Estrogonofe potiguar

Quando coloquei na mesa, perguntaram se era estrogonofe. De início, resisti ao nome. “Que estrogonofe, o que! É carne de caju com creme de amendoim. Mas minha irmã Lu argumentou que “carne de caju com creme de amendoim” não ia deixar muita gente com vontade de comer a minha receita, então tive uma ideia. Se é pra chamar de estrogonofe, então só aceito de vier acompanhado de “potiguar”. A receita foi rebatizada de “estrogonofe potiguar”.

Semana passada postei uma receita maravilhosa (farofa de carne de caju) e expliquei que me dei por missão criar receitas salgadas à base dessa fruta nativa do meu território (o litoral do Nordeste). O caju é um elemento importante da nossa cultura alimentar e a suculência e versatilidade da sua carne são um prato cheio pra essa cozinheira aqui. Eu olho pra ele e vejo uma infinidade de possibilidades. Pra mim a verdadeira carne do futuro é essa: vegetal, que vem daqui e cresce no nosso território, que pode ser produzida por muitas agricultoras (e não concentrar riqueza na mão de uma start-up ou das multinacionais do agro-alimentar), que a gente prepara de mil maneiras em casa e que honra nossa cultura alimentar e as mãos que a plantaram.

A ideia de preparar carne de caju com creme de amendoim e coco veio da vontade de trabalhar com ingredientes nossos. O amendoim também é nativo do território conhecido como Brasil e embora o coco tenha vindo da Ásia, ele se adaptou muito bem nas nossas latitudes, se espalhou pelo litoral e acho que podemos considerar como tradicional na nossa cultura alimentar. Eu estava tentando criar uma receita pro fim do ano, pois é raro eu estar na minha terra, com a minha família, nessa época. Especial e que fizesse sentido pra nós, que somos potiguares. (Mas vai fazer sentido pra todo mundo que tem a sorte de morar não muito longe de cajueiros.)

Achei que precisaria de muitas tentativas pra chegar num resultado realmente delicioso e já estava me preparando pra comer só caju até o ano que vem. Mas ficou perfeito logo na primeira tentativa. Pasta de amendoim batida com leite de coco (fresco, feito em casa) se torna um creme aveludado no fogo, com um sabor delicado. Dá pra sentir o gostinho dele no final, mas ao invés de dominar o prato, o amendoim complementa lindamente o sabor do caju.

Se tiver caju numa feira aí onde você mora, eu recomendo muito preparar essa receita pro seu fim de ano. Ou pra qualquer ocasião especial (por exemplo, pra comemorar o fato de não ter perdido totalmente a cabeça no meio de tanta sandice, de ter voltado pra terapia, pra impressionar as gatinhas…).

Estrogonofe potiguar

Talvez eu diga isso com frequência, mas… Foi uma das melhores receitas que já criei. Estou toda orgulhosa e torcendo pra ela aparecer em muitas mesas aqui no Nordeste, principalmente no final do ano, quando se tem muitas datas comemorativas e a safra do caju ainda não acabou. O amendoim batido com leite de coco dá muita cremosidade ao prato, sem ficar com um sabor forte de amendoim. Acho que ele complementou lindamente o caju, sem se sobrepor. Eu expliquei como preparar carne de caju nessa receita de pastel de caju e foi a base que usei pra fazer esse prato. Pra facilitar o trabalho de vocês, vou repetir aqui pra ficar tudo no mesmo lugar. Dessa vez coloquei as quantidades, porque sei que muitas pessoas não se sentem seguras sem as medidas e não arriscariam fazer um prato sem a garantia de saber que vai dar certo. Mas são medidas aproximadas, tudo bem se colocar mais ou menos alguma coisa.

Pra fazer a carne de caju

5 cajus grandes (se seus cajus forem pequenos, use mais)

1 cebola, picada

1/2 pimentão verde, picado

2 tomates maduros, picados

3 dentes de alho, ralados ou picados

4 col. sopa de molho de soja (shoyu)

Suco de 2 limões

1 punhadinho de coentro (pode ser só os talos)

1 col. de sopa de óleo

Pimenta de cheiro (opcional)

Páprica doce (melhor se for defumada)

Sal e pimenta preta

Pra fazer o creme

2 colheres de sopa cheias de pasta de amendoim (pura, sem açúcar)

2 xícaras de leite de coco fresco (receita aqui)

Sal e pimenta preta

Coentro e cebolinha, pra finalizar

Comece preparando a carne de caju. Retire as castanhas e corte os cajus em tiras, no sentido do comprimento (pra essa receita, corte cada caju em 8 tiras). Coloque uma peneira em cima de uma vasilha (pra recolher o sumo do caju) e esprema as tiras de caju entre as mãos. Não precisa retirar todo o sumo, basta espremer um pouco pra que a carne não fique muito doce e pra que ela possa sugar o tempero depois. O sumo pode ser guardado em uma garrafa com tampa, na geladeira, pra ser consumido depois. Ou você pode beber tudo na hora.

Junte todos os outros ingredientes do recheio, menos o tomate, misture bem e deixe marinando na geladeira de um dia pro outro. O tempo marinando é muito importante: amansa o ranço do caju e o tempero penetra na carne.

Depois do tempo marinando, cozinhe a carne de caju. Aqueça um pouco de óleo em um frigideira grande, despeje a carne (junto com todos os temperos e líquido que tiver se formado) e cozinhe em fogo médio-alto, mexendo de vez em quando, até o caju ficar ligeiramente dourado. Nesse momento junte o tomate picado, tampe e deixe cozinhar, dessa vez em fogo baixo, até o tomate se desintegrar. Prove e corrija o sal, se necessário.

Prepare o creme. No liquidificador, bata o leite de coco fresco com a pasta de amendoim, mais uma pitada generosa de sal e um pouco de pimenta preta, até ficar completamente dissolvido. Jogue esse líquido na panela com a carne de caju e deixe ferver, mexendo de vez em quando. O líquido vai engrossar e virar um creme espesso. Se ficou muito grosso, acrescente um pouco mais de leite de coco fresco ou de água pra deixar na espessura desejada. Prove e corrija o sal, se necessário. Junte o coentro e a cebolinha (a parte verde e a branca) picados e sirva.

Macarrão com molho de amendoim

Essa é a história de uma das melhores receitas que já saíram da minha cozinha e do dia em que ela me trouxe reconforto depois de uma das piores provações que já passei.

Algumas semanas atrás descobri um canal de receitas vegetais no Youtube que muito me agradou. Gosto da voz grave e calma do dono, e cozinheiro, do canal, das instruções simples e do tipo de receitas preparadas ali, muitas vindas da cultura culinária do rapaz, que é de Hong Kong. O engraçado é que ele não é vegano, mas criou um canal com receitas exclusivamente vegetais. Sorte a nossa.

A primeira receita que vi era de um macarrão udon (aquele macarrão japonês gordinho) com molho de amendoim. A receita me deixou com água na boca, mas eu não tinha quase nenhum dos ingredientes pra fazer o prato na minha cozinha. Só que achei a ideia principal da receita, a pasta de amendoim no molho, tão brilhante que resolvi cozinhar algo inspirado naquele prato.

A minha versão usa ingredientes que praticamente todo mundo tem em casa e é ainda mais simples e barata. Mas o resultado é algo delicioso, nutritivo e reconfortante. Bendito amendoim!

Falando nessa leguminosa, o amendoim é nativo do território conhecido como Brasil, sabia? Embora muita gente só consuma amendoim dentro da paçoquita (ou “paçoquinha”), ou em certos bolos típicos das festas juninas, o potencial desse alimento em receitas salgadas é enorme. Tanto que passei a acreditar que uma das minhas missões como defensora da culinária vegetal é mostrar as infinitas possibilidades do amendoim na mesa e convencer vocês que ele merece um lugar de muito destaque nos pratos principais.

