Alguns escritos recentes

Estou escrevendo essas linhas diretamente de Rio Branco, no Acre. Cheguei ontem à noite e essa é a primeira etapa de uma longa viagem que vai durar 50 dias e nos levar, Anne e eu, do Acre ao Rio Grande do Norte, passando pelo Amazonas, Pará e Maranhão. Contarei mais sobre esse projeto no final da jornada, mas antes de começar esse trabalho apareci aqui pra compartilhar alguns escritos recentes que nós, da União Vegana de Ativismo (UVA) escrevemos. O incômodo que pessoas antiespecistas sentiram nos últimos meses é gigante. Enquanto os movimentos sociais e pessoal de esquerda, num sentido mais abrangente, não para de repetir – com razão- que o agro é fogo, praticamente ninguém (além da galera vegana) fala sobre a relação entre o consumo de animais e os incêndios que estão destruindo com nossos biomas. Por isso levantamos essas questões sempre que pudemos, porque nossa consciência política e ambiental não deveria parar de funcionar quando sentamos pra comer.

Vou reproduzir os textos aqui, mas vai ter o link pro lugar onde foi publicado originalmente no final de cada um.

O agro é fogo – e já não tem mais como esconder isso. As queimadas são intencionais, e a pecuária é a principal responsável pelos incêndios florestais, de maneira direta e indireta.

A questão agora é: Como apagar o incêndio? 

Comece apagando o churrasco!

Sabemos que 97% do desmatamento nos últimos 5 anos, no Brasil, foi causado pela agropecuária. Sabemos que a maior utilização da terra no país é PASTO – já temos o equivalente ao estado do Amazonas em pasto! O Brasil se tornou o maior produtor de carne bovina no mundo e o número de vacas já ultrapassou o número de humanos. E quem come tanta carne?

75% da carne bovina produzida no Brasil em 2021 foi consumida no nosso prato (ABIEC). O consumo de carne de vaca no país, em 2023, foi de 39kg/pessoa, enquanto o consumo de carne de frango foi de 46 kg/pessoa. Lembrando que a soja é a principal proteína nas rações das aves. Em termos de desastre ambiental e social, comer carne de vaca ou de frango é mais do mesmo. 

Citando Luiz Marques, autor do livro O decênio decisivo:

“Somos os principais responsáveis pela destruição do patrimônio natural, do clima e da biodiversidade de nosso país. Podemos manter a floresta e tudo o que ela proporciona ou podemos manter a dieta carnívora. Mas não podemos manter os dois. É simples assim.” (post original no perfil da UVA)

Estamos presenciando agora uma enxurrada de manchetes como “O Agro é fogo” ou “O Agro é destruição”. A maioria dessas notícias não personaliza a discussão, tratando o agronegócio como uma entidade sem rosto, algo que todos reconhecem, mas poucos compreendem a fundo. Por esse motivo, achamos importante trazer algumas informações sobre o assunto.

Ao falar de agronegócio, é essencial “dar nome aos bois”. Para discutir o agro, precisamos falar sobre a agropecuária. Neste momento, enquanto você é sufocado pela fumaça das queimadas, não dá para ignorar as mazelas de um sistema agrícola predatório, que transforma a criação em larga escala de animais no bife que chega ao prato. Não há como combater o agronegócio sem refletir, com urgência, as bases de um sistema alimentar falido, tanto no Brasil quanto globalmente.

Sabemos que 97% do desmatamento nos últimos 5 anos, no Brasil, foi causado pela agropecuária. Sabemos que a maior utilização da terra no país é PASTO – já temos o equivalente ao estado do Amazonas em pasto! O Brasil se tornou o maior produtor de carne bovina no mundo e o número de vacas já ultrapassou o número de humanos. A monocultura da soja que devasta nosso cerrado e outras regiões do país, é quase em sua totalidade utilizado para consumo de animais que serão mortos e não para consumo direto das pessoas.

Diante dessa realidade, não podemos deixar de considerar que “ quando a carne é a protagonista do prato, o agro é o protagonista do campo”. Mas quando a alimentação tem como protagonistas vegetais frescos, a agricultura familiar é colocada no centro. Alimentação vegetal é resistência contra um sistema que causa fome, miséria, concentração fundiária, genocídio indígena e ameaça a saúde do planeta. 

Você pode não se importar com as relações de opressão dos animais humanos para com os animais não humanos, mas se você tem preocupações ambientais e preza pelo senso de comunidade, pode enxergar uma realidade bem indigesta pela frente: é insustentável consumir animais nessa quantidade atual. Não estamos trazendo uma imposição ou obrigação em ser vegana, mas pense em considerar o veganismo como um ato político de transformação social, como um movimento social de lutas anti-opressão, que pode também contribuir para uma sociedade sustentável.

Citando Luiz Marques, autor do livro O decênio decisivo:

“Somos os principais responsáveis pela destruição do patrimônio natural, do clima e da biodiversidade de nosso país. Podemos manter a floresta e tudo o que ela proporciona ou podemos manter a dieta carnívora. Mas não podemos manter os dois. É simples assim.”

(texto publicado originalmente no site da Mídia Ninja)

Quem come como o colonizador, pensa como o colonizador?

Perdi a conta de quantas vezes contei essa história. Foi há muitos anos e eu estava visitando minha família, no Sertão do Rio Grande do Norte. Era a primeira vez que eu ia lá depois de ter me tornado vegana. A tia que me hospedou estava preocupada, repetindo que agora não sabia mais o que fazer pra eu comer. “Tia, a senhora não precisa se aperrear, não. Eu como tapioca, cuscuz, inhame, feijão, arroz, farinha, batata doce, macaxeira, todas as verduras e frutas. Tudo que eu sempre comi com a senhora, só que sem carne nem queijo” – respondi.

Quando ela me chamou pra comer, encontrei uma mesa farta. Tinha feijão verde, de uma roça ali pertinho, arroz, batata doce, macaxeira, verduras cozidas e salada crua. Enchi o prato e antes de sentar pra comer, minha tia se aproximou, olhou aquele monte de comida colorida na minha mão, suspirou e disse: “Minha fia não achou nada pra comer, não foi?” 

Aquela observação me deixou chocada. Onde eu via fartura, minha tia via vazio. 

Repare que ela estava segurando um prato quase idêntico ao meu, com uma única diferença: no dela tinha um pedaço de frango. Um frango que ela tinha comprado congelado, no supermercado mais próximo. Aos olhos da minha tia, aquilo, sim, era comida.

Essa história é uma perfeita ilustração de como valorizamos muito mais carne (seja ela de vaca, galinha ou qualquer outro animal) do que vegetais. O conceito de “fartura” está, quase sempre, associado a uma mesa, ou geladeira, cheia de carnes e laticínios. Mas qual o impacto dessa crença na sociedade e nas nossas vidas?

Vamos começar fazendo algumas perguntas simples sobre a origem da comida que comemos. Quem produz a quase totalidade da carne no país? Resposta: o agro, seja  diretamente, através da pecuária, seja indiretamente, através da soja e do milho que são transformados em ração pros animais de abate. Agora vamos aprofundar um pouco mais a nossa pesquisa.

Quem trouxe as vacas, galinhas, ovelhas, cabras e porcos pra esse território conhecido como Brasil? Pouca gente reflete sobre isso, mas esses animais não são nativos: eles foram trazidos pra cá pelos invasores europeus. Por um lado, porque era a comida que os colonizadores tinham costume de comer e, por outro lado, pra servir de ferramenta de expansão territorial. Foi “passando a boiada” que as terras foram, e ainda são, colonizadas, até que nos tornamos o segundo maior produtor de carne de gado e de frango do mundo! E se engana quem acha que a maior parte da carne e frango produzidos no Brasil é exportada. De acordo com a ABIEC, atualmente 75% da carne de gado produzida no Brasil é consumida dentro do país e quase 70% do frango brasileiro vai parar no nosso prato. A carne desses animais, que não fazia parte da dieta dos povos originários antes da invasão, ocupa hoje um espaço central no nosso prato: enquanto o consumo anual de carne, frango, porco e cabra é de quase 100kg por pessoa, comemos menos de 50kg de verduras por pessoa, anualmente (FAO). 

