os pequenos e então seu pai começou a colocar você e seus irmãos no carro, por cima da bagagem.
Então ele me agarrou no canto onde eu estava e, levantando-me acima de sua cabeça, me depositou no compartimento de metal em forma de gaiola acima da cabine do motorista, onde encontrei meu irmão Riad sentado em silêncio.
O veículo deu partida antes que eu pudesse encontrar uma posição confortável. Acre desapareceu aos poucos nas curvas da estrada que subia em direção a Rass El-Naqoura.
O tempo estava um pouco nublado e uma sensação de frio invadiu meu corpo.
Riad, com as costas apoiadas na bagagem e as pernas na beirada do compartimento de metal, estava sentado muito quieto, olhando ao longe.
Eu ia sentado em silêncio, o queixo entre os joelhos e os braços entrelaçados.
Um após o outro, os pomares de laranjeiras desapareceram e o veículo subiu ofegante sobre o chão úmido…
Ao longe, o som de tiros de canhão soava como uma despedida.
Rass El-Naqoura surgiu no horizonte, envolta em uma névoa azulada e o veículo parou de repente.
As mulheres saíram de trás das bagagens, desceram e atravessaram na direção de um vendedor de laranjas, sentado na beira da estrada.
Ao voltarem com as laranjas, o som de seus soluços nos alcançou.
Só então as laranjas ficaram claras para mim: cada uma dessas frutas grandes e saudáveis era algo a ser apreciado.
Seu pai saiu do lado do motorista, pegou uma laranja, olhou para ela em silêncio e começou a chorar como uma criança indefesa.
Em Rass El-Naqoura, nosso veículo se juntou a muitos outros semelhantes.
Os homens começaram a entregar suas armas aos policiais que estavam ali para isso.
Então chegou a nossa vez. Vi pistolas e metralhadoras jogadas sobre uma grande mesa, vi a longa fila de grandes veículos entrando no Líbano, deixando para trás as estradas sinuosas da terra das laranjas e então também chorei amargamente.
Sua mãe ainda olhava silenciosamente para as laranjas e todas as laranjeiras que seu pai havia deixado para os judeus brilhavam nos olhos dele. Como se todas aquelas belas árvores que ele havia comprado uma a uma estivessem refletidas em seu rosto… E em seus olhos, as lágrimas, que ele não conseguiu esconder do policial, brilharam.
Quando, à tarde, chegamos a Saida, tínhamos nos tornamos refugiados.
(Texto traduzido por mim, do Francês. Esse é apenas o início do conto “A terra das laranjas tristes”, de Ghassan Kanafani, publicado em 1963.)
PS Na foto acima vemos, ao lado da imagem de Ghassan Kanafani, cartazes pedindo a liberação de Salah Hamouri, um prisioneiro político franco-palestino. Hamouri é advogado e trabalha na organização de defesa de prisioneiros políticos palestinos Adameer. Vítima da repressão israelense há anos, ele se encontra mais uma vez em “detenção administrativa”. “Detenção administrativa” é algo utilizado frequentemente por Israel contra o povo palestino e significa ser preso ou presa sem acusação formal e sem julgamento, por tempo indeterminado.
Recentemente escutei o episódio “Nordeste: fome, falta e manipulação” do podcast Prato Cheio. Na introdução do episódio podemos ler: “Ser nordestina é carregar consigo, na origem, nos sotaques, uma série de estigmas advindos de um país extremamente classista.” Recomendo muitíssimo esse episódio, que ajuda a entender a construção da xenofobia anti-nordestinas.
Quando eu tinha perfil no Instagram rolava uma conversa recorrente com o pessoal que me seguia por lá sobre sotaques. Foram tantos comentários sobre o meu sotaque, sobre a maneira que eu chamava certos alimentos, que um dia eu escrevi provavelmente a série de stories mais longa que aquela plataforma já viu pra falar desse assunto. E a repercussão foi imensa. Desde que escutei o interessantíssimo episódio sobre o Nordeste fiquei com vontade de trazer aquela conversa pra cá. Felizmente eu achei o rascunho da série de stories sobre sotaques, rescrevi algumas partes e completei outras e o resultado é o que você vai ler a seguir.
Se você não sabe ainda, sou de Natal, RN. Na esquina do Nordeste. Mas acredito que não dá pra acompanhar meu trabalho por mais de alguns minutos sem perceber isso. Seja pela quantidade de coentro nas minhas receitas, ou, se você viu algum vídeo ou escutou uma participação minha em algum podcast (está tudo listado na página Mídia), pelo meu sotaque. E é disso que eu vim conversar com vocês hoje: sotaques. Na verdade, sobre preconceito linguístico e como a cultura nordestina é invisibilizada ou objetificada. Não vai ter coentro, então, galera que odeia essa erva, continue por aqui.
Muitas luas atrás postei a receita da minha releitura de um prato típico nordestino, que a minha mãe fazia pra mim quando eu era criança: caldo da caridade. O ingrediente principal desse prato é caldo de feijão macaça e logo no início do texto eu coloquei entre parênteses “fradinho” pra que as pessoas de outros lugares entendessem de que feijão eu estava falando.
Mesmo assim uma pessoa me perguntou (lá no Instagram) se “macaça” era o nome daquele feijão em Francês.
Fiquei muito surpresa. Francês? Achei que, já que eu estava falando de uma receita nordestina, seria óbvio que a palavra fazia parte do vocabulário nordestino. Eu nunca fui na região Norte (meu sonho) e conheço pouco as tradições culinárias de lá. Mas se estivesse lendo uma receita de lá e topasse numa palavra desconhecida pra mim, deduziria que é algo típico. Se a pessoa escrevendo a receita tivesse dado um sinônimo conhecido pra mim, eu diria “ah, então é assim que chamam X no Norte.”
Pra mim é importante usar o meu vocabulário, principalmente numa receita tão carregada de memória afetiva. Mas tenho plena consciência que não é em todo lugar do Brasil que esse feijão é conhecido como “macaça”, por isso fiz questão de incluir também “fradinho”, que é mais conhecido.
Algumas leitoras nordestinas (ainda no Instagram) até puxaram minha orelha depois, com razão, quando eu respondi “isso não é Francês, não, no Nordeste falamos assim”, pois no estado delas não usam essa palavra. O Nordeste é vasto e longe de ser homogêneo e eu deveria ter dito “na minha parte do Nordeste falamos assim”. Pra minha defesa eu quis dizer que era no Nordeste que essa palavra era usada, mas obviamente não é todo o Nordeste que a usa.
Não culpo as pessoas de outras regiões por não terem familiaridade com os dialetos nordestinos (falarei sobre o que é um dialeto mais na frente). Se nós, do Nordeste, geralmente sabemos que no Sudeste tem algumas diferenças de vocabulário é porque consumimos a mídia vinda de lá e crescemos vendo novelas e noticiários com pessoas que falam um dialeto diferente do nosso. Mas o que achei interessante nesse ocorrido foi uma pessoa de fora do Nordeste ler uma história explicitamente nordestina e ainda assim achar mais plausível que a palavra desconhecida faça parte de uma língua estrangeira do que do vocabulário nordestino.
Sempre escrevi minhas receitas usando as palavras do meu vocabulário: jerimum, macaxeira. E já me perguntaram “O que é jerimum?” algumas vezes. (É “abóbora”, caso você não saiba). No RN falamos jerimum e quem é natural do estado é “papa-jerimum” (o que me agrada mais do que ser chamada de “potiguar”, pois essa palavra significa “comedor de camarão”). Eu nunca teria a ideia de escrever receitas usando palavras que não uso na minha fala. Além de soar falso, não vejo razão pra renegar o meu dialeto e adotar o dominante. Mesmo assim, absolutamente todas as vezes que saí do Nordeste e dei palestras ou cursos em outros lugares do Brasil as pessoas fizeram comentários sobre eu “ter sotaque nordestino”.
Interessante notar a evolução dos comentários. Eu tinha 12 anos quando saí do Nordeste pela primeira vez. Fui visitar parentes no Goiás com a família. Foi quando descobri que eu “tinha sotaque”. Bastava eu abrir a boca pras pessoas goianas (crianças e adultas) rirem e dizer: “Você fala com sotaque do Norte.” Eu não entendia como aquelas pessoas podiam ser tão ruins em geografia e sempre corrigia: “Nordeste. Eu venho do Nordeste. O Norte fica à esquerda.” Mas não tinha jeito, pra elas eu era nortista, tinha sotaque nortista e ponto final.
Já hoje as pessoas de outras regiões não riem mais quando me escutam falar. Elas elogiam! Dizem: “Nossa, que sotaque lindo” ou “Que fofo, esse sotaque”. Então meu sotaque passou de algo risível pra algo objetificado. Eu entendo que as pessoas são sinceras e óbvio que prefiro que achem bonito do que caiam na risada, como faziam quando eu era criança (embora na última vez que estive em Florianópolis o dono de uma lanchonete onde eu estava comendo tirou onda com o meu sotaque, prova que ainda não pararam de rir do sotaque nordestino). Mas sabe o que seria melhor ainda? Nada. Adoraria falar com as pessoas e não ouvir nenhum tipo de comentário sobre a maneira como falo, assim como tenho a educação de nunca fazer comentários sobre o sotaque delas (mesmo achando alguns mais melodiosos que outros, guardo essas opiniões pra mim mesma).