Sobre o dia em que esse macarrão com amendoim me trouxe um imenso reconforto, depois de uma rude provação, ainda é doído contar essa história. Talvez um dia eu conte com detalhes, mas por hoje vou resumir. Eu fui presa por participar de um ato de solidariedade ao povo palestino em Paris, umas semanas atrás. Protestos em solidariedade à Palestina tinham sido proibidos pelo governo francês, que decidiu violar nosso direito constitucional de fazer manifestações, criminalizando a solidariedade através de uma decisão anti-democrática. Depois desse pesadelo, que durou 48h e que resultou em um processo contra mim, pude voltar pra casa. Exausta, suja, faminta e com uma luxação no polegar esquerdo, cortesia de um dos policiais que me prendeu. Apesar da fome, demorou um pouco pra eu sentir vontade de comer novamente. Eu ainda estava abalada emocionalmente e foi preciso mais 24h pra que a alma voltasse pro corpo. Quando isso aconteceu, fui tomada por um desejo intenso de…macarrão com amendoim.

Preparei o prato que vocês vêem na foto abaixo na segunda noite que passei em casa, depois de ter sido liberada da delegacia, e quando o gostinho familiar de amendoim com coentro invadiu a minha boca, senti como se uma mãe tivesse passado o braço sobre os meus ombros, me puxado pra perto dela e dito com a voz mansa: “Chega aqui, fia.” E naquele momento era exatamente disso que eu precisava.

Comida tem dessas coisas. Eu já gostava muito desse prato antes do ocorrido que descrevi acima, mas acho que agora ele sempre vai ter gosto de reconforto pra mim.

Sei que a experiência de vocês com esse prato não será, nem de longe, parecida com a minha. Mesmo assim insisto pra que vocês preparem essa delícia. Não é todo dia que a gente encontra uma receita tão simples, barata, que use ingredientes bem nossos e que tem um sabor tão delicioso.

Macarrão com molho de amendoim

Esse prato pode parecer estranho, mas confie. Ele é barato, nutritivo (amendoim é uma leguminosa, muito rico em proteína), fica pronto em minutos e o sabor é tão delicioso que tenho certeza que vai entrar na sua rotina culinária depois da primeira garfada. E ainda aposto que você vai espalhar a palavra do macarrão com pasta de amendoim pra toda a sua família e amigas. De nada:)

Espaguete (ou macarrão chinês, se tiver)

Pasta de amendoim (pura, sem açúcar)

Cebola e alho a gosto

Molho de soja (shoyu)

Coentro fresco (ou cebolinha)

Óleo ou azeite

Pimenta preta (ou calabresa)

Amendoim torrado (opcional)

Coloque uma panela com água pra cozinhar o macarrão no fogo. Não coloque sal na água. Enquanto a água ferve, prepare o molho.

Pique uma cebola (ou o quanto quiser) e um pouco de alho. Aqueça um tico de óleo (ou azeite) em uma frigideira e doure a cebola. Junte o alho e deixe cozinhar mais alguns segundos. Reserve. Pique um punhado de coentro ou, se coentro não for a sua praia, cebolinha. Reserve também.

Nesse ponto a água deve ter começado a ferver. Coloque o espaguete dentro da panela e enquanto a massa cozinha, continue preparando o molho.

Dissolva a pasta de amendoim em um pouco de água quente, retirada diretamente da panela onde o macarrão está cozinhando. Eu calculo mais ou menos uma colher de sopa cheia de pasta de amendoim por porção de macarrão (e umas 5-6 colheres de sopa de água quente pra cada colher de sopa de pasta de amendoim). Junte a água quente aos poucos, batendo bem com a colher, até a mistura ficar fluida, mas ainda cremosa. Acrescente molho de soja e pimenta preta (ou calabresa) a gosto. Prove. O molho de amendoim deve puxar um pouquinho pro lado do salgado, já que ele vai temperar todo o macarrão.

Reserve um xícara da água do cozimento do macarrão e escorra a massa. Imediatamente coloque o macarrão escorrido de volta na panela onde ele cozinhou, despeje o molho de amendoim por cima, a cebola e o alho refogados. Ligue o fogo bem baixinho, só pra aquecer o molho, e misture bem. Se o macarrão parecer seco, junte um pouco da água de cozimento. Prove e corrija o tempero, se necessário. Quando tudo estiver bem quente e envolto de um molho cremoso, desligue o fogo e sirva imediatamente polvilhado com o coentro (ou a cebolinha) e o amendoim torrado, se tiver usando.

Fica aqui o convite

Semana passada eu sentei pra almoçar no jardim e depois de fazer a pequena oração de agradecimento, que faço sempre antes de comer, fiquei admirando o meu prato. Não que a comida fosse extraordinária, muito pelo contrário. Era um simples prato de macarrão com couve, tomate e manjericão, vindos da nossa horta de quintal. Mas apesar de ser o segundo ano da nossa horta, ainda me maravilho com o ato de comer o que eu mesma plantei. 

Foi então que percebi que meu almoço ia na contramão de tudo que vejo sendo valorizado nas redes sociais. Aquela comida não era, pra usar as palavras da moda, “low carb”, nem “proteinada”, nem “fit”, nem mesmo “gluten free”. Eu sorri e degustei meu macarrão, feliz.

Vim aqui propor uma reflexão. Me assusta ver a obsessão geral com proteína. Se antes isso ficava restringido ao mundo de fisiculturistas, já faz um certo tempo que a coisa foi se espalhando e entrou na cabeça de quase todo mundo. É uma galera contando proteína a cada refeição, ingerindo vários ovos por dia, se atolando em carne de vaca e frango e entupindo tudo que passa pela frente de “whey protein”. Já vi até água “enriquecida” com “whey”. Minha gente, que mundo é esse em que até água, ÁGUA!, se tornou uma oportunidade pra ingerir mais proteína? Como se tivesse um crise de falta de proteína! No Brasil de 2023, enquanto a maior parte da população sofre com algum grau de insegurança alimentar, o grupinho dos apóstolos do culto à proteína (animal) devoram muito mais do que o necessário pra manter a saúde e muito, muito mais do que o aceitável em matéria de impacto ambiental e social. 

Seguir essa dieta ultra proteinada, transbordando de corpos animais, leite e ovos, significa escolher ter um impacto gigantesco no meio ambiente e isso é inaceitável. Em pleno colapso climático, é indecente escolher se alimentar da maneira com o maior impacto ecológico possível. E é egoísta, porque só é possível ter uma dieta ultra-proteinada (animal) pra alguns se for retirada a possiblidade da maioria de ter acesso ao suficiente. Se tem excesso do lado de cá, é porque não tem o suficiente do lado de lá. Enquanto uns pregam comer animais e seus derivados a cada refeição, a Amazônia se transforma em pasto, os povos indígenas são expulsos de seus territórios e assassinados e o Cerrado vira monocultura de soja (pra alimentar animais de abate). Sem falar no impacto nefasto do metano, produzido por todos esses animais criados pra serem devorados pelos adoradores de proteína (animal), na quantidade de água e terra necessária pra produzir uma dieta que oferece 3, 5, 10 vezes mais proteína do que a quantidade que o corpo precisa! Pense também no peso que isso coloca no sistema de saúde pública, já que a relação entre consumo de animais e seus derivados e o aparecimento de várias doenças não pode mais ser contestada por ninguém que tenha algum respeito pela ciência. 

Pra minha tristeza, o culto da proteína entrou até mesmo no mundo vegano. As receitas vegetais que vejo em blogs e canais do YouTube aparecem cada vez mais acompanhadas das palavras “proteinada” ou “high protein” e consumir proteína em pó “vegana” está se tornando cada vez mais comum. E o que dizer de ter gente chamando isso de “whey protein vegano”? Deve ser pra que além de sem necessidade, o produto seja sem sentido também. (“Whey” quer dizer “soro de leite” em Inglês, então já viu o quão ridículo é chamar proteína de ervilha, soja ou arroz de “soro de leite”, né?)

Agora vamos nos perguntar: a quem serve essa obsessão com proteína? Quem lucra com a supervalorização e idolatria de uma categoria de alimentos, essencialmente vindos da exploração animal?