O que eu vou dizer agora provavelmente vai gerar antipatia pro meu lado, mas aceito correr esse risco. Quando a gente escolhe comer como o colonizador, a gente acaba apoiando o projeto de colonização, que na sua encarnação mais recente atende pelo nome de agronegócio. Valorizar carne e frango acima de qualquer outro alimento reforça o poder do agro. É por isso que uma das palavras de ordem da UVA (União Vegana de Ativismo) é: “Quando a carne é a protagonista no prato, o agro é protagonista no campo.”

Na outra ponta dessa mesa está a agricultura familiar, responsável por dois terços da produção de frutas, verduras e legumes no país. Acho que agora já temos mais elementos pra responder a pergunta que fiz alguns parágrafos acima. 

Quem sai fortalecido quando acreditamos que “fartura” é obrigatoriamente uma grande quantidade de carne, queijo e ultraprocessados (os pacotinhos e potinhos fabricados pela indústria)? Quem perde quando acreditamos que vegetais, e alimentos frescos em geral, são inferiores – tanto em sabor, quanto em status social?

E tem mais! 57 mil pessoas morrem anualmente no Brasil por causa do consumo de ultraprocessados. O consumo de carnes, principalmente as vermelhas e os embutidos (como mortadela e salsicha) está adoecendo a população, principalmente as classes populares. Aumentar nosso consumo de vegetais é essencial pra evitar o nutricídio da população mais vulnerável, mas estamos caminhando na direção oposta. A última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE mostrou que 90% das pessoas no país não comem frutas e verduras em quantidade suficiente, alimentos essenciais pra manutenção da saúde… 

Quando não valorizamos a comida que vem da terra, desvalorizamos também quem plantou aquela comida. O mais triste é ouvir isso da boca de quem vive da terra. Quem nunca ouviu um agricultor falar: “Planto, mas não como” ? Precisamos mudar essa mentalidade.

Enquanto lutamos pra construir o mundo no qual queremos viver, com abundância pra todas e todos, já podemos começar a sentir o gostinho dele na mesa, ao decidir que “fartura” de verdade é comida que nasce na terra, de origem agroecológica. 

Se quisermos derrubar o agro, precisaremos boicotar seus produtos. Não dá pra continuar repetindo que queremos o agro fora do campo enquanto enchemos o prato com a carne que eles produzem. Pra descolonizar a alimentação, precisamos nos recusar a comer como o colonizador.

(texto publicado originalmente no site da Teia dos Povos)

Porto Alegre

O avião se aproximou de Porto Alegre e eu fiquei impressionada em avistar tanta água. Era a minha primeira vez na cidade e, admito com vergonha, não sabia que ela era banhada pelo rio Guaíba. Aliás, descobrir o nome daquele rio foi uma surpresa. No bairro onde cresci, no outro Rio Grande, as ruas tem nome de rio e a rua Rio Guaíba é vizinha da nossa. Então ficava ali o rio que eu atravessava todos os dias, na sua versão rua, pra ir pra escola?

O rio Guaíba, em Porto Alegre

Eu estava indo pra Porto Alegre pra realizar atividades militantes, quando a UVA organizou a Jornada do Veganismo Popular contra o Fim do Mundo, em novembro de 2022. Fui muito bem recebida por camaradas do coletivo vegano local associado à UVA, que foram me buscar no aeroporto, me ofereceram pouso e comida, me levaram pra conhecer a cidade e trocaram ideias e conhecimentos comigo. Depois de me impressionar com aquele corpo d’água imenso e com a hospitalidade das pessoas que encontrei, fiquei maravilhada com as árvores: gigantes e lindas. Talvez seja porque minha família é do Sertão, onde quase tudo é arbusto (“árvores acocoradas”, como disse Josué de Castro). O fato é que não importa quantos anos eu vivi e quanta coisa eu vi, árvores altas continuam sendo algumas das coisas que me mais me impressionam no mundo.

Acompanho, como o coração apertado e o peito cheio de revolta, a catástrofe causada pelas enchentes no RS todos os dias desde que voltei pro Brasil. Todos os dias, penso nas pessoas que conheci lá. Penso no assentamento que visitei, que produz tanta coisa além do famoso arroz orgânico, e que ficou completamente embaixo d’água. Penso no sofrimento do povo gaúcho que perdeu muito mais do que é possível contabilizar, nos animais que ficaram pra trás e morreram, nos que foram resgatados e estão em abrigos superlotados, nas voluntárias que estão fazendo um trabalho admirável salvando pessoas humanas e não-humanas… Penso também no meu irmão, que é bombeiro e saiu de um Rio Grande pro outro pra resgatar as vítimas das enchentes, sem data pra voltar pra casa.

E se a revolta com quem contribui pra que esse desastre acontecesse, sejam autoridades locais ou os poluidores do Norte do globo, ocupa uma parte dos meus pensamentos, ver a solidariedade das pessoas, a ajuda mútua (um dos pilares do compromisso anarquista) todos os dias é o que coloca alento dentro de mim. Claro que estou escrevendo essas linhas de um lugar bem longe, no seco e abrigada.

Hoje abri o telefone procurando as fotos da minha única passagem por Porto Alegre e percebi que apesar de ter compartilhado algumas fotos quando falei da Jornada do Veganismo Popular contra o Fim do Mundo, ainda não tinha feito um post contando o que vivi na cidade.

Enquanto sonho em voltar praquela terra, rever as amigas e camaradas e ver o RS reerguido e fortalecido, compartilho aqui alguns momentos da viagem de 2022.

A cozinha solidária do MTST acolheu a atividade em PoA da Jornada do Veganismo contra o Fim do Mundo.

Tive a honra de visitar o Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul (região metropolitana de Porto Alegre) e conhecer algumas pessoas maravilhosas por lá, além do famoso arroz orgânico do MST. Quem me levou até lá foi o jornalista Marco Weissheimer, do Sul21. Marco já tinha me entrevistado uma vez em 2018 e 4 anos depois nos conhecemos, enfim, pessoalmente e fizemos mais uma colaboração. Sou muito grata ao Sul21 por me dar espaço, mais uma vez, pra falar do antiespecismo como parte da luta decolonial: A mesa é um território de disputa

Assentamento Integração Gaúcha

Também pude visitar a padaria Pão da Terra, no assentamento. A história dessa padaria é linda demais e fico muito feliz que tenha sido registrada nesse video que o Sul21 fez mostrando nossa visita ao local.

Deixa eu contar um momento bem emocionante pra mim durante a visita à padaria Pão da Terra. Dona Maria Inês, assentada que também trabalha na padaria, nos mostrava os bolos lindos e cheirosos que elas preparam e vendem nas feiras. Perguntei que ingredientes ela colocava nos bolos e quando percebi que todos eram de origem vegetal (muito nutritivos, aliás) perguntei: “A senhora não usa ovo nos bolos por que?” Ela respondeu simplesmente: “Porque não precisa.” Algo óbvio que nós, veganas, sabemos, mas que as pessoas que comem animais e seus derivados ignoram (ou decidem ignorar). Se todo mundo entendesse essa informação tão simples…

A região de Eldorado do Sul foi muito afetada pelas enchentes e foi com muita tristeza que descobri que o assentamento Integração Gaúcha, todas aquelas roças lindas, os campos de arroz e aquela padaria tão especial, tinham ficado completamente embaixo d’água. Hoje Marco me enviou um vídeo da filha de uma das assentadas que conhecemos mostrando o estado que ficou a padaria. Ele também escreveu esse artigo contando como está sendo organizada a solidariedade pra reerguer a comunidade: Feiras Ecológicas lançam campanha para ajudar assentamentos atingidos pelas enchentes

Foi durante essa viagem que visitei, pela primeira vez na vida, um santuário animal. Pude conhecer o santuário Voz Animal e encontrei Feu, um dos fundadores do santuário e membro da UVA.