Talvez você não entenda por que estou dizendo que isso é objetificação, então deixa eu explicar. Já aconteceu várias vezes de me falaram (geralmente homens) “Que sotaque gostoso! Fala mais pra eu escutar.” Isso me faz ferver por dentro. Eu não vou entreter ninguém só porque a pessoa decidiu que meu sotaque é “gostoso”. Minha vontade é dizer: “Quer que eu toque rabeca e dance um xaxado também, senhor?” O meu dialeto, longe de ser visto apenas como o sistema linguístico da região onde nasci e parte da minha identidade, se torna um objeto pra entreter ouvidos alheios, quando tudo que eu quero é terminar o meu sanduíche em paz. Ou trocar ideias com as pessoas sem me sentir como algo exótico.
O mais curioso é quando me dizem: “Olha, ela tem sotaque!” Como se o resto do Brasil não tivesse sotaque! O Sudeste, mais precisamente SP e Rio, dominam culturalmente o resto do país, então paulistas e cariocas juram que não tem sotaque. Consideram a maneira como falam “padrão” e tudo que desvia disso é “diferente” (ou, “sotaque”). Já vimos esse processo antes, não é mesmo?
E, cúmulo do absurdo, já teve quem me disse: “Nossa, ela ainda fala Português com sotaque nordestino, mesmo depois de ter morado a metade da vida no estrangeiro.” Oxe! E haveria deu esquecer o meu dialeto? Note que o comentário não é “ela ainda fala Português sem sotaque”, mas “ela ainda fala Português com sotaque nordestino”. A pessoa sai de Natal, vai morar na Europa e era de se esperar que ela voltasse falando Português com sotaque paulista?
A cultura nordestina sempre foi invisibilizada ou caricaturada. E a língua é um instrumento de dominação. E de discriminação. Já ouviu falar em preconceito linguístico? Então senta que lá vem (mais) história.
Eu sou formada em linguística. Vou começar explicando o que é linguística, pois muita gente confunde e acha que sou formada em Letras ou pergunta: “Linguística? Que língua você estudou?”.
Linguística é uma ciência cognitiva, por isso essa disciplina também é conhecida como Ciências da Linguagem (esse era o nome do meu departamento na universidade, inclusive). Não estudei nenhuma língua específica porque a linguística estuda a linguagem.
Linguagem é a faculdade de comunicar. Língua é a forma que essa comunicação adquire dentro de um determinado grupo humano, em determinado espaço geográfico, em um momento temporal preciso e esse sistema tem características específicas. Animais não-humanos comunicam, mas nenhum tem um sistema tão sofisticado como nossas línguas (mas não é motivo pra discrimina-los, viu?). Tem mais coisas aqui, estou simplificando ao máximo. A linguagem é uma habilidade cognitiva, a língua é a manifestação tangível dessa habilidade.
Fiz minha graduação em Aquisição da Linguagem e comecei um mestrado (que nunca terminei) em Linguística Teórica e Descritiva, no campo da sintaxe. Existe uma diferença fundamental entre adquirir uma língua e aprender uma língua. Nós adquirimos nossa língua materna e aprendemos línguas estrangeiras. Crianças que crescem em ambiente bilíngue adquirem duas línguas ao mesmo tempo. Temos uma espécie de aparelho de aquisição de línguas. Aqui entra Noam Chomsky, um dos maiores linguistas de todos os tempos e o autor que mais estudei, pois meu campo de estudo era o mesmo do dele. Vou poupar vocês da aula sobre generativismo e gramática universal, pois quando começo a falar dessas coisas me empolgo e quando dou por mim estou desenhando árvores sintáticas, enquanto as pessoas me olham com cara de paisagem, sem entender por que acho isso tudo tão interessante.
Aprender uma língua estrangeira é passá-la pelo prisma da nossa língua materna e, como era de se imaginar, é um processo muito mais lento e trabalhoso. Pra se ter uma ideia, no pico da aquisição linguística, ou seja, quando estamos adquirindo nossa língua materna, crianças aprendem em média uma palavra nova por hora. O que significa que basta que elas sejam expostas uma única vez à palavra nova pra aprendê-la. Imagina o sonho que seria se a gente aprendesse línguas estrangeiras com essa facilidade!
Também tem pessoas que acham que Linguística tem a ver com gramática e como falei que minha área de pesquisa era sintaxe, a confusão fica ainda maior. Não é exatamente da mesma sintaxe que estou falando aqui, nem da mesma gramática (quando falo da “gramática universal de Chomsky, por exemplo). E, diferença fundamental entre as duas disciplinas, a gramática é prescritiva, enquanto a linguística é descritiva. A gramática é artificial e dita regras, enquanto a linguística observa e descreve, sem dar julgamento de valor. A linguística descreve como falamos, enquanto a gramática diz qual é a maneira “correta” de falar.
Agora vou deixar a coisa mais complexa, mas é uma aula interessante.
Lembra que expliquei, no início do texto, que falaria de dialetos? Sabe qual a diferença entre uma língua e um dialeto? Na faculdade aprendi que “uma língua é um dialeto com um exército e uma marinha.” Ou seja, à partir do momento em que um dialeto é elevado à posição de dialeto oficial de um Estado-nação, ele adquire o status de língua. A língua é um objeto político.
É senso comum achar que “dialeto” é uma língua menos sofisticada, menos desenvolvida. Nesse sentido, dialetos sempre foram usados pra denominar a língua dos subalternos. Não só os dialetos indígenas no Brasil, mas os dialetos dos povos colonizados pelos europeus, inclusive dentro da Europa (são colonizações diferentes e não cabe aqui os detalhes). Até hoje, na França, tem vários dialetos não reconhecidos como “oficiais”, como o Bretão e o Occitano, por exemplo, e por isso são “dialetos” e não “línguas” pro Estado francês (claro que as pessoas que o falam sabem que são línguas da mesma maneira que o Francês é uma língua). Uma excessão é o Basco (falado numa região entre a França e a Espanha), que apesar de não ser a língua oficial de um Estado, tem status de língua. Então o sistema linguístico de um grupo pode ser considerado “dialeto” se ele pertencer ao grupo dominado, enquanto o sistema linguístico do grupo dominante vai ser o dialeto oficial do Estado, logo será chamado de “língua”.
Então você já entendeu que língua e dialeto são nomes diferentes pra mesma realidade linguística: um sistema complexo de sons (ou visual, no caso de Libras) utilizado pra transmitir informações de um cérebro pra outro. Dependendo do contexto, vamos chamar isso de “língua” ou de “dialeto”, porém do ponto de vista da linguística, só existem dialetos. Se língua é um objeto político, o dialeto é um objeto linguístico.
Por isso quando linguistas fazem pesquisas tem que ser sobre um dialeto determinado, pois a maneira como o meu Português se organiza é diferente de outras pessoas que falam Português em outros lugares.
Vou dar um exemplo de sintaxe. No meu dialeto (Natal/RN), substantivos próprios (nomes de pessoas, pra ser específica) não são precedidos de um artigo definido. Já no dialeto de São Paulo, sim. Eu digo: “Roberta veio hoje?” Uma paulista vai dizer: “A Roberta veio hoje?” A estrutura sintática é diferente. Então se eu estiver fazendo uma pesquisa no campo da sintaxe, como o que eu fazia no mestrado, não posso fazer declarações como: “No Português, substantivos próprios relativos a nomes de pessoas são precedidos de um artigo definido: A fulana, O fulano”, pois isso só é verdade em alguns tipos de Português. Ou seja, só é verdade em alguns dialetos.
“Ah, mas a gramática do Português diz que não é correto colocar artigo definido antes de substantivo próprio, a menos que seja pra especificar, como na frase: ‘A Roberta que eu conheci na infância era diferente da Roberta de hoje’, logo a paulista fala errado e a natalense fala certo.”
Vou relembrar que a gramática diz como devemos falar, ela é normativa, mas que a linguística descreve como falamos, logo, é descritiva. Não estudamos a gramática que você encontra nos livros, mas sim a fala das pessoas, que tem sua gramática própria e que nem sempre coincide com a norma da gramática do livro.
Chegou a hora de mencionar outra coisa importante. Eu disse que o objeto de estudo da linguística é o dialeto, certo? Pois deixa eu dizer também que só estudamos o dialeto falado, nunca o escrito. O que nos interessa é o falar das pessoas, não a maneira como elas escrevem.
Então falamos, por exemplo, de “dialeto do interior do RN”, ou “dialeto da cidade de SP” e mesmo aí ainda poderíamos ter grupos menores de dialetos de acordo com os bairros, classe econômica, idade… Então à partir de agora vou escrever “dialeto” sempre que me referir ao que, fora da linguística, chamam de “sotaque”, tá? É preciso guardar essa informação pra entender o resto da argumentação.
Algo sempre me fascinou. Conheço pessoas nordestinas que foram morar em outra região e adotaram o dialeto na nova morada. Acontece até de voltaram pro Nordeste, depois de algum tempo fora, e manterem o novo dialeto. Quem viu Lisbela e o Prisioneiro vai lembrar de Douglas, o rapaz que saiu do interior do Nordeste pra passar umas férias no Rio e voltou falando “carioquês”, o que virou motivo de piada na cidade. É disso que estou falando. E reparem que a situação inversa quase nunca acontece. Eu conheço pessoas que nasceram no Rio, mas moram em Natal desde que eram crianças e hoje, adultas, continuam falando “carioquês”. E é exatamente aqui que entra o preconceito linguístico e a desvalorização da cultura nordestina.