Fica aqui o convite pra refletir também sobre quem dita o que a gente considera importante. Por que essa supervalorização de corpos animais e desvalorização ou até demonização de cereais (macarrão, arroz, pão, milho)? A proteinomania (vinda de animais) é irmã da fobia dos carboidratos (que vem dos vegetais). É uma reflexão que dialoga com esse post aqui sobre redefinir o conceito de fartura. Lembrando que o prato que mencionei no início desse texto foi só uma refeição. Naquele dia eu tinha tomado café aveia com chia e fruta, depois desse almoço lanchei alguma coisa e à noite jantei sopa de lentilha. Ninguém se desintegra por ter feito uma refeição mais rica em carboidrato do que em proteína (e sim, tem proteína aqui também, meu povo!).

Meu prato de macarrão com tomate e couve seria reprovado pelas gurus fits, até mesmo as veganas, que veriam uma “bomba” de carboidrato e azeite e um “vazio” de proteína. Pra muito além das vitaminas e minerais do tomate e da couve, das fibras e da proteína , eu olho pro meu almoço e vejo comida que me faz feliz, porque foi plantada por mim e cresceu no meu quintal. Comida que alimenta o meu corpo, me dando forças pra servir minha comunidade e transformar o mundo, sem pesar demais sobre a nossa Terra, que deve ser compartilhada com quase 8 bilhões de pessoas humanas e todas as pessoas outras que humanas. Comida gostosa e que reforça meus vínculos de afeto com a terra, com t minúsculo, e reafirma meu compromisso de solidariedade com a Terra, com T maiúsculo, e todos os viventes que moram nela.

Macarrão com couve e tomate cru

É uma daquelas receitas humildes, nível iniciante e que fica pronta em minutos. É importante usar tomates gostosos, bem maduros, e em grande quantidade pra massa ficar gostosa. Na verdade, seja generosa tudo: a couve, o azeite (o melhor que você puder usar), o manjericão… No mais, como expliquei no post acima, essa NÃO é uma receita “low carb”, nem “proteinada”, nem “fit”, nem “sem gluten” (mas pode ser, dependendo do tipo de espaguete utilizado). Mais do que rebeldia com as modas do mundo fit, se trata simplesmente de uma receita que apareceu na minha cozinha no meio da semana, usando ingredientes da minha horta de quintal, e que me fez muito feliz, além de me alimentar. 

Macarrão 

Couve

Tomates maduros (usei uma mistura de vários tomates)

Alho (opcional)

Manjericão 

Azeite

Sal e pimenta preta

Castanha do Pará (opcional)

Ferva uma panela com bastante água salgada (pra cozinhar o macarrão). Enquanto isso, corte a couve em tiras finas, corte os tomates em pedaços pequenos e pique o alho, se estiver usando.

Quando a água ferver, coloque o macarrão pra cozinhar até ficar do seu gosto (al dente ou bem cozido, não estou aqui pra julgar). Quando o macarrão tiver cozido desligue o fogo e retire meia xícara da água do cozimento (reserve). Jogue a couve picada na panela, mexa rapidamente e escorra tudo junto. A couve cozinha em segundos e esse mergulho na água fervente do macarrão é suficiente pra deixá-la no ponto. 

Transfira o macarrão e a couve pra panela onde foram cozinhados e junte os tomates, o alho, o manjericão (rasgado ou picado), mais um pouco de sal, pimenta preta e bastante azeite (seja generosa). Mexa e se o macarrão parecer um pouco seco, acrescente a água do cozimento do macarrão, que tinha sido reservada. Misture novamente, prove e corrija o sal/pimenta. Sirva imediatamente. Se quiser, rale uma castanha do Pará por cima (como na foto) antes de degustar.  

Ensopado de folha de jerimum

Esse ano plantei duas mudas de jerimum no quintal e, surpresa, cinco outras brotaram de maneira espontânea. Isso aconteceu porque usamos a terra da nossa composteira, onde tinha as sementes de jerimum, de vários tipos, que comemos durante o ano. Cultivamos em três lugares diferentes no quintal e um desses lugares, onde tem menos sol, é dedicado exclusivamente ao plantio de jerimum. Apesar de usarmos a mesma terra da composteira nas três hortinhas, o jerimum espontâneo resolveu brotar justo no cantinho onde eu tinha decidido plantar esse vegetal. Acho um mistério fascinante como as sementes combinaram de só brotarem ali, junto com as duas mudas de jerimum que eu já tinha plantado, e não no meio dos pés de tomate e couve das outras hortas.

Além dos pés plantados por nós e dos pés surgidos de maneira espontânea, a dona da casa plantou mais três. Quando o quintal começou a se encher com folhas e mais folhas de jerimum, peguei: “Não seria ótimo se elas fossem comestíveis?” Depois de ter perguntado ao pai dos interessados, o Google, descobri que elas eram comestíveis, sim, e que ainda por cima eram ricas em nutrientes e faziam parte da cultura alimentar de muitos países do continente africano.

Eu sei que as folhas têm um papel importante (proteger a terra da evaporação de umidade causada pelo sol, fotossíntese), mas são tantas folhas aqui no meu quintal que eu imaginei que retirar algumas não ia prejudicar a planta. Então naquele mesmo dia jantei folha de jerimum, refogada no azeite, com um tico de alho. Gostei demais do sabor, embora a textura me parecesse um pouco áspera (descobri depois que eu simplesmente não tinha cozinhado por tempo suficiente).

Desde então cozinhei mais algumas vezes, de outras maneiras. Uma vez joguei na sopa de lentilha, outra vez coloquei no feijão. Mas a melhor receita que desenvolvi até agora é essa aqui: com tomate e pasta de amendoim. Eu gosto muito de cozinhar com pasta de amendoim e acho que essa leguminosa (sim, é uma leguminosa), nativa da América do Sul, merece aparecer mais na nossa comida de panela. Por isso estou sempre buscando criar pratos salgados com pasta de amendoim e a combinação aqui ficou divina!

Tão maravilhosa que depois de ter feito essa receita algumas vezes fui mais uma vez no pai dos interessados pra ver se não era uma receita típica de algum lugar e acabei achando uma receita bem parecida no blog de Neide Rigo (uma grande professora pra mim), inspirada por uma receita do Zimbabwe. Isso acontece bastante: eu penso em uma receita, jogo no Google e descubro que uma infinidade de pessoas já pensou na mesma combinação de ingredientes. Mas foi a primeira vez que uma ideia de receita surgida na minha cabeça se parece com uma receita tradicional de outro país.

O objetivo principal desse post é contar pra vocês que folha de jerimum é comestível e muito saborosa. Vai que tem gente que, assim como eu até poucas semanas atrás, não faz ideia disso? Mas também queira compartilhar uma das receitas mais deliciosas que saíram da minha cozinha nos últimos tempos. Se você não planta jerimum no quintal e não tem acesso a esse ingrediente, nada tema. Você pode usar espinafre ou até couve aqui que vai ficar gostoso também.

Mas se por acaso um dia você se encontrar perto de um pé de jerimum, não deixe de colher umas folhinhas e correr pra cozinha com elas.

Ensopado de folha de jerimum com tomate e amendoim

Do jerimum, tudo se come: frutos, sementes, folhas, talos e flores. Todos os tipos de jerimum (abóbora). Escolha as folhas saudáveis, viçosas, e corte o caule junto. É bom retirar as veias espinhentas do caule antes de cozinhar. Veja nesse vídeo aqui como fazer isso. Se não tiver folhas de jerimum, use espinafre ou até folhas de couve que esse molho é bom demais pra não ser preparado com tudo.

Folhas de jerimum (leia instruções acima)

Tomate maduro

Cebola

Pasta de amendoim (pura, sem açúcar)

Coentro

Alho

Pimenta de cheiro (usei biquinho)

Azeite ou outro óleo

Sal e pimenta preta

Lave as folhas e retire as fibras espinhentas do talo (basta puxar com uma faca, na direção do talo pras folhas. Veja o vídeo pra entender).

Tudo bem se não sair absolutamente tudo. Eu gosto de cortar o talo em rodelinhas e enrolar as folhas e cortar miúdo, como fazemos com a couve.