Encontrar cada animal vivendo ali foi lindo demais e descobrir o trabalho por trás do santuário me encheu de admiração por Feu e Fernanda, sua companheira e também fundadora do Voz Animal. E como se não fosse suficiente, essas pessoas estão atualmente na linha de frente resgatando animais vítimas das enchentes em Porto Alegre e organizando a solidariedade material nos abrigos.

Agradeço mais uma vez o carinho e a generosidade de todas as pessoas que conheci em Porto Alegre. Um obrigada especial a Monique, que me levou pra todos os lugares e me deu queijo (vegetal), a Bruno, que me deu pouso, mate e um livro, a Feu, que passou o dia me mostrando o santuário e a Marco, que decidiu levar minha voz e minha mensagem pras leitoras do Sul21:) A vontade de voltar pra rever vocês e estar aí mais uma vez é grande. Nosso reencontro, junto com o pessoal do MTST, as outras compas do coletivo Mova e Bruna Crioula vai ser potente. Um cheiro pra todas e vocês não saem do meu pensamento.

Organizando a solidariedade material

Quem puder contribuir materialmente com as pessoas e animais no Rio Grande do Sul, deixo aqui algumas recomendações de pessoas que conheço pessoalmente, que fazem um trabalho sério e que estão precisando de ajuda no momento.

Bruna Crioula criou o Fundo Crioula “em apoio ao povo negro e aos animais que sofrem os impactos do racismo ambiental no Rio Grande do Sul”. Doações via pix, chave: oi.crioula@gmail.com

As doações pro Santuário Voz animal vão ajudar os animais que moram no santuário (são 300 animais!), mas também os que foram vítimas das enchentes, fortalecendo o @aubrigo_scooby a UTI pra animais @op.resgateanimal , o Hospital de Campanha do Gasômetro @operacaoresgatepetpoa e Abrigo de Animais de Grande Porte de Viamão @naomedeixepratras . Você também pode doar diretamente pra cada uma dessas iniciativas.

4 de novembro de 2023

Eu tenho uma receita pra compartilhar com vocês há semanas, uma das melhores receitas que já cruzaram o meu caminho e que preenche todos os requisitos pra ser sucesso: extremamente simples, barata, que dialoga com nossa cultura alimentar e absurdamente deliciosa. Mas hoje, vigésimo nono dia de ataques israelenses à Faixa de Gaza, é um dia de solidariedade internacional ao povo palestino e me pareceu absurdo vir aqui falar de receitas. Então vou continuar o post anterior recomendando mais material sobre a Palestina, mas dessa vez se trata de vídeos que fiz com dois militantes que talvez vocês conheçam bem.

Há exatos três anos (4/11/2020), Vitor me chamou pra conversar sobre o que Palestina e veganismo e o que uma coisa tem a ver com a outra, mas na verdade preparamos uma aula bem didática sobre as origens do colonialismo sionista na Palestina.

Poucos meses depois, em maio de 2021, também tive uma conversa bem explicativa e didática sobre a luta do povo palestino com Dimitra Vulcana.

Espero que os atos e protestos de hoje sejam gigantes e que vocês gritem alto pelo povo palestino. Que nossas vozes cheguem aos ouvidos dos governantes, a maioria cúmplice desse genocídio, e os façam ter um mínimo de decência pra impor sanções a Israel até que parem de cometer crimes de guerra e contra a humanidade. E que palestinos e palestinas possam nos ouvir pra saber que, apesar dos nossos governos estarem do lado errado da História, nós estamos do lado certo. Palestina livre!

Sobre a Palestina e o seu povo

Se você descobriu esse blog recentemente talvez não saiba que a Palestina ocupa uma parte importante da minha vida. Visitei a região pela primeira vez em 2007 e morei lá de 2008 a 2013. Em seguida foram mais cinco anos, de 2014 a 2018, morando lá uma parte do ano, quando eu organizava tours políticos de solidariedade (veganos!) pra pessoas brasileiras que queriam conhecer a Palestina e a luta por autodeterminação do seu povo.

Por razões pessoais, não me encontro em condições de fazer análises políticas atuais sobre a colonização israelense na Palestina e seu projeto de Apartheid, limpeza étnica e genocídio. Mas quem conhece o meu trabalho sabe que sou uma militante muito comprometida com a causa palestina e que minha militância acontece na vida real, no terreno, não (apenas) na internet. Infelizmente, em tempos de ativismo de redes sociais, parece que se você não postar sobre X, então você não se importa com X e recebi várias críticas, mais ou menos explícitas, nas últimas semanas.

Estou cansada e abatida demais pra colocar pra fora, de maneira elegante e coesa, a minha frustração com esse tipo de comportamento. Quem quiser pensar que eu deixei de militar simplesmente porque não uso mais redes sociais, ou que parei de me importar com o povo palestino e sua luta por libertação porque não fiz um pronunciamento recente aqui, paciência. E quem mandou mensagens pedindo, de maneira educada e carinhosa, pra eu voltar a fazer conteúdo informativo sobre a Palestina porque “minha voz faz falta”, peço compreensão. Estou passando por um momento pessoal muito difícil, tanto por questões familiares quanto relacionadas à Palestina, e atravessar cada dia tem sido uma batalha. Mas tem muita gente fazendo isso no Brasil e no mundo (pra quem fala inglês) e tenho certeza que o mais acertado é ouvir vozes palestinas. Vou deixar algumas recomendações aqui.

Tem o trabalho da palestina, nascida no Brasil e que mora atualmente no Canadá, Hyatt Omar Tem também o grupo Juventude Sanaud e o Monitor do Oriente, uma “instituição independente de pesquisa de mídia fundada para promover uma cobertura justa e precisa das questões do Oriente Médio”. Em Inglês (mas nada que a ferramenta de tradução do Google não possa resolver pra quem não domina essa língua) recomendo o site independente de notícias The Electronic Intifada, que é palestino e, além de notícias, traz análises excelentes. E minha última recomendação é +972 Mag. Se trata de um site de notícias, também independente, mas israelense, de esquerda e anti-sionista.

Pra além das recomendações, eu vim aqui hoje pra fazer uma tentativa modesta. A desumanização do povo palestino continua sendo uma arma utilizada por Israel, e repetida pela grande mídia e governos mundo afora, pra impedir que a gente se solidarize com essas pessoas, justificando assim a sua dominação, opressão e abrindo caminho pro genocídio (anunciado e televisionado). Isso não foi algo inventado por Israel, basta estudar minimamente a História pra perceber que todo povo oprimido é desumanizado pelos seus opressores. Então eu vim lembrar vocês das muitas entrevistas e depoimentos de pessoas palestinas que publiquei aqui, além do relato de brasileiras que foram à Palestina comigo. E se você acaba de descobrir o Papacapim, aqui está um convite pra descobrir esse extenso material que há anos mora aqui, mas que não perdeu a relevância.

Começo com a série, em três episódios, “Histórias palestinas”, onde entrevistei dois amigos e uma amiga palestina. Essas pessoas, todas refugiadas, contam suas histórias de vida e como a ocupação israelense impacta absolutamente todos os aspectos do seu dia-a-dia e determinou o lugar onde nasceram e estão criando suas crianças.