O Nordeste ainda é visto pelo resto do país como um lugar de atraso, de gente ignorante, de seca e de fome. Eu lembro que ainda era criança quando ouvi Lulu Santos dizer, em um programa na tv, que “O Brasil só não vai pra frente por causa do Nordeste.” E o que falar do ódio que os bolsonaristas tem do Nordeste, último bastião antifascista do país? Quem ainda lembra da estudante paulista que, depois da reeleição de Dilma, tweetou: “Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado”? Eu lembro.
Por isso não é surpreendente que a pessoa que sai de João Pessoa pra morar, digamos, em São Paulo, adote o dialeto dominante, provavelmente na tentativa de sofrer menos discriminação por ser nordestina ou por já ter internalizada o preconceito contra sua própria região e dialeto. Já a paulista que vai morar em João Pessoa vem da cultura dominante, fala o dialeto dominante e geralmente não sofre discriminação por ser paulista. Então a relação que temos com nosso dialeto está diretamente ligada à maneira como nossa cultura é vista pelo grupo dominante. E muita gente do Nordeste acaba integrando, inconscientemente ou não, a noção de que nossa região, cultura e dialeto são inferiores.
Por isso é tão importante pra mim usar as palavras do meu vocabulário e não “suavizar” o meu dialeto quando estou palestrando ou dando cursos no Sudeste ou Sul. É cansativo ter que ouvir as mesmas coisas, de novo e de novo? É um saco! Porém qual é a alternativa? Mudar a maneira como eu falo pra soar menos “diferente” fora do Nordeste? Jamais! Ninguém deveria precisar fazer isso pra ser levada a sério (sim, porque quando alguém diz que falo de uma maneira lindinha, fofa, etc eu me sinto infantilizada).
Sim, eu tenho sotaque e você também tem. Todas temos. Falamos dialetos diferentes e o meu não é inferior ao seu. Por isso seguirei dizendo “macaxeira”, “jerimum” e “feijão macaça”. Até que as pessoas escutem alguém como eu falar fora do Nordeste e reajam com naturalidade, sem rir nem objetificar o meu dialeto. Se meu dialeto soa exótico aos seus ouvidos isso me informa que você não conhece muitas pessoas nordestinas. Então fica a dica: se abra mais pra nossa cultura. Escute música de nordestinas, veja filmes feitos por e com nordestinas… Talvez, depois de um tempo, nossos dialetos (são vários no Nordeste, não falamos todas da mesma maneira) parem de soar exóticos, fofos, engraçados, gostosos e você consiga lidar com a pessoa na sua frente sem sentir a necessidade de fazer comentários sobre a maneira como ela fala. Nem achar que uma palavra do vocabulário do RN é algo em Francês.
Claro que seguimos livres pra achar mais ou menos bonito diferentes dialetos do Brasil. Eu mesma tenho os meus preferidos e outros nem tanto. Mas, como falei, podemos guardar isso pra nós ou até mesmo fazer um elogio, mas sem o tom que faz com que o elogio se torne algo infantilizante (“ai, que fofo!”) nem objetificante (“ai, que delícia, fala mais!”).
Quando minha conta no Instagram foi desativada (contra a minha vontade), o que mais me chateou foi ter perdido o conteúdo que eu vinha publicando ali há anos. Eu não tenho a maioria das fotos que estava lá, mas o que mais me deixou realmente triste foi perder os textos, que representavam centenas de horas de trabalho. Mas não tinha só texto de trabalho ali. No meio da montanha de informação pra conscientizar sobre antiespecismo, sobre a construção do veganismo popular, receitas, dicas e material pra refletir sobre diversas lutas (feminismo, libertação do povo palestino, combate ao racismo e LGBTfobia…) tinha um pequeno texto extremamente precioso pra mim. Um trecho da última conversa que eu tive com a minha mãe, dois anos atrás.
Chamar de “conversa” vai parecer estranho, pois a mente da minha mãe já estava bem debilitada pelo Alzheimer e nosso diálogo não fazia sentido nenhum. Mas foi tão engraçado, eu ri tanto naquele dia, que corri pra pegar um papel e anotar tudo. Eu não queria perder aquele tesouro.
Foi a última vez que houve uma troca de frases longa entre nós. Depois daquele dia ela passou a falar cada vez menos e nunca dizia mais de uma ou duas frases por vez. Apesar de todos os cuidados da minha família, minha mãe teve Covid recentemente. A doença afetou muito a saúde dela e uma das sequelas foi mergulhá-la no silêncio. Ela já não fala praticamente nada e quando tenta pronunciar alguma palavra, ela sai da boca tão fraquinha que não consegue chegar inteira nos nossos ouvidos.
Isso foi uma porrada grande pra mim. Estou me preparando emocionalmente pra encontrar uma mãe silenciosa daqui a algumas semanas (vou ao Brasil no final do mês). O que mais me dói é pensar que nunca mais vou escutar ela responder “Oi, filha”. Eu gostava de falar “Mãe?” só pra ter o prazer de ouvi-la me chamar de “filha”. Por causa do Alzheimer, hoje minha mãe precisa da nossa ajuda pra tudo. Pra comer, ir ao banheiro, pra tomar banho, pra se vestir. Chega esse momento na vida em que nos tornamos a mãe da nossa mãe. Eu me tornei a responsável, a adulta. Ela se tornou um ser frágil que não sobrevive sem nossos cuidados. Por isso eu apreciava tanto esses momentos em que ela me chamava de filha. Nossa relação voltava a ser o que era. Ela, a mãe. Eu, a filha. Eu reencontrava minha mãe pour um segundo.
Foi então que o universo me enviou um presente. Na semana em que ela parou de falar, descobri o diálogo engraçado, que eu pensava ter perdido pra sempre, em um dos meus cadernos. Não lembrava de ter anotado ali, então foi uma enorme surpresa. Nem consigo explicar a felicidade que senti ao ler aquilo de novo. E pra não correr o risco de perder as palavras dela novamente, vou deixar gravado aqui no blog também.
(Era depois do almoço. Minha mãe me chamou pra dar um cochilo.)
-Deite um pedacinho* aqui comigo.
-Deito, mãe.
-Trouxe o sal?
-Trouxe.
-O sal, não, mulher. O açúcar.
-Trouxe também.
-Achou uma linhazinha aí, minha filha?
-Achei, mãe.
-E tão jogando fora?
-Tem ninguém jogando fora.
-Cadê tu, cabelo de angu?
-Tô aqui, mãe.
-No chão?
-Não, na cama.
-Eu queria era saber como tira cenoura.
-Puxando.
-E ele saiu por essa porta?
-Saiu. Mas volta.
-Tá chovendo muito.
-O que?
-Chovendo, não. Tão fazendo uma brincadeira muito séria, muito boa.
(ela começa a tossir)
-Tá doente, mãe?
-Tô. Mas também já aturei* muito. Chega*, Lavin!
-Quem é Lavin?
-Um rapaz lá de Santana.
-Vai dormir não, né, mãe?
-Agora, não. Só de noite. É raposa.
-Raposa, o que é?
-Um bichinho assim… Do jeito que ele sentir for, ele vai e ferve.
-Mãe?
-Oi, filha.
-Quem não pode com o pote…
-não pega na rudia.*
-…
-Tinha duas cabeças.
-Quem?
-O bode e a bada.
-Né cabra, não?
-Tu quer mastigar, é?
-Cabra? Mãe, pare de contar brebote*!
-Eu vou é plantar uma ruma*! Quem é seu pai?
-Paulo.
-Ah, o meu marido. E você só tem um?
-De pai, só.
(Ela levantou da cama e sentou na rede. Sentei de frente à rede, peguei as mãos dela e beijei. Ela acariciou minha palma direita, depois fechou minha mão e a segurou, fechada, entre as mãos dela, como se estivesse protegendo algo.)
-A senhora colocou o que na minha mão?
-Um punhado de farinha e um pedaço de rapadura.
(e sorriu)
*Pequeno dicionário sertanejo
Minha família é do Sertão potiguar e tem algumas palavras e expressões nessa conversa que nem todo mundo vai entender.
1-“Pedaço” pode ser uma medida física (um pedaço de bolo) ou uma unidade temporal (“Espere um pedaço” / “Fique comigo um pedacinho”). Acredito que, assim como o espaço, o tempo também pode ser dividido em pedaços.
2- Aturar: nesse contexto, é um verbo sinônimo de “durar”. “Já aturei muito!” significa “Já durei muito, já vivi muito”. Mas também significa “suportar” (“Eu não aturo essa pessoa!”)
3- Chega, _____(nome de alguém)!: expressão que significa algo como “Venha ver isso aqui!”. O “chega” que significa “basta!” é pronunciado diferente, de maneira enfática. Já o “chega” que quer dizer “venha ver aqui” é pronunciado “Cheeeega”. Aliás “basta” também tem um significado duplo no dialeto sertanejo;)
4-Rudia: na verdade é a nossa maneira de pronunciar a palavra “rodilha”. Significa uma corda ou, como era mais comum no Sertão, um pano que você coloca arrumado em círculo em cima da cabeça pra carregar algo pesado. No caso aqui, o pote d’água. Minha mãe adorava falar esse ditado, que quer dizer que “se você não dá conta do trabalho, nem comece”. Uma versão moderna e sudestina seria: “Se não sabe brincar, não desce pro play.”
5-Brebote: significa coisa sem sentido. “Falar brebote” = falar besteira.
6- Ruma: sinônimo de “um monte”. Uma ruma de gente. Uma ruma de comida. De acordo com minha irmã mais velha, “ruma” é coletivo de “bosta”. Mas, por extensão, se tornou coletivo de tudo.