Pique a cebola e refogue em um pouco de azeite/óleo. Junte o alho picado/socado e refogue por mais alguns segundos. Junte bastante tomate picado (uso três tomates pra cada cebola, mais ou menos) e deixe cozinhar até virar molho. Junte as folhas de jerimum picadas e acrescente um pouco de água (só o suficiente pra criar um caldinho no fundo). Tempere com sal e pimenta preta, cubra a panela e deixe cozinhar, em fogo baixo, por uns 10 minutos, ou até as folhas murcharem e ficarem bem macias.

Nesse momento junte uma ou duas colheres de sopa de pasta de amendoim (dependendo da quantidade de folhas que estiver usando), pimenta de cheiro picada (a gosto) e bastante coentro picado. Misture bem. O prato deve ter um molho encorpado, mas não muito abundante (use a foto acima como guia). Prove e corrija o tempero, se necessário.

Sirva como prato principal. (Imagino que acompanhado de feijão macaça, farofa e banana da terra frita fica um desbunde!)

Rolinho de verão com molho de amendoim

Se você descobriu esse blog há pouco, saiba que ele tem muitos anos. Treze, pra ser exata. E algumas das receitas que publiquei aqui tempos atrás foram modificadas. Na verdade, elas evoluem porque é o que acontece quando você cozinha todo dia: poucas são as receitas que repetimos de maneira exata. Foi o que aconteceu com esses rolinhos primavera que postei há exatos 10 anos. Só que a versão modificada acabou sendo a minha preferida e é a que repito sempre há muitas luas. Então eu precisava voltar aqui e compartilhar a outra receita.

A maior mudança foi o molho, mas ele faz toda a diferença! É um dos molhos mais saborosos que já saiu da minha cozinha e acredito que a inspiração veio de algo que comi em algum restaurante em algum lugar, mas foi há tanto tempo que já esqueci dos detalhes. Os vegetais que uso nos rolinhos são praticamente os mesmos, mas como agora o molho é bem cremoso e marcante, à base de amendoim, deixo o abacate de fora (acho que fica muito gorduroso, os dois juntos). Também acrescentei coentro, porque amendoim pede coentro. Pelo menos pra mim, ele pede. Dá pra substituir um vegetal por outro, dependendo do que estiver disponível na sua cozinha (leia a introdução da receita pra saber mais). O outro acréscimo foi o bifum (macarrão de arroz bem fininho), pra ter mais sustância e se transformar em prato principal.

Se não tiver folha de papel de arroz, essa receita pode se tornar uma salada maravilhosa. Basta misturar todos os ingredientes e regar generosamente com o molho na hora de servir. Mas vale a pena fazer o esforço de procurar papel de arroz pelo menos uma vez, pois fazer os rolinhos é parte do prazer dessa receita. Gosto de cortar tudo e colocar na mesa, pra que cada pessoa prepare/enrole seu rolinho. Por isso é a receita que mais faço no verão quando temos convidadas pra comer com a gente. É divertido comer assim, colocando a mão na comida e preparando o seu rolinho, e exige pouco esforço da anfitriã: em poucos minutos eu corto os vegetais e preparo o molho, depois cada uma se vira. Recomendo muito.

E já falei que é absurdamente delicioso?

Rolinho de verão com molho de amendoim

Eu tinha chamado a outra versão de “rolinho primavera”, mas como rolinho primavera é frito, acho que faz mais sentido chamar de rolinho de verão. Os legumes essenciais são: pepino, cenoura e pimentão vermelho. Quando tenho repolho roxo, uso também (a mistura de cores fica linda). Dessa vez eu tinha couve-rábano (que tem gosto de repolho), e foi o que usei. Brotos são deliciosos aqui, mas se não encontrar, tudo bem. Normalmente eu uso alface, mas estava sem nesse dia. E como eu tinha ganhado umas flores de jerimum da vizinha, usei (cruas) no lugar da alface. Se não tiver bifum (macarrão de arroz), não tem problemas. Seus rolinhos ficarão mais leves e você vai precisar comer mais pra encher o bucho (nesse caso você pode servir como entrada).

Folhas de papel de arroz

Bifum (macarrão de arroz fininho)

Pepino

Cenoura

Pimentão vermelho

Alface

Broto de alfafa (ou broto de soja)

Coentro

Hortelã (fresca)

Tofu firme (melhor se for defumado)

Azeite e shoyu pra temperar o tofu (se não for defumado)

Molho de amendoim

Pasta de amendoim (pura, sem açúcar)

Shoyu (molho de soja)

Suco de limão

Melado (ou xarope de agave)

Gengibre fresco

Alho (opcional)

Comece preparando o tofu. Se estiver usando tofu defumado, não precisa fazer nada além de cortar em tiras finas. Se estiver usando tofu convencional, corte em tiras finas , aqueça um pouco de azeite em um frigideira e grelhe levemente dos dois lados. Tempere com um pouco de shoyu e reserve.

Coloque água pra ferver e prepare o bifum de acordo com as instruções no pacote. Reserve (Eu jogo água fervente por cima, cubro e deixo repousar ali enquanto preparo o resto dos ingredientes. Antes de servir passo embaixo da água fria.)

Corte o pepino, cenoura, pimentão vermelho (e repolho, se estiver usando) em tiras finas.

Coloque todos os ingredientes do molho no liquidificador (lembre que a ordem é decrescente, então a pasta de amendoim é o ingrediente usado em maior quantidade) e triture até ficar homogêneo. Acrescente um pouco de água: o molho deve ficar cremoso e semi-líquido. Prove e veja se está do seu agrado. O molho de ter um sabor equilibrado entre o salgado (do shoyu), o doce (do melado) e o ácido (do limão). O gengibre deve temperar de acordo com o seu gosto (eu gosto de colocar bastante gengibre) e o alho deve ser discreto. Se você realmente precisa de medidas, lá vai: usei aproximadamente 2 colheres de sopa (bem cheias) de pasta de amendoim, um limão (galego) pequeno, umas 3 colheres de sopa de shoyu, 1 colher de sopa de melado, um polegar de gengibre (bem grosso) e um dente pequeno de alho, mais um tiquinho de água. Comece por aqui, prove e veja se está bom pra você. Achou muito ardido (por causa do gengibre)? Coloque mais pasta de amendoim e mais água. Tá faltando sal? Coloque mais shoyu. E assim por diante. Se seu liquidificador for fraquinho, talvez seja melhor ralar o gengibre antes de bater (ele é bem fibroso).

Coloque todos os ingredientes na mesa (coloco o molho em potinhos pra que cada convidada tenha o seu), juntamente com uma bacia com água fria, e chame suas convidadas. Cada uma vai mergulhar a folha de papel de arroz na água fria, retirar, deixar escorrer um pouco e colocar no prato. Ela ainda vai estar dura, mas não se preocupe: ela vai continuar a se re-hidratar enquanto você monta o rolinho. Se você deixar a folha na água até amolecer, vai ser impossível retirá-la da água e colocar no prato sem que ela se dobre e cole nela mesma, virando uma melecada.

Pra preparar os rolinhos coloque um pouco de tudo (vegetais/ervas/tofu/bifum) na folha de papel de arroz, sem exagerar (senão não vai ter como fechar depois sem rasgar o papel). Eu coloco galhinhos de coentro, muitos, mas retiro as folhas de hortelã do talo e uso só as folhas. Depois enrole como um burito. No post sobre a outra versão desses rolinhos, fiz um passo-a-passo com fotos mostrando como fazer isso (de cabeça pra baixo, só me dei conta hoje!). Dá uma olhada lá.

Pra comer: mergulhe a ponta do rolinho no molho de amendoim e morda. Se delicie, me mande um abraço de agradecimento mentalmente e use uma colher pra ir colocando mais molho no rolinho (mergulhar o rolinho mordido no molho pode causar queda de alguns ingredientes).

Se sobrar molho, ele se conserva na geladeira por alguns dias e fica bom com quase tudo.

Torta salgada de legumes

Há anos eu procurava uma receita de torta salgada que reunisse todos os critérios que fazem, na minha opinião, uma boa torta salgada. Não gosto de tortas que são secas ou com muita farinha de trigo (as “pizzas de liquidificador” da minha infância eram assim). Queria uma torta suculenta e com muito mais legume do que farinha, mas que ao mesmo tempo pudesse ser cortada em pedacinhos bonitos e servida em ocasiões festivas (ou como tira gosto no meu boteco imaginário). 