Mustafa e Mohamad Alafandi

Meu nome é Mohamad Alafandi, tenho 76 anos e moro no campo de refugiados de Deheisha, na região de Belém. Nasci em Dayr Aban, a 21 km de Jerusalém, no que então ainda era a Palestina. Minha cidade resistiu enquanto pôde à invasão sionista, o que custou a vida de quarenta habitantes. A gente só tinha dois fuzis e os homens se revezavam pra defender nossas casas. Mas o exército sionista era muito mais bem equipado. No dia 18 de outubro de 1948 os soldados do recém-criado estado de Israel invadiram minha cidade e obrigaram a população a partir sem poder carregar absolutamente nada, abandonando nossas terras, casas, animais e pertences, deixando toda a nossa vida para trás. Eu tinha 14 anos quando isso aconteceu. Meu pai não suportou tão duro golpe e sofreu um derrame que o deixou paralisado. Fui obrigado a carregar meu pai nas costas durante todo o tempo em que caminhamos. Minha família errou durante um ano e meio, andando de cidade em cidade procurando um lugar para viver. Meu pai morreu um ano depois de ter sido expulso de sua cidade natal e eu, como filho mais velho, tive que tomar conta da minha mãe e dos meus irmãos. Acabamos chegando em Deheisha, um dos inúmeros campos criados pela ONU. Leia a continuação do depoimento aqui

Mustafa (à direita) com o pai, Mohamad, e o filho caçula, Aissa. Três gerações de refugiados.

Khoulud Ayyad

A vida no campo de refugiados nunca foi fácil, mas lembro de um período, quando eu era criança, que as coisas eram ainda piores. Durante a primeira intifada (entre 1987 e 1993) os soldados israelenses entravam no campo o tempo todo e muitas pessoas foram assassinadas. Todo mundo tinha medo de sair de casa e levar um tiro. Lembro que um dia, eu devia ter uns 8 anos, vi dois jovens correndo no campo. Pensei que os soldados estavam os perseguindo então abri a porta de casa e comecei a agitar os braços, chamando eles pra se esconderem ali. Quando meu avô viu a cena me colocou pra dentro e fechou a porta imediatamente. Depois explicou que aqueles jovens não eram palestinos fugindo de soldados israelenses e sim soldados israelenses a paisana correndo atrás de palestinos.Leia a continuação aqui

Tareq Jawabrah

Meus pais nasceram em Iraq Al-Manshya, um cidadezinha no litoral da Palestina histórica, entre Jafa e Gaza.  Meu pai era agricultor e junto com a família cultivava laranjas e outras frutas cítricas. Em 1948, quando as tropas sionistas invadiram nosso vilarejo, meu pai tinha 20 anos. Fazia já algum tempo que as notícias de expulsões e massacres de palestinos por soldados sionistas chegavam por lá e algumas pessoas tinham abandonado suas casas com medo do que iria acontecer quando a vez de Iraq Al-Manshya chegasse. Toda a população recebeu ordem de ir embora, mas muitas pessoas se recusaram a abandonar suas terras. Os que tentaram ficar foram executados e meu pai perdeu muitos amigos e um irmão. A família do meu pai foi pra Hebron (no sul da Cisjordânia). Quando eles chegaram lá, os habitantes da cidade se compadeceram com o triste destino dos refugiados e os acolheram em suas casas. Alguns meses depois eles escutaram que a ONU estava reagrupando o pessoal em campos de refugiados, na espera do retorno. Foi assim que a família da minha mãe, que também é de Iraq Al-Manshya, e a do meu pai vieram parar em Al Arroub. Um dia, em uma viagem organizada pela escola, fomos à Jafa ver o mar (a antiga cidade de Jafa foi anexada à Tel Aviv). No caminho eu vi uma placa indicando Qiryat Gat, a cidade israelense construída sobre as ruinas da nossa cidade, e pedi ao motorista pra passar por lá. Quando vi aquelas pessoas, que moram hoje nas terras que um dia pertenceram ao meu pai, olhando pra mim como se eu fosse um estrangeiro que não tinha direito nenhum de estar ali meu sangue ferveu e a revolta tomou conta de mim.Continua aqui

yemen e tareq

Muitas das pessoas que participaram dos tours políticos que organizei na Palestina (antes que perguntem, não faço mais esses tours) compartilharam esse vivência aqui no blog e eu também escrevi bastante sobre essas viagens de solidariedade. Além dos relatos, vocês podem ver muitas fotos da Palestina, que tem paisagens lindas, e da comida maravilhosa que degustamos por lá. Seguem alguns desses relatos (mas pra ver tudo, clique na página Receitas e dentro dela, na seção Outros)

“Se eu tivesse optado por um turismo convencional, mesmo tendo uma visão crítica a respeito da ocupação israelense de terras palestinas, muito provavelmente teria voltado com percepções bem diferentes do que esse tour político me proporcionou. Cheguei um dia antes do combinado para me encontrar com o grupo e fiquei hospedada em Jerusalém. Algumas voltas no entorno, vendo israelenses e alguns palestinos na mesma cidade, me deram a falsa impressão de normalidade, de que ambos ocupavam o mesmo espaço sob condições iguais.

Andando apenas em transportes usados por turistas, eu provavelmente não teria percebido que alguns ônibus são reservados apenas para palestinos e outros para israelenses, o sinal mais óbvio de apartheid. Andando pelas ruas e observando as construções, eu certamente acharia que era opção estética ter ou não caixas d’água no teto, ao invés de saber que palestinos não têm água disponível 24h, ao contrário dos israelenses, mesmo essa água tendo sido captada em terras palestinas. Se estivesse em uma excursão tradicional, em ônibus de viagem, teria passado por vários “check points” sem perceber, pois esses ônibus não seriam parados. Mais ainda, eu teria percorrido vários quilômetros de estrada cortando terras palestinas e não saberia que na maioria daquelas estradas só é permitido o tráfego de israelenses. Teria visto as imensas colônias israelenses em terras palestinas e concluído ser apenas mais uma cidade. Teria visitado o Mar Morto sem ver um só palestino e achado que eles não frequentavam outros resorts por opção.” Continue lendo o post “Estou disposto a fazer a minha parte”

“Pude dividir um pouco da Palestina que me emociona e me inspira com um grupo de pessoas maravilhosas, passei 14 dias incríveis e fiz um dos trabalhos mais significativos da minha vida. E além dos cinco brasileiros que decidiram embarcar nessa aventura o acaso trouxe uma islandesa pro nosso grupo, porque loucura pouca pra mim é bobagem. Nosso grupo era um óvni. Imaginem eu explicando a empreitada pros palestinos: “Opa! Tudo certinho? Eu tenho um blog de culinária vegetal em Português e estou guiando uns brasileiros, não, essa daí é islandesa (não, nem irlandesa nem finlandesa, islandesa da Islândia), num tour político-gastronômico pela Palestina e nós gostaríamos de bater um papinho sobre o papel das mulheres no movimento de resistência popular contra a ocupação. Pode ser?”. Juntos vivemos coisas intensas, emocionantes, revoltantes e inspiradoras. Nas fotos vocês podem ver alguns dos lugares que visitamos e algumas das pessoas, principalmente palestinas, mas também israelenses,  que encontramos durante essas duas semanas.” Essa sou eu falando e o relato do primeiro tour que organizei, em 2014, está aqui

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No tour do ano seguinte, participamos da colheita de azeitonas.

“Outubro é a época da colheita de azeitonas aqui na Palestina e é, na minha opinião, o melhor mês pra estar aqui. Eu não sabia nada sobre o cultivo de azeitonas nem sobre a produção de azeite até ter me mudado pra cá, em 2008. Fiquei encantada quando descobri a parte fundamental que a oliveira tem na cultura e na vida dos palestinos. Talvez o mais impressionante pra mim foi descobrir que não existem ‘cultivadores de azeitonas’. Como oliveiras precisam de pouquíssimo cuidado e só recebem água da chuva, os ‘donos’ das oliveiras têm todos uma profissão, que eles exercem durante as outras cinquenta semanas do ano. Durante duas semanas, no início ou no final do mês (de acordo com o amadurecimento das azeitonas), professores, médicos, pedreiros, advogados, estudantes, psicólogos, sociólogos, eletricistas, cozinheiros… todos largam temporariamente suas ocupações e vão pro campo. A família inteira, muitas vezes três gerações juntas, participa da colheita. Uma parte das azeitonas será marinada durante várias semanas e elas serão degustadas acompanhando o café da manhã típico daqui. Mas a maior parte delas vai ser prensada e virará azeite, que aparece na mesa familiar durante o ano inteiro.” O post completo está aqui

E falando em colheita, tem dois posts, de 2012, muito especiais pra mim. O primeiro mostra um pouco do que é esse momento tão importante pra cultura e economia palestina. E outro, no mesmo ano, onde compartilho um momento mágico: meu amigo Tawfic me levou pra uma prensa e pude ver como as azeitonas são transformadas em azeite.