Quando eu publiquei o primeiro texto falando sobre como cozinhar pra semana inteira, prometi voltar pra falar de outro método, o que uso quando trabalho como chef a domicílio. Esse dia chegou e vim fazer um relato detalhado de como isso funciona, mas resolvi ir além! Também vou mostrar como aplicar as dicas, usando um cardápio composto por receitas aqui do blog, além de explicar como essa comida se traduz em refeições pra semana inteira, usando poucos ingredientes acessíveis pra complementar. O post é longo, mas vale a pena ler até o final.
Essa é a maneira mais eficaz de cozinhar vários pratos de uma vez, mas requer mais planejamento e sair pra fazer compras. Se você já tiver ido à feira/mercado e quiser preparar o cardápio baseado no que tem em casa, o primeiro método faz mais sentido. Mas pra saber como organizo o trabalho de chef a domicílio, como consigo cozinhar todos os pratos que uma família vai consumir em uma semana em apenas 4 horas (incluindo a limpeza da cozinha!), aqui vai o passo-a-passo.
Faça uma lista com o que você quer comer durante a semana.
-Escolha pratos que você já cozinhou várias vezes e pode fazer sem muito esforço. Assim seu tempo na cozinha vai ser menor e mais agradável.
-Se realmente quiser fazer um prato novo (que vai exigir mais concentração da sua parte), escolha só um, senão a coisa fica complicada demais.
-Pense em receitas com legumes e frutas da estação: é mais barato, mais gostoso e mais ecológico.
-Já disse isso no primeiro post dessa série, mas vou repetir: escolha pratos que você realmente gosta de comer. Passar horas na cozinha e encher a geladeira de comida pronta só faz sentido se você tiver vontade de comer essa comida depois.
Misture pratos completos com componentes que podem entrar em vários pratos.
-Isso tem várias vantagens. Você consegue fazer mais pratos em menos tempo, terá mais liberdade na hora de montar as refeições e vai ter mais variedade de alimentos durante a semana.
-Exemplos de componentes: arroz cozido (ou outro grão), legumes assados, uma pasta pra passar no pão, milho cozido, grão de bico cozido (ou outra leguminosa pra incrementar uma salada, uma sopa, virar bolinho)…
(Pra optimizar o fogão e fazer o máximo de comida ao mesmo tempo, escolha uma mistura de pratos assados e pratos cozidos. Assim dá pra colocar algo no forno e ainda ter as bocas do fogão disponíveis pra preparar outras coisas. E não esqueça que a panela de pressão é a sua maior aliada pra economizar tempo e gás.)
Depois de escolher os pratos/componentes, dê uma volta pela sua cozinha e veja o que já tem na dispensa e se tem frutas/legumes da última feira dormindo na geladeira.
-Incorpore esses vegetais nas receitas que você tinha previsto pra semana.
-Se ligue no desperdício! Se tiver comida precisando ser usada na geladeira, dê prioridade a ela. Adapte as receitas da sua lista inicial, se preciso.
Baseado nos pratos que você quer fazer e no que já tem na sua cozinha, prepare a lista de compras.
-Primeiro eu listo todos os ingredientes necessários pras receitas que vou cozinhar, depois vou eliminando o que já tem em casa. O que sobrou é a lista de compras.
-Já que você vai até o mercado ou feira, provavelmente vai querer fazer todas as compras da semana. Então complete a lista incluindo o que mais precisar pra sua alimentação semanal (e a das pessoas da sua casa).
Beleza, você fez a lista dos pratos que quer preparar essa semana, incorporando as sobras da última feira que estão murchando na geladeira, preparou a lista de compras, foi à feira e trouxe tudo que precisava pra casa. Como proceder agora?
Vou explicar como faço (na casa de clientes e aqui em casa), usando técnicas que aprendi trabalhando em restaurantes. Mais do que seguir à risca o meu passo-a-passo, gostaria que você lesse com atenção e entendesse como a coisa funciona pra ser capaz de desenvolver uma rotina que caiba na sua cozinha, no seu tempo e que respeite suas capacidades. Bora lá.
O guia prático da maratona na cozinha
Atenção! Se for usar leguminosas (feijão, grão de bico) lembre de deixá-las de molho no dia anterior.
Vista o avental, tome um copo d’água e coloque um podcast pra tocar (ou suas músicas preferidas).
1- Escreva os pratos que você vai preparar com os ingredientes que entram em cada um deles e cole em algum lugar visível (na porta da geladeira, na porta do armário). Use como guia pra fazer a “mise en place” e pra ter certeza que não esqueceu nenhum ingrediente.
2- Coloque todos os ingredientes que você vai precisar em cima da mesa (ou outro espaço de trabalho). Depois faça grupos correspondentes às receitas. Se estiver fazendo uma sopa, uma lasanha, um feijão e legumes assados, separe todos os ingredientes da sopa num canto, todos os ingredientes da lasanha em outro… Isso vai facilitar a próxima etapa.
3- Agora que você sabe quantas cebolas vai precisar usar ao todo, quantos dentes de alho, o que vai precisar ser descascado, etc chegou a hora de fazer a famosa “mise en place” (pronuncie “mizãplás”). Isso é um termo francês utilizado na culinária que, traduzido literalmente, quer dizer “colocação no lugar”. Significa preparar tudo que for necessário pra fazer uma receita (picar o alho, picar a cebola, cortar os legumes, etc) e deixar tudo bonitinho, em cumbucas e ao alcance da mão, antes de acender o fogão. Corte, pique, descasque e lave tudo que será utilizado. Cortar tudo junto te faz ganhar muito tempo e na hora de cozinhar vai ser muito mais rápido: é só ir pegando o que foi cortado e jogando na panela.
(Vai bagunçar a organização de ingredientes por receitas que fizemos na etapa anterior? Sim, mas é por isso que tem a lista de receitas com os ingredientes colada na porta do armário, pra te guiar na hora de cozinhar. Os ingredientes que não precisarem ser picados -os grãos, temperos, etc, podem seguir agrupados por receita. Isso te faz ganhar tempo, além de evitar que coisas queimem. Imagine que você está refogando alguma coisa e a receita pede cominho. Aí você para de mexer a panela e vai procurar o cominho dentro do armário, mas tem que tirar tudo da frente porque o danado tá lá no fundo. Enquanto isso a panela tá secando no fogo… Sentiu o drama? Queremos evitar isso.)
4- Chegou a hora de acender o fogão e cozinhar tudo. Essa etapa vai ser detalhada daqui a pouco.
5-Depois de pronta, divida a comida em recipientes com tampa e guarde na geladeira. Você também pode congelar uma parte pra ser degustada na semana seguinte.
6- Já que estamos aqui, aproveite sua maratona na cozinha pra lavar, secar e guardar as folhas pra saladas. E pra completar, faça um molho pra salada, que pode ser guardado na geladeira e usado durante toda a semana. É rapidinho e o combo folhas limpas + molho pronto vai te ajudar a comer mais salada durante a semana.
7- Muito importante: limpe enquanto cozinha. Essa é uma regra de ouro nos restaurantes, mas deve ser aplicada na sua casa também, se não quiser que sua experiência de cozinhar pra semana se torne um caos. Vá lavando a louça conforme for sujando e limpando a superfície de trabalho (bancada, mesa) entre cada receita. Só o chão deve ser limpado apenas no final, por razões óbvias.
Dica bonus (óbvia, mas que precisa ser explicitada pra muita gente): Você controla o fogo, não o contrário!
A comida tá começando a pegar no fundo da panela? Baixe o fogo. A água tá demorando a ferver? Aumente o fogo. Precisa se ausentar da cozinha por uns minutos (pra ira ao banheiro, por exemplo)? Desligue o fogo. Se atrapalhou com tanta comida pra preparar de uma vez e a coisa saiu do controle? Apague fogo, se sente e respire fundo algumas vezes antes de voltar pro fogão.
Dica bonus 2: Se você não tem muita prática na cozinha, nem uma tarde inteira pra preparar comida pra semana, comece preparando um ou dois pratos em quantidade grande (um feijão pro almoço e uma sopa pro jantar, por exemplo), que você vai comer várias vezes nos dias seguintes. Já quebra um galhão na hora de preparar as refeições mais tarde e mesmo se você não puder preparar mais nada durante a semana, esses dois pratos vão melhorar a qualidade da sua alimentação.
Acender o fogão e cozinhar pra semana: o passo-a-passo
Parece muita informação pra assimilar de uma vez? Deixa eu te mostrar como colocar tudo isso na prática, usando um cardápio-exemplo com receitas aqui do blog. Não é um cardápio completo pra uma semana inteira, pois esse post ficaria quilométrico se eu fizesse isso. Mas alguns pratos são suficiente pra você entender o funcionamento desse método. Depois é só adaptar pra quantidade de comida que você quiser preparar.
(Muitas das fotos que aparecem aqui foram feitas na casa de uma das minhas clientes, em Berlim, muitas luas atrás, e não correspondem às receitas do cardápio que serve de exemplo. Elas servem pra ilustrar esse guia, pois fica mais fácil entender as explicações ao ver as imagens.)
-No dia anterior, deixe o feijão e o grão de bico de molho.
-Comece escorrendo o grão de bico demolhado e levando pra cozinhar (na pressão) com água limpa e sal.