Tive o prazer de provar algumas tortas assim feitas por duas mulheres veganas do meu Nordeste (um cheiro pra Natália, de Fortaleza, e outro pra Bia, de Salvador). Mas quem disse que eu tenho a receita delas? Natália até me deu, anos atrás, a receita da torta com lentilhas que ela faz, mas eu perdi. E quando pedi a receita de Bia, ela respondeu que tinha feito no olhômetro, com o que tinha achado na cozinha naquele dia. Então tive que inventar minha própria receita. 

Mas preciso dizer que não iniciei essa empreitada sozinha. Parti da receita de torta de legumes de Ruan Félix (cheiro, Ruan!), que ele publicou no blog de dona Juliana Gomes (cheiro, Ju!). Eu não tinha todos os ingredientes da receita de Ruan, mas ela foi fundamental pra me ensinar o pulo do gato em matéria de torta de legumes suculentas sem usar ingredientes de origem animal: batata cozida. É a bruxaria que faz a beleza dessa receita. E, como ele explica, essas tortas em versão animal geralmente levam ovos, óleo/manteiga e queijo, então são bem gordurosas. Por isso a versão vegetal pode (e deve) caprichar na dose de gordura (ele usa uma maionese caseira, eu uso azeite, mas já usei pesto também). Meus testes também me mostraram que a abobrinha é mais que um “legume” na “torta de legumes”, ela garante a textura úmida que eu procurava.

Foram muitos testes pra entender quais ingredientes são essenciais,e quais são enfeites, e chegar nas proporções ideias. Percebi, por exemplo, que pra chegar na textura suculenta que eu queria, o fermento era desnecessário. Fiz uma versão com farinha de grão de bico e outra com lentilha, mas tenho planos de fazer outra receita-base usando leguminosas. Eu queria que essa receita aqui fosse o mais simples possível, com ingredientes acessíveis pro maior número de pessoas. E também que se mantivesse próxima das tortas de legumes mais tradicionais, embora eu ache que a minha versão é ainda melhor. 

Como precisei fazer quase uma dezena de testes antes de chegar na receita abaixo, pude compartilhar essa torta com várias pessoas e posso afirmar que o sucesso é garantido. E repare como essa torta é linda! Vão perguntar se tem queijo, por causa da maneira como ela fica douradinha por cima e do sabor maravilhoso (obra, em partes, da dose caprichada de gordura ). Responda que ela tem algo muito melhor: amor por todos os viventes e valorização dos vegetais.

Torta salgada de legumes

Essa é mais uma fórmula que pode ser usada pra criar várias tortas diferentes, dependendo do “legume saborizante” que você utilizar. A abobrinha da base é importante pra atingir a textura desejada, então ela não pode ser substituída aqui. Se estiver usando um legume de sabor forte no tempero (como azeitona ou tomate seco), aconselho usar apenas 1/2 medida dele e completar com algo de sabor mais suave. Cenoura ralada fica perfeito aqui e ajuda a baratear a receita (nesse caso ficaria 1/2 medida de tomate seco ou azeitona e 1/2 medida de cenoura ralada). Pra fazer uma torta pequena uso uma caneca como medida. Você pode dobrar a receita (mantendo a caneca como medida) pra fazer uma torta maior. Minha receita foi inspirada em grande parte pela receita de torta de legumes de Ruan Félix.

Base (1 medida = 1 copo ou 1 xícara ou 1 caneca):

1 medida de batata cozida e amassada

1 medida de abobrinha ralada com casca (aperte bem na hora de medir)

1 medida de farinha de trigo (branca ou integral)

1/4 medida de óleo

Sal e pimenta preta a gosto

Temperos

1 medida de um legume “saborizante” (tomate seco, palmito, azeitona, milho verde, ervilha, coração de alcachofra, cogumelo, cenoura ralada… pode ser uma mistura de mais de um)

Alho e/ou cebola a gosto (opcional)

Ervas secas ou frescas

Um pouquinho de suco de limão (opcional, mas eu gosto porque a acidez realça o sabor de tudo)

Misture tudo com uma colher de pau ou espátula. Prove e corrija o sal, se necessário. (Se estiver usando alho e cebola, pique esses ingredientes e refogue em um pouco de óleo por alguns minutos antes de acrescentar à massa.) A massa vai parecer seca e você vai se perguntar se não era pra acrescentar algo líquido ali. Confie, vai dar certo. Mas ATENÇÃO: se os ingredientes que você estiver usando pra dar sabor à torta (“legumes saborizantes”) forem bem secos (milho verde e ervilha, por exemplo), ou seja, não tiverem a umidade de uma cenoura ralada ou de corações de alcachofra, use um pouco menos de farinha (3/4 de medida, ao invés de 1 medida cheia) ou um pouco mais de abobrinha ralada pra equilibrar a massa.

Despeje a massa em uma forma untada com um pouco de óleo (não precisa enfarinhar), espalhe com as costas de uma colher e leve ao forno médio (não precisa pre-aquecer) até ficar bem dourado e levemente firme quando você apertar com o dedo. O ideal é que essa torta não fique muito espessa, então escolha uma forma onde caiba tudo em uma camada não muito alta. O tempo de cozimento vai depender do tamanho da sua forma, então fique de olho e não tenha medo de abrir a porta do forno pra checar regularmente e, nesse caso, é melhor assar demais (vai ficar ligeiramente crocante nas bordas) do que de menos.

Importante: deixe esfriar completamente antes de cortar e servir. Se ela ainda estiver morna na hora de cortar, o interior estará cremoso demais e vai ser purê de torta pra todos os lados. Somente depois de totalmente fria é que dá pra cortar pedaços perfeitos.

O que usei na torta da foto, que é grande (8 pedaços bons):

(Base) 2 canecas de batata amassada (4 batatas médias) + 2 canecas de abobrinha ralada (2 abobrinhas médias, apertei bastante pra entrar tudo na caneca) + 2 canecas de farinha de trigo semi-integral + 1/2 caneca de azeite (Temperos) 1 caneca de cenoura ralada (1 cenoura grande) + 1 caneca de ervilha cozida (compro congelada) + alho poró refogado (aproximadamente 1/2 caneca) + alho desidratado (porque estava com preguiça de descascar alho fresco) + um punhadinho de ervas secas (tomilho/manjericão/orégano) + sal e pimenta do reino + suco de limão.

Dicas:

-Tomate seco fica uma delícia aqui, mas se estiver usando tomates conservados no óleo, reduza um pouquinho a quantidade de óleo da receita. Eu não fiz isso e minha torta de tomate seco ficou bem gordurosa (saborosa, mas gordurosa – e ninguém reclamou dos dedos lambuzados de óleo).

-Se tiver pesto na geladeira, use no lugar do óleo. Fiz isso uma vez e ficou sublime, embora a torta fique verde, o que pode causar estranheza em algumas comedoras que torcem o nariz pra verduras.

-Sinta-se à vontade pra temperar sua torta como quiser. Uso páprica doce defumada e fica ótimo. E imagino que uma versão com curry e coentro fique supimpa também.

Pra expandir seu repertório de cuscuz

Ele é a base do café da manhã e jantar do povo nordestino. E pode virar almoço, quando a precisão é grade. Já expliquei, passo a passo, como fazer cuscuz (simples e com leite de coco) nesse post. Cuscuz bom, fofinho e macio, não a versão esturricada que algumas pessoas (mesmo no Nordeste) insistem em preparar. Saber fazer um cuscuz gostoso e honrar nossa cultura alimentar é importante. E hoje vim expandir seu repertório de cuscuz.

Com a insegurança alimentar no Brasil aumentando a cada dia que passa (enquanto escrevo essas linhas, 60% da população se encontra em algum grau de insegurança alimentar), o cuscuz passou a representar uma parte ainda maior da alimentação das pessoas nordestinas. Por isso pensei em compartilhar três receitas simples e baratas à base de cuscuz. Na verdade, à base de flocão, que é a farinha de milho flocada e pré-cozida, a mais usada pra fazer cuscuz aqui. Além de variar a alimentação de quem está comendo cuscuz todo dia, elas mostram as inúmeras possibilidades desse ingrediente tão barato e acessível.