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“O centro da produção de azeite palestino fica em Nablus, no norte, e lá tem mais prensas do que aqui. Porém, o azeite de Belém e das duas cidades vizinhas (Beit Jala e Beit Sahour) tem fama de ser o melhor de toda a Palestina. Meu amigo Tawfic explicou que essa região tem um micro clima perfeito pra produção de azeitonas e por isso o sabor do azeite daqui é superior. Eu posso confirmar: o azeite de Tawfic é o melhor que já provei na vida! Ele tem uma nota verde intensa, com um gosto de mato depois da chuva (nunca comi mato depois da chuva, mas tenho certeza que o gosto é idêntico ao cheiro), mas ao mesmo tempo é aveludado e tão cremoso que chega a ser (pasmem!) amanteigado. É difícil descrever um sabor tão complexo, só mesmo provando pra entender.” O post completo, com fotos do passa-a-passo, está aqui

Pra ver muitas fotos de lugares lindos e pratos típicos deliciosos, é só clicar aqui.

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Na seção Viagens (dentro da página Receitas) tem vários posts mostrando as belezas da Palestina e seu povo acolhedor. Vou só citar alguns, pra esse post não ficar ainda mais longo do que já está.

Tem um post sobre o Vale do Jordão, quando fiquei alguns dias plantando oliveiras em uma comunidade beduína.

E outro sobre o natal em Belém, que era onde eu morava. Imaginem comemorar o nascimento de Jesus…na cidade onde ele nasceu!

Espero que vocês reservem um tempinho pra ler esses relatos, admirar as fotos, salivar diante das comidas e se informar, através das fontes que recomendei. Termino esse post com mais imagens da Palestina, imagens que vocês não verão nesse momento, mas que não deviam sair da nossa mente. A Palestina é um território riquíssimo em história, cultura, culinária e tudo isso, além dos milhões de vidas humanas, está ameaçado.

“Se a gente quiser romper com esse sistema, não vai ser sem audácia” – entrevista com Larissa e Maria

Quando eu estive em Belém, em novembro passado, tive a honra de ser convidada pra tomar um tacacá na casa de Larissa e Maria. Assim como Michelle, que entrevistei aqui, Larissa (que todo mundo chama de “Lara”), é uma companheira do coletivo antiespecista VEM. Maria, também vegana, é a mãe dela. Passei uma tarde na casa delas, entre bonecas de Ângela Davis e Paulo Freire feitas por elas, tomando tacacá e conversando. Aproveitei pra entrevistar as duas, porque elas têm uma história com o veganismo que começou de uma maneira diferente de todas as outras pessoas que entrevistei aqui no blog até hoje. E porque elas disseram coisas que me tocaram profundamente e que eu levo pra vida e pra luta.

Podem se apresentar?

Larissa – Larissa Pontes, socióloga, um tanto artista das manualidades. Nortista meio manauara, meio belenense. Militante por um veganismo popular e integrante do coletivo VEM. 

Maria – Maria Melo, paraense, artesã, vegana mãe de vegana.

Como vocês chegaram no veganismo?

Larissa – Eu sempre tive vontade de conhecer, pela questão animal. Eu já tinha alguma ideia a respeito, mas não sabia exatamente como fazer. Até que a minha mãe desenvolveu uma doença autoimune e começou a ter crises sérias. A primeira coisa que eu fiz pra tentar ajuda-la foi pesquisar sobre o impacto da alimentação na saúde. Parece estranho dizer que eu encontrei uma oportunidade pra me tornar vegana, mas foi a conjuntura perfeita pra eu chegar pra ela e dizer: “Olha mãe, eu acho que a gente pode unir uma coisa à outra. A gente consegue ter uma alimentação mais ética com os animais e ao mesmo tempo vai melhorar a tua situação de saúde.” 

Maria –  Eu fiz um exame de colonoscopia antes de fazer a transição pra vegetariana e ali foi detectado pólipos no meu intestino. Já estava num processo inflamatório bem alto. Algumas pessoas olham pra isso e falam: “Faz parte do processo de envelhecimento”. É verdade, mas você pode melhorar o seu processo de envelhecimento. Eu fiz o exame alguns anos depois de ter me tornado vegana e não apareceu mais nenhum pólipo. Tenho certeza que a mudança na alimentação contribuiu com isso. Tem zero chance de voltar? Não sei, só sei que por enquanto  está tudo na paz.

Larissa – A gente tirou primeiro a carne, depois carne de frango e por último fizemos a despedida do peixe. A gente já estava sem comer peixe há um tempo quando fomos passar o fim do ano na praia, em Salinas. Aí vimos um pescador e a mãe disse: “Ai, eu queria tanto comer peixe!”. Ela foi buscar o peixe lá, junto com o pescador, mas eu já não consegui comer. Ela comeu e depois disse: “É, pra mim também não dá mais. Tá diferente.”

Diferente como?

Maria – Foi como se eu tivesse comendo uma coisa que não fosse comida. Não era mais comida. E olha que o bichinho tinha sido pescado ali, estava fresquinho, não era da indústria, não era congelado, era do pescador que morava ali na beira da praia. Imaginei que ia me dar um prazerzão. E foi três vezes pior quando tentei comer ovo novamente.

Larissa: Por que ovo é o que? É pitiú. 

(Aprendi essa palavra maravilhosa quando estive em Belém. “Pitiú” é, pra paraense, o que “catinga” é pra norte-rio-grandense: fedor, mal-cheiro.)

Maria – No início do veganismo eu tinha umas preocupações, achava que podia não estar me nutrindo bem. Então decidi comer um pouco de ovo. A gente tem amigos que tem sítio, tem ovos de galinha ‘feliz’. O ovo veio pra mesa, ovo caipira… Tentei comer e não deu certo mais, não teve condição. E não é porque tenho nojo, não.

Larissa – Aí eu falei pra ela : “É simples, vamos pro nutrólogo e vamos fazer exames com certa frequência.” No começo a gente fez exames de 6 em 6 meses, porque ela estava com medo de ter alguma carência. Depois de um tempo a gente passou a fazer exames uma vez por ano. Todos os médicos olhavam os resultados dos exames e perguntavam se a gente realmente não estava comendo carne. Não conseguiam acreditar que era possível.

Maria – A gente está mostrando que é possível. A gente faz reposição de B12, claro, e reposição de vitamina D, mas eu vejo que todo mundo, incluindo o povo que come carne, faz reposição também.

Larissa – Às vezes eu fico pensando… Se a gente teve que enriquecer a farinha de trigo com ferro e ácido fólico, por que não pode ter uma farinha, um alimento, enriquecido com B12?

(Quando a farinha de trigo passou a ser enriquecida com ácido fólico, não foi visando a população vegetariana/vegana, foi pra atender as necessidades das pessoas que comem carne, mas não comem vegetais suficiente. E vale lembrar que o sal é enriquecido em iodo.)

O que é veganismo pra vocês?

Maria – Eu não vou negar que no início não foi a questão animal que me fez abraçar o veganismo, apesar deu amar os animais. Foi uma questão de saúde. Eu estava num estado de sofrimento muito grande, por causa da doença autoimune, estava inchada e tendo que começar tratamentos mais agressivos. Fui pra uma consulta médica e naquele dia o meu médico estava muito triste porque tinha perdido uma paciente muito jovem por causa de um problema hepático, consequência do uso de corticoide. O corticoide detonou o fígado e o pâncreas dela. Aí eu fiquei olhando aquilo e falei: “Eu não quero isso pra mim”. Eu sei que um dia vou morrer, como todo mundo, mas até lá vou me esforçar pra viver. E pra viver bem. Então o veganismo foi uma porta, apresentada pela minha filha, que se abriu pra mim e me deu a possiblidade de estar aqui hoje, me sentindo bem, ao invés de estar deitada numa cama, com dor, inchada.