-Limpe a área de trabalho (mesa, bancada ou canto da pia – o lugar onde você for colocar a tábua e cortar seus ingredientes) e retire todos os objetos que possam atrapalha seu trabalho. Prepare a faca e a tábua de cortar. Uma boa faca, bem afiada, reduz consideravelmente o seu tempo na cozinha, além de ser muito mais agradável de manipular. E pra que sua tábua não saia do lugar enquanto você corta, diminuindo o risco de acidentes com a faca, coloque um pano úmido embaixo (como nas fotos abaixo).
-Separe os ingredientes por receita e faça a mise en place. Se não quiser usar essa palavra francesa, porque soa esnobe, eu apoio. Prepare os vegetais: corte as cebolas, o alho, as verduras, descasque a macaxeira (se não estiver comprado descascada) e deixe na água (pra não oxidar)…
-Separe as verduras cortadas de acordo com as quantidades que serão usadas em cada receita. Se você vai usar 1 cebola na sopa e 3 no feijão, coloque 1 cebola picada em uma cumbuca e as 3 cebolas em fatias pro feijão numa terceira. Assim você visualiza exatamente a quantidade que vai entrar em cada receita, o que vai facilitar muito o seu trabalho depois. Faça a mesma coisa com o alho e todo ingrediente que entre em vários pratos.
-Transfira oslegumes que serão assados pra uma assadeira/forma/placa, regue com azeite ou óleo, tempere com sal e leve ao forno.
-Nesse ponto o grão de bico já deve ter cozinhado. Desligue o fogo e deixe a pressão sair naturalmente.
-Não esqueça de ir lavando a louça à medida que for sujando e dando uma limpada na área de trabalho.
-Prepare a sopa de jerimum. Refogue o que precisar ser refogado, cubra com água, baixe o fogo e tampe.
-Fique de olho nos legumes que estão assando. A melhor maneira de não esquecer o que está no forno é colocar um alarme no celular.
-Retire o grão de bico cozido da pressão e guarde uma parte pra ser consumida em saladas durante a semana. A outra parte se transformará em hummus. Reserve uma parte do líquido de cozimento (pra usar no hummus).
-Use a panela de pressão onde o grão de bico cozinhou (nem precisa lavar) pra cozinhar o feijão acebolado (cozinhe na água limpa com sal e uma folha de louro).
-Agora a sopa de jerimum deve estar cozida. Finalize com o leite de coco, retire do fogo e deixe esfriar, coberta.
-Não esqueça dos legumes no forno! Desligue quando estiverem quase totalmente assados e deixe dentro do forno pra terminar o cozimento aproveitando o calor até o final (o gás tá caro!)
-Faça o hummus cubano (com o grão de bico e o líquido de cozimento reservado, além dos outros ingredientes da receita, claro). Coloque o hummus pronto em um pote com tampa e lave o liquidificador.
-A sopa deve ter esfriado o suficiente pra ser transferidos pra recipientes com tampa. Começa outra rodada de lavação de louça.
*Interrompemos a programação pra te lembrar de beber água. Deixe um copo cheio ao alcance da vista e beba regularmente durante todo o processo. É importante se hidratar enquanto esquentamos a barriga no fogão.*
-O feijão deve estar bem cozido. Desligue, deixe a pressão sair e finalize (no caso do feijão acebolado, siga a receita pra saber como finalizar). Depois de pronto deixe esfriando, com a tampa atravessada.
-Faça o arroz. Enquanto ele cozinha…
-Retire os legumes assados do forno (que já estava desligado) e coloque em um recipiente com tampa.
-Prepare o molho pra salada. Coloque em um vidro com tampa e deixe na geladeira.
-Chegou a hora de higienizar suas folhas. Deixe tudo prontinho (enrolado num pano de prato, dentro de um recipiente com tampa) pra ser consumido durante a semana.
-O arroz cozinhou? Deixe esfriar e aproveite pra lavar a louça que ainda tá suja e limpar a mesa e bancadas.
-O feijão acebolado já deve estar morno. Guarde em recipientes com tampa (as porções devem ser adaptadas ao tamanho da sua família. Só tem você em casa? Faça porções pra uma pessoa. Tem quatro bocas pra alimentar? Faça porções pra quatro e assim por diante). Lembre que é possível deixar uma parte das porções na geladeira e congelar a outra parte pra consumir no final da semana (ou na semana seguinte).
-Lave a panela de pressão e coloque a macaxeira descascada em pedaços pra cozinhar em bastante água salgada. Cozinha muito mais rápido na pressão: basta contar alguns minutos depois que a panela começar a chiar.
-Agora pode guardar o arroz cozido e limpar o chão da cozinha.
-A macaxeira tá cozida? Guarde junto com a água de cozimento (na hora de esquentar, esquente nessa água). Última panela a ser lavada e no final pode lavar a pia também.
-Parabéns pela vitória, guerreira! Abra uma cerveja ou prepare um chazinho e sente com as pernas pra cima.
Como organizar as refeições
Vou dar exemplos de como essas comidas podem ser combinadas e incrementadas, usando os ingredientes que você já vai ter na dispensa (por ter comprado pra fazer as receitas da lista acima), mais uns extras (batata-doce, chuchu, banana da terra, cenoura, tomate, pepino, banana, mamão, manga, goma pra tapioca ou pão, aveia em flocos, café, farinha de mandioca, macarrão, polpa de tomate e cuscuz) pra se transformar em várias refeições diferentes. Digamos que você cozinhou no domingo. Sua semana pode ser assim:
Segunda
Café da manhã: macaxeira cozida com hummus cubano e café
Almoço: feijão acebolado, arroz, salada (com alface, pepino e manga + o molho pra salada)
Jantar: sopa de jerimum
Terça
Café da manhã: macaxeira cozida com hummus cubano, mamão e café
Almoço: feijão acebolado, arroz, farofa de banana e salada (alface e tomate + molho pra salada)
Jantar: Macarrão com molho de tomate e legumes assados (misture polpa de tomate industrializada com os legumes. Acrescente pimenta preta e orégano.)
*Enquanto come, deixe umas batatas-doce cozinhando no fogo pros dias seguintes. Depois de cozidas, escorra antes de guardar na geladeira (batata-doce, diferente da macaxeira, não se guarda na água, senão ela fica aguada).
Quarta
Café da manhã: batata doce cozida, café, banana e mamão em pedaços com aveia em flocos e pasta de amendoim
Almoço: salada completa com grão de bico cozido, legumes assados, folhas, pepino e cenoura ralada (mais o molho pra salada e um pedaço de pão, se quiser)
Jantar: sopa de jerimum servida com pão
Quinta
Café da manhã: banana da terra cozida (basta colocar na água, com casca e tudo, e deixar ferver por alguns minutos, até a casca começar a rachar) ou tapioca ou pão com hummus cubano e café
Almoço: feijão acebolado, arroz, bolinho de macaxeira (basta amassar a macaxeira cozida, despejar montinhos em uma assadeira, regar com óleo e levar ao forno até dourar), salada (alface e cenoura ralada + molho pra salada) e banana (sou dessas)
Jantar: cuscuz com amassado de grão de bico e tomate
(Não sabe fazer cuscuz? Expliquei direitinho na receita de cuscuz com coco. Siga as instruções, mas use um pouco da água quente do fundo da cuscuzeira pra molhar o cuscuz, ao invés do leite de coco. Enquanto o cuscuz cozido descansa, refogue cebola, alho e tomate no óleo ou azeite, até o tomate se desfazer, junte grão de bico cozido e amasse tudo com um garfo. Tempere com sal, pimenta preta e uma erva -orégano seco ou coentro fresco- se tiver e misture com o cuscuz cozido).
ATENÇÃO! Acabou o feijão da geladeira e só tem congelado agora. Lembre de tirar uma porção do congelador à noite e deixar na geladeira, descongelando, pro almoço do dia seguinte.
Sexta
Café da manhã: o resto do cuscuz com amassado de grão de bico do jantar de ontem e café
Almoço: feijão acebolado, farofa d’água, salada (alface e manga + molho pra salada). Tem 15 minutos sobrando? Faça chuchu refogado (como esse aqui, sem o tucupi) pra incrementar o almoço e já adiantar o jantar.
Jantar: batata-doce cozida (que você cozinhou na terça – corte em rodelas grossas e frite ligeiramente, dos dois lados, em um pouco de óleo/azeite. Fica uma delícia!) e a outra parte do chuchu refogado, mais uma banana picada com pasta de amendoim pra completar.
Se você leu até aqui, obrigada pela atenção. Acho que foi o artigo mais longo que publiquei nos 12 anos de existência desse blog. Por trás dele tem longas horas de trabalho escrevendo e centenas de horas de trabalho em cozinhas profissionais, acumulando conhecimento prático, pra poder compartilhar esse tipo de informação com vocês hoje. Me alegra imenso colocar esse conhecimento à disposição de quem me acompanha aqui. Achou esse tipo de conteúdo útil? Gostaria de sugerir pautas pro blog? Os comentários são todos seus, sua opinião me interessa muito.
No último post compartilhei a receita do caldo bem verde que fiz com a couve da minha horta de quintal. Mas o que não contei foi que a batata daquele caldo também veio da horta, assim como a salada, de tomate com folhas de dente-de-leão (que cresce por todos os lados do jardim), que completou o jantar. Foi a primeira vez na minha vida que fiz uma refeição preparada inteiramente com o que eu mesma plantei. Quase inteiramente, na verdade, já que nem o alho, nem a pimenta preta, nem as azeitonas do azeite foram plantadas por mim. Autonomia alimentar total é difícil. Mas até pouco tempo atrás eu nem sequer imaginava que uma dia eu teria uma horta de quintal, muito menos que eu faria refeições compostas quase que totalmente pelo que eu mesma plantei.