Torço pra que em breve esse projeto político de morte e fome no Brasil, também conhecido como “necropolítica”, chegue ao fim. Nos últimos quatro anos a destruição foi gigante, mas nós, o povo, sabemos construir também. E pra nos dar força, bora comer cuscuz!

Cuscuz com quiabo

Essa é uma versão com quiabo do “cuscuz com coco e verduras” que faço o tempo todo na casa da minha família. Além do sabor, o quiabo enriquece o prato com uma boa dose de cálcio. Comam mais quiabo, meu povo! (Mais receitas de quiabo aqui e aqui )

Flocão de milho (ou fubá)

Leite de coco fresco (receita aqui)

Quiabo

Cebola

Pimentão verde (ou outra cor)

Tomate

Alho

Coentro

Sal e pimenta preta a gosto

Óleo (ou azeite)

Prepare um cuscuz com leite de coco, como ensinado nesse post.

Enquanto isso corte o chapéu de alguns quiabos e parta no meio, no sentido do comprimento. Escolha quiabos pequenos e verdes, pois esses são os melhores. Os grandes já estão maduros e cheios de fibras duras. Aqueça um pouco de óleo em uma frigideira e grelhe os quiabos dos dois lados, até ficar com vários pontos dourados/marrom. Tempere com sal. Depois de grelhado, corte o quiabo em pedaços pequenos.

Pique a cebola e o pimentão e refogue por alguns minutos no óleo quente. Junte o alho picado (ou amassado), refogue mais alguns segundos e acrescente o tomate picado. Quando o tomate começar a amolecer, desligue o fogo. Tempere com sal e pimenta preta.

Misture o cuscuz pronto (já abafado com o leite de coco) com as verduras refogadas, mais o quiabo grelhado e picado e o coentro picadinho. Prove e corrija o sal, se necessário.

Farofa de cuscuz com feijão macaça e amendoim

Fazer farofa com restos de cuscuz é um grande clássico da culinária de carestia. Falam muito em “desperdício zero” (ou “zero waste”, na versão gourmetizada), mas a verdade é que a população empobrecida sempre cozinhou (e viveu) assim, por necessidade, muito antes de virar um “lifestyle”. Feijão + milho + amendoim = nossa cultura alimentar juntas num prato. Além de ser uma combinação nutricionalmente completa (leguminosas -feijão, amendoim- com cereal – milho).

Restos de cuscuz (pode ser o simples, com coco ou com quiabo)

Restos de feijão macaça (ou algum feijão que dá caldo ralo, como o fradinho)

Amendoim torrado e picado (usei xerém de amendoim, que é bem quebradinho)

Uso duas medidas de cuscuz pra uma medida de feijão, mais um punhado de amendoim. Mas você pode adaptar as quantidades pro seu gosto. Em seguida é só misturar tudo numa frigideira, esquentar um pouco e chamar de farofa. Como é uma “farofa” bem úmida e nutritiva, também como como prato principal, no jantar.

Se quiser uma farofa mais crocante, use menos feijão, deixe o cuscuz secar um pouco na frigideira (acrescente um pouco de óleo/azeite pra dar uma douradinha) e capriche no amendoim picado.

Panqueca de flocão de milho

Postei uma versão mais elaborada dessa panqueca no começo do ano (panquecas de milho e grão de bico). Essa é a versão simples e mais acessível, que pode ser degustada com recheios salgados ou doces.

Flocão de milho (ou farinha de milho fina)

Água

Sal a gosto

Misture o flocão com água suficiente pra molhar bem a massa (mais água do que você usaria par hidratar a massa do cuscuz), mais sal a gosto. Pra fazer uma panqueca pequena usei 3 colheres de sopa bem cheias de flocão e aproximadamente 6 colheres de sopa de água. Deixe repousar por pelo menos 5 minutos. Isso é importante pra hidratar a massa. Depois do tempo de descanso o flocão deve estar inchado, mais macio e não deve ter água sobrando no fundo.

Espalhe essa massa sobre uma frigideira anti-aderente fria, dando uma forma circular (ou a forma que quiser). Coloque a frigideira no fogo e cubra com uma tampa. Deixe cozinhar em fogo bem baixo até sentir um cheiro de cuscuz cozido e a panqueca se soltar facilmente do fundo. Leva menos de 10 minutos, então fique por perto. Use uma espátula pra virar a panqueca e cozinhar do outro lado por mais 2-3 minutos. Se quiser, espalhe um fio de óleo ou azeite sobre a panqueca antes de virar pra ficar dourada e mais saborosa.

OBS Se sua frigideira não for realmente antiaderente, você vai precisar untá-la com óleo antes de formar a panqueca.

Sirva com o recheio que preferir. Aqui usei abacate (temperado com sal e limão), tomate, rúcula e coentro. Na versão doce fica uma delícia com banana em rodelas, pasta de amendoim e um fio de melado (mel de engenho).

Uma ratatouille pro meu sogro

Cheguei ontem à noite de uma curta visita ao meu sogro, no interior da França. Ele teve problemas de saúde sérios nos últimos meses e apesar de estar tudo bem agora, estava precisando de apoio emocional. Esse ano está sendo puxado pra mim, em termos de saúde dos pais (incluindo aqui minha mãe, meu pai e meu sogro). Fui lembrada, várias vezes, da fragilidade da vida e dos corpos das pessoas mais velhas da minha família.

Mas agora que o susto com o meu sogro já passou, pudemos curtir alguns dias embaixo dos carvalhos dele (o jardim do meu sogro é um bosque!), colhendo maçãs no quintal e compartilhando refeições ao ar livre, antes que o outono se instale e traga junto o frio.

No dia seguinte à minha chegada ele me pediu uma ratatouille, um prato que ele adora. Como ainda é verão aqui, é a época perfeita pra fazer esse que é um dos únicos pratos da culinária tradicional francesa 100% vegetal. Usei um método diferente, pensando em ganhar tempo, e acabei criando a melhor ratatouille que já fiz. Foi um sucesso tão grande que ele me pediu pra fazer de novo dois dias depois pra que pudesse anotar a “receita”. Coloquei entre aspas porque se trata de um método, não de uma receita. A receita, eu compartilhei aqui em 2010 (ano da criação desse blog). Mas como esse novo método produz um resultado muito superior, vim compartilhar.

Ratatouille (técnica melhorada)

A receita, com medidas, está nesse post. Mas não precisa de medidas exatas, é só uma questão de proporção. Use a mesma quantidade de abobrinha e berinjela, uma quantidade menor, mas igual, de cebola, pimentão e tomate, alho a gosto e tá tudo certo. O pulo do gato é combinar o forno com o fogão pra intensificar os sabores.

Berinjela

Abobrinha

Tomate

Pimentão vermelho (ou amarelo)

Cebola

Alho

Tomilho, louro, sal e pimenta preta

Azeite

Corte a berinjela e a abobrinha em pedaços médios (com casca e sementes, obviamente). Coloque em uma travessa/forma grande (onde caiba tudo) e regue com bastante azeite, tempere com sal e leve ao forno quente até ficar tudo macio e dourado. Isso é muito importante pra garantir o sucesso da receita. O calor seco vai retirar a água dos legumes, concentrar os sabores e a reação de Maillard (o douradinho por fora) deixa tudo ainda mais gostoso.

Enquanto os legumes assam, corte a cebola, o pimentão e o tomate em pedaços médios e pique o alho. Capriche no alho! Em uma panela grande e, idealmente, do fundo grosso, esquente uma boa quantidade de azeite e doure a cebola. Junte o alho e o pimentão, refogue por mais um minuto e acrescente o tomate. Junte o tomilho (desidratado- se for fresco, acrescente no final) e uma folha de louro, tempere com sal e pimenta preta e deixe cozinhar, coberto, até o tomate se desfazer e o molho encorpar ligeiramente.