Larissa – Pra mim o veganismo é algo plural. É uma maneira de imaginar um horizonte diferente, onde os animais não são mais vistos como inferiores, nem como mercadoria. É ampliar a nossa visão e entender que a gente partilha esse planeta com outros seres vivos, além dos humanos. É solidariedade. E aí eu fui descobrindo mais coisas no caminho, fui aprofundando a minha consciência. E abriram-se muitas possibilidades de encontrar companheiros de luta, amigos. E eu pude ver a saúde da minha mãe melhorar. Então pra mim, o veganismo representa certas coisas muito pessoais e outras mais amplas. 

Veganismo é a vontade de transformar o mundo pra melhor. Porque está insustentável! E ninguém se responsabiliza por isso! Se está insustentável, a gente precisa construir algo sustentável, um lugar onde não só humanos possam viver. Pode ser que a gente não veja tudo se acabando durante a nossa vida, mas tem muita gente por vir. Então veganismo também é solidariedade com as gerações que virão. 

Pique-nique do coletivo VEM

É difícil ser vegana?

Maria – É maravilhoso alguém chegar pra você, com todo o carinho, fazer uma proposta de qualidade de vida melhor e você ter força pra abraçar. Não estou dizendo que é fácil fazer mudanças na sua alimentação depois de décadas com aquela rotina (com produtos animais). Mas é gostoso também! Você descobre que o que parecia ser um sacrifício passou a ser um prazer, uma satisfação. Você tem N possibilidades alimentares com aqueles ingredientes que antes eram olhados como enfeites no prato. 

A manutenção do meu veganismo se dá por vários caminhos. Pela saúde, sim, mas também pelo caminho da delícia. A gente tem uma comida muito gostosa! Eu não sinto falta de nada parecido com carne, nada que lembre carne, nada com formato daquilo… Eu gosto das nossas comidas, gosto da beleza delas, do colorido. As pessoas tem uma ideia muito equivocada do que é a alimentação vegana. Você tem que interagir com o alimento: ele conversa com você e você conversa com ele. Quanto mais tempero natural você colocar, mais gostosa vai ficar a sua comida. Se você cozinhar só no vapor e não colocar um azeite, um salzinho, você vai olhar aquela batata e não vai dar vontade de comer. 

(Eu disse que a mesma coisa era válida sobre a culinária carnista. Pegar um pedaço de músculo de vaca ou um frango e cozinhar na água, sem tempero, não va ser gostoso. Maria respondeu que a galera do churrasco sempre vem com o argumento de que se for carne, “passou sal, botou na brasa, tá bom!” Aí Larissa lembrou que isso também é verdade no caso de vegetais. Afinal é o calor intenso e o defumado do fogo que conferem aquele sabor característico e tão apreciado. E concluiu dizendo: “Não precisa fazer nada pra uma fruta ficar gostosa. Você pega uma manga e ela é perfeita. Nossa comida já vem pronta.”) 

Junto com o veganismo a gente fez uma transição muito bacana que foi abrir mão, no máximo possível, do industrializado, do ultraprocessado. Não somos as veganas que compram não sei que produto ultraprocessado do futuro, do passado ou do presente, sei lá como é que chama esse negócio. Nem vamos usar glutamato monossódico como tempero. Tem sabores maravilhosos nas nossas folhas, nos nossos limões, tem vinagre de maçã, tem tanta coisa boa pra temperar a comida! Também tento comprar do pequeno produtor, do pequeno fabricante, daquela pessoa que está se esforçando pra sustentar a família. Lara tem uns amigos que fazem linguiça artesanal e é tudo de bom. A família toda é vegana.

Larissa – Essa coisa da dificuldade, eu vejo assim. Antes de se tornar vegana a gente estava nadando no sentido da corrente, estava ali com todo mundo, fazendo a mesma coisa. Aí a gente se torna vegana e a sensação que dá é que a gente passa a nadar ao contrário. Porque tudo vem contra a nossa decisão. Vão aparecer muitas dificuldades sociais e as pessoas vão dizer que tu não come nada. Mas, eu como, sim! Posso inclusive compartilhar a minha comida. Mas tem essas dificuldades no comecinho. 

Mas por que eu sou vegana? Tem gente que acha que não é importante ser vegana porque uma pessoa sozinha não faz diferença. Mas eu sei que eu não sou só uma. Eu quero que a pessoa que está pensando em ser vegana e acha que está sozinha olhe pro coletivo, pra essa ruma de gente que está se juntando, e diga “eu também não sou só uma”. O veganismo é um boicote, mas ao mesmo tempo a gente está dizendo pro mundo que dá pra viver de outra maneira. Acho que é uma ferramenta de reeducação. Quando a gente vive de outra maneira, a gente está dizendo: “Olha aqui, é possível!” Mas vivo isso com zero sentimento de superioridade. Não penso: “Nossa, como eu sou evoluída!”. Sou só o exemplo de uma coisa diferente, e as pessoas ao meu redor podem ver isso e se interessar. É assim que mudanças acontecem. É assim que a gente vai construindo coisas melhores.

Como é que a gente destrói o especismo?

Maria – Um dia eu escutei uma fala do pastor Ricardo que fez muito sentido pra mim. Ele disse: “O mal é extremamente audacioso e o bem é tímido.” Então eu acho que o caminho pra combater o especismo é esse: ser audacioso. A gente tem que ser audacioso e se juntar com quem é audacioso pra formar uma audácia maior ainda! 

Quando a gente chega em algum lugar e as pessoas reagem de maneira negativa ao nosso veganismo, quando dizem: “Você não come nada!”, eu respondo: “Eu como, sim, você que não tem pra me oferecer. Se você me convidou, deveria ter se preparado melhor porque uma boa anfitriã recebe bem um e outro.” A gente tem que ser mais afrontosa e mostrar que estamos aqui pra ficar. Às vezes ouço comentários como: “Ah, você pode ser vegana porque tem condição, porque  pode escolher.” Justamente! Aí falam: “Mas e se você estiver na floresta, no meio do mato?” Aí é que eu vou me dar bem! “E se estiver com uma vaca, no meio de uma ilha deserta?” Quais são as chances deu ir parar numa ilha deserta com uma galinha ou com uma vaca? Tem quem diga: “Não vou falar (sobre veganismo) porque não quero deixar as pessoas desconfortáveis.” Eu quero! Quero incomodar, quero desajustar a situação! 

Larissa – Se a gente quer romper com esse sistema especista, se a gente quer romper com o capitalismo, não vai ser sem audácia.

Maria – Então eu acho que é dessa forma que a gente vai colaborar pra destruir o especismo. Precisamos nos juntar com quem pensa assim e formar esse grande bom combate.

Larissa – É um trabalho de formiguinha. A gente destrói o especismo aos poucos, mas ao mesmo tempo sem cessar, sem desistir. Convencendo mais pessoas de que o nosso sistema de produção  é insustentável. Que a maneira como nos relacionamos com a natureza, e com os seres que partilham o mundo com a gente, é insustentável. A gente tem que buscar possibilidades pra fazer crescer o veganismo. Tem uma oportunidade na educação? Surgiu uma oportunidade ali, numa política pública? Quando a gente vê, de repente, o debate antiespecista não é mais invisível, não existe apenas dentro do nosso grupo. Se torna um rio, correndo pra todos os lados.

Como falar da luta antiespecista com a esquerda?

Larissa – Essa é uma das perguntas mais difíceis. A gente tem um grande amigo de esquerda, super politizado, que trabalha na base, viajando esse estado todinho politizando as pessoas, mas que se recusa firmemente a aceitar a importância do veganismo. E ele tem problemas de saúde, uma mudança de alimentação faria tanto bem pra ele. Ele come a nossa comida e gosta, mas sempre faz piadas depois. Hoje a gente já não responde mais, pra não perder a amizade. Mas é uma situação muito difícil.