Alguns anos atrás resolvi desenvolver uma prática de agradecimento (pode chamar de oração) sempre que me sento pra comer. Fui inspirada pela minha querida amiga Kiune, que mora num assentamento da reforma agrária no sul da Bahia. Eu estava passando um tempo por lá e um dia ela recebeu o prato de comida que eu tinha acabado de preparar e agradeceu a quem plantou e a quem preparou a comida, depois desejou que não faltasse comida na mesa de ninguém. Achei aquilo tão lindo e importante que resolvi adotar a prática, criando a minha própria prece. Antes da primeira garfada/colherada seguro o prato entre as mãos e digo mentalmente: “Obrigada a quem plantou, colheu e preparou essa comida. Que não falte comida na mesa de ninguém nesse mundo. E que esse alimento me dê forças pra servir a minha comunidade, lutar pelo que é justo e transformar o mundo.” Quando fiz a prece naquela noite me dei conta que pela primeira vez na vida a pessoa que plantou, colheu e preparou os alimentos no meu prato tinha sido eu mesma.
Minha ambição não é plantar absolutamente tudo que como. Como já disse, isso é bem difícil e não acho que seja algo a ser buscado. É bem mais interessante que cada pessoa na comunidade plante coisas diferentes, pra aumentar a diversidade na nossa alimentação. E pretendo continuar comendo azeite das oliveiras do sul da França ou plantadas pelo povo palestino. Mas desde que me mudei pra periferia de Paris, no final de 2019, e comecei a militar nesse território, passei a acreditar que plantar uma parte, mesmo pequena, do que comemos é essencial. Pra nossa resiliência, pra melhorar a qualidade da nossa alimentação, pra diminuir nossa dependência do dinheiro pra comer, pra participar da luta pela preservação de sementes e contra a mudança climática, pra aumentar a biodiversidade e refrescar nossos bairros e cidades. E por tantos outros motivos! Como estreitar os laços com as pessoas da nossa comunidade. Desde que começamos a plantar no quintal passamos a conversar com a vizinha e o vizinho do lado, que também plantam. Trocamos mudas, conselhos e, toda noite, enquanto aguamos nossos vegetais, trocamos dois dedos de prosa por cima da cerca de madeira que separa nossos quintais. As vizinhas são do Bangladesh e, assim como eu, plantam a comida que cresce no seu território natal pra matar a saudade de casa e se reconectar com uma parte de sua identidade através dos vegetais que cultivam.
Passei quatro meses trabalhando em uma mercearia fina no centro de Paris, em um bairro onde só mora gente que tem grana. Essa mercearia vendia também por aplicativo (Uber Eats) e entrei em choque quando descobri esse mundo. Talvez isso surpreenda vocês, mas nunca pedi comida por aplicativo e até começar a trabalhar lá, pensava que só restaurante usava esse serviço. A mercearia onde eu trabalhei vendia chocolate, queijos, salgadinhos, biscoitos, leites, sorvetes (tudo 100% vegetal)… Não tinha verduras nem frutas, só coisas industrializadas. E muita gente pedia (por aplicativo) coisas que em Paris basta descer do seu prédio e caminhar até a esquina pra encontrar. As pessoas pediam sorvetes, chocolates e biscoitos feitos com ingredientes cultivados nos quatro cantos do mundo, preparados em algum lugar longe dos nossos olhos, por pessoas que não conhecemos, embalados e entregues por outras pessoas invisíveis. A fetichização da mercadoria (e o alimento-mercadoria) no seu ponto máximo. Poucos minutos separam a vontade de comer chips de batata e o pacote que aparece como mágica na porta do apartamento daquelas pessoas, com apenas uma etapa no meio: o clique no aplicativo dentro do celular. A magia de esconder dos olhos da consumidora parisiense a exploração dos corpos racializados explorados no processo.
Não acho que só somos capazes de apreciar o que vem com dificuldade, mas como não pensar que aqueles chips de batata serão devorados em segundos, sem nem um pensamento pro mundo de pessoas e lugares envolvidos na sua produção e logo depois serão esquecidos?
As batatas que plantamos aqui, e que estavam no meu prato naquela noite, vieram da horta de uma amiga e camarada que tem um lote nos Jardins Operários a poucos minutos de caminhada da nossa casa. Minhas batatas me conectavam a ela e à luta pra salvar os Jardins, o último pedaço de terra cultivada na cidade, que alimenta a classe trabalhadora e imigrante daqui há mais de cem anos. Tinham o sabor da alegria de ter conseguido fazer nossa horta vingar. Nossa primeira horta. Comemos devagar, Anne e eu, apreciando cada colherada. De vez em quando nos olhávamos, com um sorriso gigante no rosto, e repetíamos o quanto aquilo era gostoso. Talvez nossas batatas não tivessem nada de excepcional, mas elas ficarão gravadas na minha memória e quando penso naquele jantar, ainda me alegro.
Foi uma refeição das mais simples, mas naquela noite alimentei a alma. E podem ter certeza que a refeição me encheu de forças pra mudar o mundo e seguir plantando a revolução.
Agora que já posso contar as semanas que faltam pra terminar o trabalho na mercearia nos dedos de uma mão, sinto que posso começar a falar sobre essa experiência aqui.
No início de abril iniciei um contrato de quatro meses como vendedora em uma mercearia fina e totalmente vegetal. Eu já era cliente ali há anos e sempre simpatizei com a dona da mercearia. Então quando minha situação financeira chegou num ponto crítico e eu comecei a procurar bicos pra complementar a renda (desde que criei a campanha de financiamento no Apoia-se, em 2020, essa tem sido a minha única fonte de renda), o anúncio dessa mercearia vegetal procurando vendedora me pareceu exatamente o que eu precisava no momento. Ter um salário fixo, mesmo por um período de apenas quatro meses, está me ajudando a desafogar um pouco e ter tranquilidade financeira, embora passageira. Mas, e isso não vai surpreender a galera que bate ponto todos os dias, isso vem com muitos custos.
Apesar da carga de trabalho semanal na França ser de 35 horas, trabalho onze horas por dia, com uma pausa de uma hora no meio (aceito todas as horas extras, porque preciso do dinheiro). Gasto quase duas horas diárias com deslocamento. Trabalho nos fins de semana. Nos meus dias de folga estou tão cansada que mal consigo recuperar a força que me foi sugada durante a semana e não consigo fazer mais nada. Parei de participar das atividades do meu coletivo e os posts semanais aqui viraram quinzenais. Fora que a vida pessoal foi freada bruscamente. Ver as amigas, dar apoio às pessoas na minha comunidade e até ligar pra minha família ficou muito mais difícil, pois minha energia, mesmo nos dias em que não trabalho, parece que não consegue se restaurar. Agora as coisas mais simples, como responder o áudio que a amiga enviou há duas semanas, muitas vezes representam algo que vai além das minhas forças.
Tenho muito o que contar sobre as descobertas que fiz trabalhando na mercearia. O que pude observar do “mercado vegano” e das pessoas veganas em Paris, mas, principalmente, sobre as condições de trabalho e exploração da mão de obra imigrante aqui na Europa (Uber Eats, tô olhando pra você!). Pra minha grande surpresa, esse trabalho se tornou uma pesquisa de campo. Quem diria que fazer um bico de vendedora, impulsionada pela insegurança financeira na qual me encontro, forneceria material que daria pra se transformar em uma tese em sociologia e outra em psicologia!
Também ganhei novos amigos refugiados (os entregadores de aplicativos) e novas redes de solidariedade estão se tecendo entre nós, mas isso tudo fica pra outro dia. Só quando terminar meu contrato e eu tiver descansado por algumas semanas conseguirei voltar aqui e escrever sobre isso.
Como eu disse, não estou me referindo a nada que saia do ordinário, infelizmente. Quem trabalha longas horas, fazendo um trabalho físico e pega transporte público todos os dias conhece muito bem essa toada. A toada da trabalhadora explorada e esgotada.
Mas talvez você, me lendo agora, não tenha vivido experiências de trabalho similares. Talvez você nem faça parte da classe trabalhadora. Então deixa eu abrir uma pequena janela no meu cotidiano pra te dar uma ideia do que estou falando. Vou contar como foi o meu último dia trabalhado, que embora tenha sido particularmente difícil, não foi muito diferente de todos os outros.
O último dia da minha semana de trabalho (que inclui o fim de semana) é sempre o mais difícil porque traz acumulado o cansaço dos dias anteriores. Nesse ponto eu já levanto da cama cansada e me dou conta que as oito horas de sono já não são suficiente pra descansar o corpo: a sola dos pés doem quando eles encontram o chão do quarto.
Todo dia eu faço tudo sempre igual, como canta Chico Buarque. Levanto, tomo banho, faço o café, como e caminho até o metrô. A repetição às vezes me desorienta e parece que estou num daqueles filmes em que a pessoa vive sempre o mesmo dia, presa num looping temporal.