Quando a berinjela e a abobrinha estiverem bem assadas (vai murchar bastante e liberar espaço na travessa pros outros ingredientes), retire do forno e despeje o refogado de tomate/cebola/pimentão/alho por cima e misture bem. Como os legumes assados estarão mais secos (a água de dentro dos legumes evaporou no forno), eles vão absorver o refogado de tomate e vai ficar tudo incrivelmente saboroso. Mas vamos concentrar ainda mais os sabores colocando a travessa de volta no forno, depois de ter regado tudo com mais um fio de azeite (não tenha medo de usar azeite aqui). Se seu forno tiver a opção “grill” chegou a hora de usá-la. Mas se não tiver, aumente um pouco a temperatura e deixe ali até que a superfície da ratatouille esteja levemente caramelizada.

Deixe esfriar um pouco (dentro do forno) antes de servir. Tradicionalmente ratatouille é servida com arroz, mas você pode servir com o que quiser. Ela se conserva alguns dias na geladeira e fica ainda mais gostosa requentada, no dia seguinte. Restos de ratatouille são um ótimo molho par macarrão e recheio pra sanduíche (com uma camada de hummus – tradicional ou cubano– fica sublime).

Legumes da xepa com amendoim e coco

Escutei inúmeras vezes, geralmente da boca de chefs-celebridades, que a melhor maneira de cozinhar, ou “a maneira certa de cozinhar”, seria escolher os melhores ingredientes possíveis, ultra frescos, orgânicos, de estação, cultivados ali pertinho e transformá-los o mínimo possível. O papel do ou da cozinheira seria “respeitar a integridade dos ingredientes”, submetendo-os a um pouco de calor (grelhar rapidinho), juntando o mínimo de temperos e servindo imediatamente.

Não sou a única cozinheira a ter uma visão totalmente diferente da coisa. Sim, se você tiver um tomate ultra maduro e fresquinho, é uma delícia degustá-lo sem muita firula, só com sal e azeite, por exemplo. Mas declarar que isso é a “melhor maneira de cozinhar” é puro esnobismo culinário. Por isso mesmo não me surpreende que o pessoal que compra os livros de receitas desses chefs (sim, geralmente homens) e segue essas instruções seja a mesma turma que tem dinheiro e cozinha como hobbie. Isso cria uma demarcação nítida entre a maneira que a elite cozinha (por prazer, de maneira esporádica) da maniera como pessoas empobrecidas cozinham (por necessidade, diariamente). A culinária popular foi construída em cima dos esforços em transformar ingredientes que não eram os mais nobres nem os mais frescos em algo saboroso e nutritivo. É assim que a maior parte do mundo sempre cozinhou, pois quem não tem dinheiro nem acesso aos “melhores ingredientes” tem que se virar com os ingredientes de segunda ou terceira categoria e fazer o possível pra transformá-los em comida pra toda a família.

Eu tenho um amor imenso por esse tipo de culinária, a culinária popular e muitas das minhas receitas preferidas vieram diretamente dessa tradição. Pra mim a medida do talento de uma boa cozinheira é justamente essa: conseguir fazer um prato saboroso e nutritivo com poucos recursos e ingredientes que já não estão tão bons. E a receita de hoje é uma perfeita ilustração disso.

Anne passou a pegar as folhas (de diferentes tipos de alface) que são descartadas numa loja de orgânicos aqui perto e na feira do bairro. A gente usar pra cobrir a horta, assim as lesmas tem comida em abundância e não comem os vegetais que plantamos ali. Aprendemos com a amiga que nos ensinou a fazer horta. E quase sempre encontramos alguns vegetais misturados com as folhas de alface que salvamos do lixo da feira, que também foram descartados por não estarem mais no nível de qualidade necessário pra serem vendidos. Eu corto as partes machucadas, retiro a casca, se ela estiver muito marrom e eles viram uma refeição extra na semana. Nosso orçamento está bem apertado e um prato de comida a mais é sempre bem-vindo.

Pra melhorar o sabor do prato e aumentar o valor nutricional, juntei pasta de amendoim (barata, nutritiva e cheia de proteína) e um pouco de leite de coco (industrializado, porque estou na França). Essa é a base do molho desse ensopado senegalês e a mistura de amendoim com tomate é bem popular na culinária do Oeste da África. Completei com umas folhas de couve da horta e as últimas folhinhas e flores do coentro que tentei plantar, mas não vingou.

Se você nunca usou pasta de amendoim em pratos salgados e achou a mistura meio duvidosa, peço que prove primeiro antes de formar sua opinião. É escandalosamente gostoso e uma maneira simples e acessível de acrescentar uma dose extra de proteína a qualquer mistura de legumes. Numa conjuntura de fome e carestia, esse tipo de conhecimento pode fazer muita diferença.

Legumes da xepa com amendoim e coco

Qualquer combinação de legume dá certo. Os ingredientes do molho (pasta de amendoim + tomate + leite de coco) são importantes pra dar sabor, mas os dois essenciais são o amendoim e o tomate. Então dá pra fazer sem leite de coco, embora fique mais gostoso com ele. Nesse caso substituia o leite de coco água.

Legumes da xepa, em pedaços pequenos

Pasta de amendoim (pura, sem açúcar)

Tomates bem maduros, picados

Leite de coco, melhor se for fresco

Alho, sal e pimenta preta

Óleo

Opcional: pitadas de cúrcuma, cominho e pimenta calabresa

Coentro

Limão

Refogue o alho picado em um pouco de óleo. Junte os legumes (aqui usei um talo de brócolis, cenouras, abobrinhas, repolho e cebola, mais folhas de couve da horta), tempere com sal e refogue mais uns minutos. Junte os temperos, se estiver usando e os tomates. Deixe cozinhar em fogo baixo, coberto, até tudo ficar bem macio e os tomates se desintegrarem. Junte um bocadinho de água, se necessário.

Acrescente uma colherada generosa de pasta de amendoim (ou várias, dependendo da quantidade de legumes) e cubra tudo com leite de coco fresco (ou industrializado, mas nesse caso use metade leite de coco e metade água). Se não tiver leite de coco, junte água suficiente pra que a pasta de amendoim se transforme em um caldo encorpado. Deixe ferver, prove e corrija o sal. Desligue e junte o coentro e um pouco de suco de limão. Sirva com arroz, cuscuz ou pão.

Macarronada com berinjela e casca de banana

Eu acredito que as pessoas cozinham errado com casca de banana. Sabe esse negócio de usar casca de banana na culinária (“carne de casca de banana”, como algumas pessoas falam)? A ideia de reduzir o desperdício é ótima. A vontade de expandir a categoria de “carnes vegetais” também. Pra quem ainda tem apego pela ideia de “mistura”, parece ser uma opção extremamente acessível, afinal se trata de transformar algo que iria pro lixo em prato principal. Mas é exatamente aqui que a coisa desanda, na minha opinião. 

Sou a favor de usar todas as partes comestíveis dos vegetais. Mas quando essas partes comestíveis não são muito apetitosas, como é o caso da casca da banana, devemos colocar isso em prática de maneira inteligente. A lição aqui é algo que vi minha mãe fazer durante toda a minha infância: usar um ingrediente barato pra aumentar o volume do prato. O erro, ao meu ver, é achar que “carne de casca de banana” pode ser o ingrediente principal, ou que pode ser usada sozinha como recheios. Seria incrível se a casca da banana fosse, além de barata (na verdade, gratuita, já que ela acabaria no lixo), deliciosa. Mas sejamos honestas aqui: ela não é e vai precisar da ajuda de vários outros ingredientes pra se tornar interessante.

Estamos atravessando tempos difíceis e a fome está batendo na porte de milhões de pessoas no Brasil. Saber usar a totalidade dos vegetais, da casca à semente, é uma competência que precisa ser adquirida. E isso significa aprender que em muitos casos as partes que costumam ser descartadas dos vegetais são tão deliciosas, ou mais, do que a parte que costumamos comer (o talo do brócolis, as folhas da couve-flor…), e que podem inclusive ser consumidas sozinhas e apreciadas pelo seu sabor. Enquanto que em outros casos devemos aceitar que a maior contribuição da parte que seria descartada será a de “aumentar o pouco” (casca de banana, presente!).