Maria – Tem duas situações bastante mal resolvidas na minha cabeça e ainda não encontrei respostas pra elas. A primeira é a questão dos grupos de pessoas com doenças autoimunes dos quais faço parte. Elas não se interessam em aprender sobre alimentação vegana. Tem gente que posta todo tipo de tratamento irresponsável. Já me perguntaram por que não conto a minha história nas redes, mas não sei… As pessoas que consomem corticoides, por causa dessas doenças, acham que tomando esses remédios podem comer carne e vai ficar tudo bem. Não é verdade. Eu estava tomando uma carga pesada de corticoides antes de me tornar vegana e um dia comi um filé e tive uma crise séria, inchei muito. E que pensamento é esse, né? Preferir se encher de corticoide do que parar de comer carne. Não faz sentido.

E a outra situação difícil que eu vivo é dentro dos grupos de prática da solidariedade, que distribuem refeições pra pessoas em situação de rua e famílias carentes. Todo mês a gente faz uma lista com os alimentos necessários pra preparar as refeições e sempre pedem muita linguiça, charque, salsicha, muito embutido. Eu falei: “Trocando essas carnes por legumes a gente consegue oferecer duas refeições por semana, ao invés de uma, com o mesmo valor que gastamos por mês. E ainda melhoraria a qualidade das refeições.” Me responderam que as pessoas iriam estranhar uma comida sem carne, que pensariam:  “Eles comem carne, mas não querem nos dar.” Eu fico sem saber o que fazer. O dinheiro ia render mais, alimentar mais pessoas e alimentar melhor…

Larissa – A maneira como eu costumo falar sobre veganismo pra pessoas de esquerda é tentar mostrar que as opressões não ficam pedindo licença uma pra outra pra oprimir. “Ei, agora eu vou oprimir esse grupo aqui, então tu para. Fica quieta no teu canto que agora é a minha vez de oprimir! Vai pro final da fila e espera!” As opressões agem todas ao mesmo tempo. Elas estão batendo junto na gente há muito tempo, então como é que a gente vai bater de volta separado? Nunca encontrei alguém que conseguisse argumentar a favor desse ideia de deixar uma luta pra depois, enquanto focalizamos nas outras, então logo a pessoa leva pro individual e diz: “Mas é difícil ser vegana!” Ou então solta o token do indígena que caça. Eles caçam, certo, mas não são os indígenas que estão causando a ruptura na natureza. Nosso inimigo é outro.

Depois da entrevista fomos tomar o tacacá preparado por elas. Eu estava saltitante com a oportunidade de degustar algo tão emblemático da culinária paraense, mas não sabia bem o que esperar desse prato. Que negócio bom! Tacacá geralmente é servido com camarão, mas não faz falta. Larissa e Maria, além de pessoas lindas, são ótimas cozinheiras e saí da casa delas com vontade de voltar muitas vezes. Ser vizinha delas se tornou um dos meus objetivos na vida. Quero ser amiga, claro, mas amiga E vizinha. Quero essas duas do meu lado na luta, e na mesa. Como decidi visitar Belém novamente no ano que vem, dias atrás  mandei uma mensagem pra Larissa dizendo: “Pode ir esquentando o tacacá que eu tô chegando!”. E ela respondeu: “Vou esquentando o tacacá e guardando muruci pra gente fazer nosso queijo.” Porque Larissa e eu temos um projeto de queijo verdadeiramente decolonial que vai ser sucesso. Aguardem.

Veganismo e feminismo

Em 2020 fui convidada pelo podcast Sapataria pra participar de um episódio sobre veganismo. Foi durante o mês da visibilidade lésbica e tive a honra de dividir o episódio com mais duas lésbicas veganas que admiro: Carla Candace e Luciene Santos. O post de hoje é a transcrição da minha fala, que tratou sobre feminismo e veganismo. São pautas centrais na minha militância e fazia tempos que eu pensava em abordar esses temas, expondo suas conexões, aqui. Mas recomendo muito que você não pare nessa leitura e escute o episódio inteiro (Especial Mês da Visibilidade: Veganismo), pois Carla e Luciene falaram coisas extremamente importantes, que não abordei aqui.

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Um dia de militância

Em março fiz um post mostrando com a militância pode adquirir formas diversas, ao alcance de todo mundo, e pra ficar bem didático relatei as tarefas que fiz durante um fim de semana. Dias atrás repeti o exercício, mas compartilhando minhas tarefas, em um único dia, no grupo Papacapim do Telegram (é um grupo exclusivo pras pessoas que apoiam o meu trabalho lá no Apoia-se). 

Como fazer nascer o desejo de militar nas pessoas é uma das minhas missões, e como também gosto de mostrar o que acontece desse lado da tela quando não estou cozinhando e escrevendo aqui, vim compartilhar esse dia de militância com vocês.

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Não existe comida “vegana”

Essa reflexão surgiu do lado de cá da tela há um certo tempo. E leitoras atentivas desse blog já devem ter percebido que mencionei isso algumas vezes nos posts dos últimos meses. Acho que foi no ano passado que decidi parar de usar o termo “comida vegana” pra descrever comida de origem vegetal. Mas foi o episódio do chocolate oferecido por uma amiga francesa que fez com que eu compreendesse que chegou a hora de escrever sobre o assunto.

Aconteceu meses atrás. A amiga, que não é vegana, me deu “um chocolate vegano” de presente. Era um chocolate com coco (leite e açúcar de coco, além de coco seco), mas tinha um selo “Vegano” na embalagem. “Provei com a minha irmã, mas não gostamos de chocolate vegano”, ela disse. Respondi: “Você não gostou de chocolate com coco. Chocolate ‘vegano’ é qualquer chocolate sem leite de mamífera” e ela insistiu: “É vegano, sim! Tá escrito na embalagem.” O selo fez com que minha amiga visse aquilo como “chocolate vegano”, não como o chocolate com coco que ele era, e quando percebeu que não gostava, ela não declarou: “Não gosto de chocolate com coco”, mas sim: “Não gosto de chocolate vegano”. 

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Biodiversidade e produtos vegetais ultraprocessados


Essa semana a ocupação que também serve de base pro nosso coletivo anarco recebeu caixas e mais caixas de hambúrguer vegetal que iriam pro descarte. Falei sobre comida de descarte, e como isso alimenta não só as camaradas do coletivo, mas também as pessoas ao nosso redor, nesse post. Além da comida que pegamos regularmente (frutas e verduras da feira, todo tipo de alimento transformado que pegamos do descarte de supermercados) duas vezes por semana, de vez em quando uma montanha de alguma coisa que acabaria no lixo chega até nós. Umas semanas atrás foram 2 toneladas (sim, literalmente) de cogumelo orgânico congelado. Semana passada foram centenas de quilos de hambúrgueres vegetais, também congelados. Eram hambúrgueres feitos de proteína de soja com beterraba, temperos e alguns aditivos. Provei pela primeira vez ontem e o sabor é tão ruim que agora não sei o que fazer com o enorme saco de hambúrguer no congelador. 


Enquanto eu tentava tragar o intragável (pra que o jantar não acabasse no lixo), me vi pensando, mais uma vez, na obsessão geral com hambúrgueres vegetais e no mantra do veganismo liberal (“Quanto mais produtos veganos industrializados, melhor pros animais.”). Já escrevi longamente sobre como essa visão liberal do veganismo vai contra os objetivos do movimento antiespecista nesse post e nesse post . Mas hoje eu queria chamar a sua atenção pra algo que é frequentemente ignorado nessa discussão: a questão da biodiversidade.