Felizmente não teve muitas entregas de mercadoria naquele dia. Na véspera tínhamos recebido oito entregas grandes e passei horas e horas carregando caixas. Passo boa parte do dia levantando peso, desembalando e embalando coisas, subindo e descendo escada (o depósito fica no subsolo, sem elevador de carga), colocando mercadorias nas prateleiras… Só sento quando vou ao banheiro ou quando paro pra comer. A mercearia também vende por aplicativo (Uber Eats), então muita gente que antes se deslocava pra fazer suas compras, agora pede pelo aplicativo. Isso aumentou muito o nosso trabalho de vendedora, pois além de cuidar das clientes que estão presentes na loja, também temos que preparar as comandas das clientes que pedem pelo aplicativo, correndo contra o tempo quando a loja está cheia e muitas comandas chegam de uma vez (temos apenas 20 minutos pra preparar uma comanda). Hoje uma parte considerável das nossas vendas se faz via Uber Eats e é por isso que acabei me aproximando dos entregadores (todos refugiados).
Depois de 10 horas em pé, de muito sobe e desce de escada, várias comandas preparadas e algumas interações delicadas com clientes obtusas (felizmente nesse dia não tive que lidar com comportamentos sexistas de clientes homens), fui pegar o metrô de volta pra casa, feliz por estar, enfim, de folga. Mas a alegria da trabalhadora não vem assim tão facilmente.
Preciso pegar dois metrôs pra chegar em casa, com uma baldeação em uma estação bem grande, e a linha que chega até a minha periferia é (surpresa!) uma das piores da grande Paris. Os trens são tão velhos e barulhentos que já desisti de escutar podcasts ou música no caminho do trabalho, pois ou coloco o volume dos fones no máximo e corro o risco de estourar os tímpanos ou não consigo escutar nadinha. Tem sempre problemas técnicos que fazem com que eles atrasem ou parem entre duas estações. Acho uma graça quando o condutor do metrô anuncia no alto falante: “Senhoras e senhores, ocorreu um problema técnico e o trem vai estacionar alguns minutos. Peço que esperem”, como se a gente tivesse a possibilidade de abrir a porta do metrô, entranhado nos subsolos da malha metroviária, e continuar a viagem andando! Algumas linhas de metrô em Paris tem ar-condicionado, mas claro que a minha linha não tem. E, pra completar, é uma linha que está sempre, sempre lotada, pois transporta a galera migrante periférica que trabalha em Paris (presente!). E é muita gente.
Na hora de fazer a baldeação percebi que a plataforma estava ainda mais cheia do que o de costume e que o próximo trem estava atrasado. Falta de sorte minha, passei a ter dores de cabeças agudas há alguns dias e a mistura de cansaço e fome fizeram com que a minha cabeça, que estava doendo num nível suportável até então, passasse a latejar. Mas eu teria que coloca-la, latejando ou não, dentro do próximo metrô. Não sei como consegui entrar no vagão, mas juro que nunca peguei um transporte tão cheio. E parece que mesmo depois que o negócio lota total, mais gente ainda consegue se enfiar dentro. Transporte público ri na cara da lei da física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço.
Então imagina aí. Lá estava eu, exausta da longa semana de trabalho, no final de mais um dia de batente, em pé durante todo o trajeto de volta pra casa, tão apertada que você pensa “se eu respirar fundo, eu arroto!” e que torna risível o instinto de se segurar nas barras de ferro (como vai cair se não tem espaço no chão, minha filha?) quando… uma briga entre dois homens explode do meu lado. Você não sabe quem começou, mas uma coisa é certa: vai sobrar porrada pro seu lado porque não dá pra fugir. Gritaria, empurra-empurra, Jesus-Maria-José! vou-voltar-pra-casa-com-um-olho-roxo-era-só-o-que-me-faltava! Até que um jovem bota moral nos cabras que estavam brigado (por espaço, obviamente!) e a nossa parte do vagão dá um suspiro de alívio. Tá todo mundo bem? Tá todo mundo bem. Obrigada, jovem que botou moral. Mas não é que menos de trinta segundos depois outra briga explode, na outra ponta do vagão?
Nesse ponto minha dor de cabeça tinha piorado muito, a fome roncava alto e me deu vontade de chorar porque parecia que eu não ia chegar nunca mais em casa. Mas nada que não pudesse ficar pior. Pane de eletricidade no metrô, circulação interrompida por alguns minutos, calor dos infernos (mas não baixa a máscara que a Covid tá voltando com tudo!) e, sendo a trabalhadora uma mulher, você achava que ela ia conseguir chegar em casa sem ser vítima ou presenciar uma situação de violência sexista? Quem achou que sim, é homem.
Apesar do vagão estar menos lotado, pois já estávamos chegando no final da linha, um homem começou a invadir o espaço da mulher do meu lado, jogando o seu corpo sobre o dela. Ela reage e pede pra ele se afastar, diz que agora tem espaço ao redor dele, o vagão inteiro finge não ouvir, o homem se recusa a sair de cima da mulher, eu vou pro lado da mulher e tento protege-la, outro homem se aproxima… pra defender o cara assediando ela! Não satisfeito ele começa a insultar a mulher que estava sofrendo a agressão (minha nossa senhora do perpétuo socorro, tira nós desse vagão!). Finalmente chegamos no terminal, o trem ainda cheio, e eu acompanhei a moça até a saída pra garantir que ela estava bem.
Fiz os 10 minutos de caminhada que separam o terminal do metrô da minha casa quase me arrastando e cheguei em casa “só o durex”, como dizia um colega gaúcho. Fisicamente exausta, emocionalmente chacoalhada, faminta e com a cabeça a ponto de explodir. Mas foi só um dia comum na vida da trabalhadora mulher, migrante e que mora na periferia.
Outro dia eu encontrei esse texto, que escrevi há uns dois anos pra postar no meu perfil no Instagram, hoje defunto. Está mais atual do que nunca e veja que eu estava tentando fazer a minha raiva caber nos poucos caracteres permitidos nas legendas do Instagram…
Nosso sistema político e econômico é estruturalmente injusto: ele foi criado pra ser assim. Não é um erro de cálculo que pode ser consertado com uma versão “consciente” ou “verde”. Exploração (humana, não-humana e da terra) está no DNA do capitalismo. Desigualdade social é a condição pra que ele exista, beneficiando o 1% enquanto os outros 99% são esmagados. Na sua lógica irracional de expansão infinita e lucro acima de tudo/todos o capitalismo destrói as condições pra que a vida, como conhecemos hoje, continue existindo. Sair do capitalismo é uma questão de sobrevivência.
Diante dessa urgência sentir raiva é uma reação natural. Desconfio de quem demoniza a raiva e prega o “vamos amar a todos em qualquer circunstância / você é a única responsável pelo que sente, então escolha sentimentos bons”. Esse discurso serve dois propósitos. 1- Controlar a narrativa e taxar de radical, enraivado e irracional quem milita por uma mudança sistêmica e não se contenta com migalhas na forma de reformas superficiais. Só eles, que fecham com o capital e vendem seus princípios, tem uma postura “sensata”. Nós somos, na melhor das hipóteses, ingênuas, na pior, impedimos o suposto avanço que eles estão negociando por nós. 2- Suprimir nossa revolta e nos manter dóceis e obedientes, sendo exploradas e massacradas enquanto internamente cultivamos o amor e a compaixão pelos nossos opressores. Assim o sistema injusto se mantém protegido.
Só quem se beneficia da desigualdade social não tem motivos pra estar com raiva. Não, eu não mando coraçãozinho pra quem explora trabalhadores até que eles caiam de exaustão, enquanto sua fortuna se multiplica. Não faço parceria com quem abre fogo contra camponeses e grila território indígena pra expandir seu latifúndio. Não dialogo com quem mata milhões de animais por ano. Pra essas pessoas só tenho um recado: estamos em guerra.
E a minha raiva não vem de uma suposta falta de evolução espiritual ou de estratégia. Ela vem do amor. Amor pelo povo, tão sofrido. Pelos animais, assassinados aos bilhões todo ano. Amor pela natureza, que grita socorro. Amor pela justiça.
Com amor, revolta e ira, sigo na luta.
(Tradução pro cartaz na foto acima: “Fichado, com raiva, sem grana, mas fascista, não! Estamos aqui.” Veja que em francês essas palavras são bem próximas.)
A minha linguagem do amor primária é “palavras de afirmação” (eu convido todo mundo na minha vida a fazer o teste e te incentivo a fazê-lo também). Mas a segunda é “atos de serviço” e é aqui que entra a minha maneira preferida de mostrar amor por alguém: cozinhando. Eu cozinho quando quero levar reconforto pra alguém sofrendo de males do corpo ou da alma, pra aliviar a dor de um pé na bunda, pra alegrar alguém no final de um dia longo e exaustivo, pra conquistar o coração da mulher que decidiu habitar os meus pensamentos… E ontem passei a tarde cozinhando pra uma camarada de coletivo que torceu o tornozelo e está acamada há dias.
Quando a busca por pertencimento passa por ervas selvagens ou a história de refugiadas palestinas conectando-se às suas terras ancestrais por meio de um xícara de chá de ervas.
Para refugiados e refugiadas palestinas, o chá de ervas representa mais, muito mais, do que uma mistura de plantas e água quente. Elas bebem o “Balad”, a terra ancestral da qual foram expulsas. Elas bebem as lembranças da infância, as canções e as histórias das gerações que vieram antes delas. Elas bebem as colinas e vales proibidos que aparecem nos olhos úmidos de suas avós. E no caso de Sidra* e sua família, também bebem o suor, a ansiedade e o sorriso cauteloso de um camponês que atravessa muros, fronteiras e o poder colonial que entrincheira o povo palestino para trazer-lhes um pedaço daquela terra proibida, presente em um punhado de ervas.
Ontem foi o aniversário de 74 anos da Nakba (“catástrofe” em Árabe), a triste data que lembra o momento em que 2/3 da população palestina foi expulsa de suas terras e se tornou refugiada. Quando a maior parte da Palestina histórica foi ocupada e colonizada. Mas eu não queria falar sobre isso hoje. Gostaria de trazer um post dos arquivos Papacapim que é muito pessoal e fala sobre Jerusalém, a minha cidade preferida no mundo. A que me fez me apaixonar pela Palestina, sua comida, seu povo e sua cultura. O lugar onde, quando meus pés tocam a terra, minhas narinas sentem o cheiro do pão com gergelim assado dentro dos muros da cidade antiga, e meus olhos encontram as pedras douradas das construções históricas, meu coração se sente em casa.
Continuando a série “requentando posts antigos porque esse blog tem mais de 12 anos e a maior parte das pessoas me lendo agora não tem ideia das coisas bacanas que já postei aqui”, vou seguir no tema “Palestina” porque, como expliquei no último post, em breve será mais um triste aniversário da ocupação israelense naquelas terras. Gostaria que a Palestina não aparecesse na timeline de vocês apenas quando a violência da colonização israelense chega em picos tão elevados que volta a ser manchete. E sobre os posts que escrevi na Palestina, o de hoje é, até hoje, o que mais deu o que falar na história do blog.
Mas de dez anos depois, ainda tem gente comentando esse post. Já encontrei até gente que estudou ele na faculdade!! Não sei que professora levou meu texto pras suas estudantes (em que curso?), mas agradeço de coração. A história de hoje foi só uma das aventuras lindas que vivi, ou testemunhei, por lá, mas segue sendo um dos meus posts preferidos do Papacapim, no top 5. Foi a primeira vez que escrevi sobre a Palestina no blog e como o retorno das leitoras foi extremamente positivo, à partir daí passei a falar regularmente da luta do povo palestino aqui. Esse post foi um marco e um divisor de águas pro blog.
Porque hoje é um dia difícil aqui na França e o risco do domingo terminar com a eleição de uma neofascista como a próxima presidente do país é grande…
Porque comecei um trabalho novo no início do mês e desde então tenho jornadas de trabalho de 10h30 e já não consigo mais manter o antigo ritmo de posts aqui…
Porque estamos atravessando mais uma onda de crimes do colonialismo israelense na Palestina (apesar da violência colonial nunca dar trégua pro povo palestino, só quando ela atinge picos altos a mídia se interessa e isso vira notícia)…
Porque o pessoal que chegou no blog nos últimos tempos não costuma ler os posts antigos e tem muito material interessante, emocionante e inspirador nos arquivos do Papacapim e acho uma pena que ele não chegue a mais pessoas…
Gostaria de repostar a história de três amigas palestinas, que postei separadamente anos atrás, numa série que chamei de “Histórias Palestinas”. Peguem um café, um chá, se instalem confortavelmente no sofá, respirem fundo e se preparem pra revolta, a emoção e, espero, a inspiração que vocês sentirão ao longo dos próximos parágrafos. Estamos atravessando tempos difíceis, mas não podemos abandonar a luta. Sempre que o desespero quer tomar conta de mim lembro das pessoas palestinas, que seguem resistindo apesar de tudo. Se elas ainda estão de pé, lutando, quem sou eu pra baixar os braços e me deixar invadir pela desesperança?
Khoulud, de véu rosa, com a mãe, a avó e duas filhas. Foto Anne Paq.
Volto pra França daqui a alguns dias e tenho muita coisa pra contar sobre a passagem pelo Brasil. As duas últimas semanas foram cheias de encontros e projetos com potencial de fazer grandes transformações mas será necessário algum tempo antes de conseguir compartilhar tudo. Os dias aqui em Natal seguem cheios de tarefas, a principal sendo cuidar da minha mãe, e por isso me sinto exausta em permanência. Tô aqui economizando forças pra segurar as pontas até o momento do embarque e como a longa travessia entre Natal e minha casa, em Paris, levará quase 24 horas, com certeza vou precisar de uns dias de descanso quando chegar do outro lado. Então hoje deixo vocês com alguns momentos de alegria que vivi entre Natal, São Paulo e Recife, antes de voltar à nossa programação normal de receitas e reflexões.
Estou mais uma vez em terras potiguares. É o meu terceiro dia aqui e meu corpo ainda não se acostumou com a temperatura do nosso verão. O choque térmico foi grande e lembrarei de evitar, no futuro, passar do inverno francês pro verão brasileiro. Mas o motivo das minhas vindas ao Brasil terem se tornado mais frequentes é porque preciso cuidar da minha mãe, então passei a planejar essas viagens de acordo com as necessidades daqui e as possibilidades de lá, não com o período do ano em que a temperatura é mais agradável.
Feijão é bom. Feijão é a base da alimentação da vegana. Feijão é a proteína do proletariado. Feijão (leguminosas em geral) é a solução pra que comer animais se torne obsoleto. E tem mais.
-Ele fixa nitrogênio no solo. Plantado em rotação melhora o rendimento das outras culturas e diminui a necessidade de fertilizantes.
-Pra produzir 1kg de lentilhas são necessários 1250 L de água. Pra produzir 1kg de carne de frango: 4325 L. 1kg de carne de vaca: 13 mil L (fonte: FAO)
-Ele absorve carbono, reduzindo o efeito estufa.
-É rico em proteínas de qualidade, de fácil digestão, pobre em gordura e cheio de fibras.
-Essas fibras controlam o nível de açúcar no sangue, apesar dele ser rico em carboidratos, dando sensação de saciedade por mais tempo (ótimo parceiro pra diabéticas).
-É a proteína mais acessível economicamente. Em períodos de crise, quando a população não consegue mais comprar animais, o feijão continua no prato. Junto com o fiel arroz, é uma proteína completa, com todos os aminoácidos essenciais.
-É o alimento que pode tratar ao mesmo tempo a subnutrição e os problemas de saúde ligados a dietas pobres. É um guerreiro na luta contra a fome e a fome oculta.
Ontem eu estava limpando meu computador, que não para de me enviar mensagens dizendo que não tem mais espaço pra nada por aqui, quando achei essa foto feita há exatamente um ano.
Eu sempre tive medo de cachorros. Um velho trauma de infância, nada grave, mas suficiente pra ter me feito temer aproximação com cães durante quase toda a minha vida. Até que Nina entrou pra família. A história de como ela chegou até nós é bonita, então vou contar.
Eu não sei como foi o ano pra vocês, mas 2021 me deixou sentindo como se eu tivesse caído de um caminhão em movimento. Detalhe: a queda foi no meio de um cruzamento movimentado, então nem deu tempo de parar e conferir se estava tudo bem. Já tive que levantar, bater a poeira da bunda e correr pra não ser atropelada. Porque apesar dos meus pedidos encarecidos, 2022 não quis esperar e já está aqui. Eu não estou pronta, mas bora lá.
Em 2021 a situação de saúde da minha mãe, que tem Alzheimer, piorou e estive no Brasil duas vezes. Foram muitas horas com uma máscara FFP2 na cara, atravessando o oceano de cá pra lá e de lá pra cá. Quarentenas em cada ponto de chegada. E impossibilidade de visitar as amizades e familiares que moram em outras cidades. Daqui a um mês estarei no Brasil novamente, mas fico, mais uma vez, só em Natal. Dependendo da situação, quem sabe chego até Recife?
Há exatos dez anos eu fiz um post com sugestões de receitas pra ter um natal vegano. Pensei que estava mais do que na hora de fazer um post atualizado, já que em uma década (uma década!) se passou e muitas outras receitas apareceram aqui desde então.
Eu acredito cada vez menos em receitas e mais em “fórmulas”. Já compartilhei a fórmula da sopa e da salada-refeição aqui, mas como a gente não ganha amigues com salada (quem viu os Simpsons vai entender), hoje vim falar de uma fórmula quase mágica que vai limpar sua geladeira, produzir uma refeição nutritiva em pouco tempo e impressionar as gatinhas (e amigues).
Não é segredo nessa internet que eu não sou a fã mais entusiasmada de arroz. Já me recomendaram inclusive procurar ajuda psicológica por causa disso (ah, as coisas estranhas que me escreviam no IG…). A verdade é que acho o bichinho sem graça. Não por acaso eu adoro risotto e arroz de forno, pois são versões “com graça” desse cereal. Quando misturo arroz com legumes e um molho, a cuíca muda o tom.
Como falei, não se trata exatamente de uma receita, mas de uma fórmula. Não se deixe intimidar pelo número de frases nas instruções. O processo é extremamente simples e juro que você só vai precisar ler tudo uma única vez. Ao entender o princípio, nunca mais será necessário voltar aqui pra seguir as instruções. E esse é um dos objetivos principais do meu trabalho no blog: ensinar a cozinhar de uma maneira emancipatória e incentivar a autonomia alimentar de vocês.
Hoje a pauta é: como fortalecer o veganismo popular e se organizar dentro do movimento vegano. Bora lá.
Vocês sabiam que nos dias 27 e 28 de novembro aconteceu o segundo ENUVA, o Encontro Nacional da União Vegana de Ativismo? Foi todo on-line (a pandemia nos obrigou) e gratuito, reuniu pessoas de diferentes países e renovou nossa esperança. Bem no espírito da UVA. Se você perdeu as mesas/conversas, ou se viu e quer rever, tá tudo no nosso canal do YouTube.