Moqueca de caju, arroz da terra, feijão verde, farofa de couve e bolinho de macaxeira
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Comida como ferramenta de ‘conversão’

Durante os primeiros anos de veganismo, acreditei que oferecer pratos veganos deliciosos pras pessoas ao meu redor seria a porta de entrada delas pra causa animal. Talvez eu tenha sentido essa responsabilidade ainda mais forte porque cozinho profissionalmente. Então não perdia nenhuma oportunidade (aniversários, reuniões de família) de passar horas (às vezes dias) preparando menus, comprando ingredientes e cozinhando pra impressionar as não-veganas. Nos jantares onde cada convidada leva um prato, eu levava 4 e era sempre a mais cansada, a que trabalhava mais, a que gastava mais com ingredientes… As pessoas comiam minha comida, sim, e adoravam. Porém minhas preparações vegetais dividiam espaço nos seus pratos com animais e seus derivados. Nunca ninguém deixou de comer o animal assado, ou a sobremesa entupida de leite condensado, porque tinha pratos veganos deliciosos na mesa.

Quiche de cogumelo e espinafre, usando esse método
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Querida pessoa vegetariana que gostaria de se tornar vegana um dia

Você, amiga vegetariana, que diz concordar com os princípios do veganismo e que tem condições materiais de escolher o que come, mas ainda “come algo com queijo quando não encontra opções veganas”. Seja na rua, no restaurante, nas festas de família, nas viagens, na casa das amigas… Muitas vezes até mesmo na própria casa. Chega mais que eu gostaria de ter uma conversa com você. 

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Jardins da Comuna – Ep 6

Lembram da luta pra salvar os jardins operários de Aubervilliers, a cidade na periferia norte de Paris onde moro? Um oficial de justiça esteve na ocupação semana passada e deu um ultimato: os lotes devem ser liberados até o dia 15 de julho. Estou acompanhando daqui, com o coração na mão, as ações de resistência das camaradas que ficaram defendendo esse território, incluindo Anne, minha esposa.

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Sobre o papel da exploração animal no colonialismo

O historiador estadunidense Howard Zinn, que era próximo do anarquismo, disse “O caçador conta a história. Teríamos uma versão completamente diferente se ela fosse contada pelo coelho.” Zinn, que não era antiespecista, usou essa analogia pra falar que a História com H maiúsculo é contada pelos dominantes e não pelas pessoas dominadas, mas eu quero usar a frase dele no sentido literal, mesmo. E se a História fosse contada pelos animais não-humanos?

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“Veganismo é um ato de solidariedade com animais não-humanos”

Muitas luas atrás eu comecei uma série de entrevistas com pessoas veganas. Recentemente resolvi dar continuidade à série, mas com versões mais curtas, publicadas no meu perfil no Instagram. Também decidi que iria entrevistar (por enquanto) apenas pessoas não-brasileiras, pra mostrar as cores do movimento vegano no exterior. O veganismo liberal das ONGs e celebridades de Instagram acaba dando uma ideia falsa do veganismo e eu queria mostrar como o movimento é diverso e construído por pessoas que entendem o veganismo como uma extensão lógica da luta anti-opressão. Existe um esforço em propagar o mito de que fora do Brasil o movimento vegano é homogêneo e todo liberal. Nos países onde morei (França, Palestina, Inglaterra, Alemanha, Líbano e Bélgica) pude constatar que isso não podia estar mais longe da realidade. Então pensei em trazer as vozes de algumas militantes antiespecistas do exterior pra que vocês vejam por si mesmas.

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E lutaremos em seu nome

Em 1977 o cineasta Polanski confessou, num tribunal dos EUA, ter estuprado uma menina de 13 anos. Condenado, ele fugiu do país antes de ser preso e nunca mais voltou. Desde então outras 11 mulheres o acusaram de estupro. Semana passada aconteceu a cerimônia dos Césars, a maior premiação do cinema francês. Polanski estava concorrendo a 12 prêmios, incluindo melhor diretor e melhor filme. 12 mulheres estupradas e 12 nomeações pro homem que as estuprou. “É preciso separar o homem do artista”, vomitavam os perpetradores da cultura do estupro. “Se seu padeiro estuprasse 12 mulheres, incluindo crianças, você separaria o homem do padeiro?”, “Quando uma mulher é estuprada não importa a profissão do estuprador nem se ele a pratica com talento” respondiam as mulheres. Os guardiães do patriarcado tinham sido particularmente cruéis dessa vez. Concorrendo ao prêmio de melhor atriz, pelo filme “Retrato da jovem em chamas” (que concorria ao prêmio de melhor filme, junto com o filme de Polanski), estava Adèle Haenel, que no final do ano passado levou ao público o fato de ter sido agredida sexualmente por um cineasta dos 13 aos 15 anos. Ela, que declarou: “Premiar Polanski é cuspir na cara das vítimas”, foi à cerimônia dos Césars junto com a equipe do filme “Retrato…”, feito por uma cineasta, com uma equipe quase exclusiva de mulheres, contando a história de duas mulheres que se amam. Esse filme me fez soluçar no cinema e todas nós torcíamos pra que ele e sua diretora levassem o prêmio. Mas o cinema francês, cúmplice, fiel aos seus amigos homens, mesmo os que cometem crimes de pedofilia, não deu o prêmio a “Retrato…”, nem à sua atriz principal. Era preciso punir Adèle por ter ousado sair do silêncio. Por ter levantado a voz e criticado esse clube do Bolinha sexista que é a indústria do cinema. Mas a punição não foi suficiente: era preciso “cuspir na cara das vítimas”. E assim Polanski ganhou o prêmio de melhor diretor. Nesse momento Adèle e a equipe de “Retrato…” se levantaram e saíram da sala. Embaixo do vestido de gala, a indignação. “Que vergonha! Palmas pra pedofilia!” ela repetia enquanto juntava o gesto à palavra.

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Por um veganismo que promove autonomia alimentar

Ano passado a chef Paola Carosella causou um grande alvoroço dentro da comunidade vegana por causa da reação dela (via Twitter) depois de ter provado um hambúrguer vegetal que imita a textura e o sabor de carne animal. Acho oportuno abrir espaço pra discutir as declarações dela, pois acredito que podemos extrair algumas lições importantes do ocorrido.

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Caros camaradas,

Temos, geralmente, tendência a exagerar nossa força e nossa fraqueza: assim, durante tempos revolucionários, parece-nos que a menor de nossas ações deve ter conseqüências incalculáveis ​​e, por outro lado, em certos momentos de marasmo, toda a nossa vida, embora inteiramente dedicada ao trabalho, parece-nos infrutífera e inútil, e acreditamos que somos levados pelo vento da reação.

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O conto do ovo que não mata a galinha

Frequentemente perguntam à pessoas veganas o que achamos de ovos de galinhas criadas no quintal. Até prometi à uma leitora escrever sobre isso aqui no blog e, anos depois, ainda estou devendo esse post. A conversa de hoje não é exatamente sobre isso, mas se aproxima. Semanas atrás vi esse letreiro (foto acima) numa estação de metrô em Paris. Ele me deu a ideia de vir aqui trazer alguns esclarecimentos quanto à ligação entre consumo de ovos, exploração e crueldade animal, mas também tocar em um ponto que está causando divergências dentro do movimento vegano.

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A libertação animal não será comprada

Precisamos falar sobre a cooptação do veganismo pelo capitalismo, ou, sobre o debate que parece ocupar o movimento vegano nesse momento: boicotar empresas que testam em animais ou boicotar somente produtos com ingredientes/testados em animais e apoiar qualquer produto vegetal, independente de quem os produziu?

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Por que o movimento vegano deve apoiar o MST – parte III

Preciso começar dizendo que recebi várias mensagens de pessoas que leram os posts anteriores e , ao começarem a entender a atuação do MST, passaram a ver o Movimento com outros olhos. Nem sei dizer o quanto isso conta pra mim. São essas mensagens que me fazem acreditar que é possível quebrar preconceitos e que o meu trabalho, apesar de no momento ser uma militância de sofá, é capaz de produzir uma mudança positiva na sociedade. Continuemos lutando de punho erguido.

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