Tudo isso pra dizer que na última vez que estive em Natal fiz uma macarronada que tinha casca de banana como um dos ingredientes e ficou supimpa. “A casca de banana deixou a receita supimpa?”, a pessoa que ainda acredita no potencial gustativo da casca de banana pergunta. Não e afirmo, sem medo de fazer inimizades no campo das empolgadas da “carne de casca”, que a receita teria ficado igualmente supimpa sem ela. A contribuição dela foi, como expliquei acima, aumentar o pouco. No caso, o pouco era a berinjela. 

Comecei falando de receitas pra enfrentar tempos de carestia e sei que alguns olhos vão revirar ao ver que tem castanha na receita, um ingrediente caro. Berinjela também não é o legume mais acessível em todos os lugares do Brasil. Sem falar que visto o preço do gás, usar o forno se tornou algo impensável pra muita gente no momento. Mas se você não puder fazer esse prato do jeitinho que eu explico aqui, espero que pelo menos a receita te ensine a preparar casca de banana e sirva de inspiração pra futuras comidas que sairão do sua cozinha. 

Macarronada com berinjela e casca de banana

Essa é mais uma daquelas receitas sem medidas, porque cozinha de panela e do dia-a-dia não precisa de medidas exatas pra dar certo. Use seu paladar, e o que estiver disponível, como guia que não tem erro. Pode usar casca de banana madura ou verde, caso você tenha cozinhado banana verde pra fazer biomassa, por exemplo. 

Casca de banana (qualquer banana – usei casca de banana da terra que eu tinha cozinhado pro café da manhã), picada miúdo

Cebola, picada

Tomates bem maduros, picados

Berinjela, em cubos pequenos

Alho, picado/amassado

Castanha de caju (qualquer tipo)

Molho de soja (shoyu)

Óleo ou azeite

Temperos: páprica defumada, pimenta preta, orégano desidratado

Sal 

Macarrão (usei conchas, mas qualquer um serve)

Cubra as castanhas de caju com água quente e deixe descansando enquanto prepara a receita.

Em uma panela pequena, despeje óleo (ou azeite) suficiente pra cobrir o fundo e frite a casca até ficar marrom-dourado. Tempere com bastante molho de soja e páprica defumada, se tiver, e reserve.

Em outra panela, maior, refogue a cebola em um pouco de óleo. Junte o alho e a berinjela, tempere com sal, refogue mais alguns segundos, baixe o fogo e deixe cozinhar, coberto, até a berinjela ficar macia. Não precisa acrescentar água, basta manter o fogo baixo, a panela coberta e mexer com uma colher de pau de vez em quando. Junte o tomate picado em quantidade (aproximadamente quatro vezes o volume da berinjela), junte mais um pouco de sal e deixe cozinhar, sempre coberto, até o tomate se desintegrar e se tornar um molho espesso. Junte a casca da banana frita, a pimenta preta e o orégano, prove e corrija o sal, se necessário. Capriche no tempero e deixe os sabores bem intensos, pois ainda vamos acrescentar creme de castanha e macarrão aqui.

Ferva uma quantidade grande de água salgada pra cozinhar o macarrão e enquanto espera ela ferver, finalize o molho.

Bata as castanhas (que ficaram descansando na água fervente) no liquidificador com água suficiente (a mesma) pra formar um creme ralo. Comece com pouca água e vá acrescentando mais até atingir a consistência de um leite espesso. Esse creme de castanha engrossa no calor, então não se preocupe se parecer ralo demais agora. Despeje o creme de castanha no molho de tomate-berinjela-casca de banana, misture bem e corrija o sal (vai precisar de mais depois de acrescentar as castanhas). A proporção de creme de castanha pra molho de tomate fica por sua conta, mas eu diria que o creme deve representar mais ou menos um terço do volume total.

Cozinhe o macarrão, mas escorra antes de ficar completamente cozido (80%, eu diria), já que ele ainda vai pro forno e vai continuar o cozimento lá. Misture o macarrão com o molho, coloque numa forma e leve ao forno quente pra terminar de cozinhar e gratinar um pouco (coloque no modo “grill”, se seu forno tiver essa opção). 

Retire do forno e deixe descansar alguns minutos antes de servir.

A feijoada vegetal que você sempre quis

Seria mais acertado se o título desse post fosse “a feijoada vegetal que eu sempre quis”. Mas se você é uma pessoa que, como eu, adora feijoada, provavelmente você também queria muito essa receita.  

Veja, feijoada “vegana” tem muitas por aí. (Escrevo “vegana” entre aspas porque acredito que apenas pessoas são veganas, comida é “vegetal”.) Provei inúmeras feijoadas vegetais desde que me tornei vegana mas nenhuma era o que eu procurava. Teve feijoadas com verduras (pra mim o nome disso é sopa de feijão), com as caríssimas linguiças vegetais industrializadas (quase sempre acho esses sabores artificiais demais) e as que incluem ingredientes bacanas -tofu, cogumelos- mas sem o sabor marcante e característico de uma boa feijoada. Eu cresci comendo a feijoada de uma pessoa próxima da família que era um desbunde, então meus critérios de avaliação são altos. 

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Tofu com berinjela e pimentão

Minha mãe era uma mestra em fazer render a mistura. Ela juntava vegetais à pequena porção de animal disponível, fazendo o conteúdo da panela triplicar de volume, pra poder alimentar todas as bocas ao redor dela. 

Tenho opinões fortes (impopulares?) sobre trazer a noção de mistura pra alimentação vegetal e escrevi sobre elas nesse post. Mas, assim como minha mãe e muita gente que cresceu empobrecida, carrego comigo a prática de “fazer render a mistura”.

A dica é simples e útil pra quem quer utilizar ingredientes especiais sem gastar o salário do mês numa refeição. (AVISO: Não precisa de ingrediente raro e gringo pra cozinhar pratos vegetais deliciosos. Mas é divertido expandir nossos horizontes gastronômicos de vez em quando, se o bolso permitir.)

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Reabilitar a fava

Gosto de me dar missões difíceis. Como, por exemplo, reabilitar a fava. Poucos alimentos do reino vegetal são tão mal-amados e mal-afamados como a fava. Eu já defendi publicamente o quiabo e o maxixe. Um dia volto pra falar de jiló, que também aprecio. Mas hoje, vamos falar sobre ela, a rainha dos feijões.

Eu poderia falar das propriedades nutricionais da fava, mas não é o propósito do meu trabalho. Minha ambição é fazer você se apaixonar pela comida que vem da terra porque ela é deliciosa e porque ela conta a historia do nosso povo e nos conecta ao nosso território. E é justamente no meu território, o Nordeste, que o apreço pela fava ainda resiste. Mas até lá as coisas mudaram e esse alimento tão nutritivo e saboroso se tornou comida de antigos e de pobres. Triste isso de ver a que ponto a comida que vem da terra é constantemente categorizada como “comida de pobre” (coisa “de rico” é consumir animais) e em seguida desprezada. O próximo passo é parar de cultivar esse alimento, já que ninguém mais quer comê-lo e aos poucos vamos perdendo biodiversidade no campo e variedade na mesa. E deixando pra trás a nossa cultura alimentar. Não somos mais o povo que come fava, somos o povo que come frango congelado e, pra quem tem mais dinheiro na conta, sushi de salmão geneticamente modificado e alimentado com soja transgênica, vinda da monocultura, da grilagem de terras e manchada com sangue indígena.  

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Maxixada

Há muitos anos declamei aqui o meu amor por maxixe na forma de pirão. Maxixe é um legume um pouco esquecido e que aparece mais em feiras do que em supermercados (mais um motivo pra não frequentar supermercados). O pirão ainda é um dos meus pratos preferidos, mas descobri recentemente (graças à minha irmã Lu) que maxixe com leite de coco também é um desbunde!

Repare que tudo com leite de coco fica melhor. Repare também que a receita do que a gente começou a chamar de “maxixada” (tradução: maxixe no coco) lá em casa é mais uma versão da fórmula “legumes + leite de coco + coentro”. Que você use banana da terra ou caju (e chame de “moqueca”), quiabo ou maxixe, os ingredientes da base e o preparo são os mesmos. Mas apesar de compartilhar os elementos, o resultado final é sempre distinto, já que o ingrediente principal muda. E digo mais. Se estamos repetindo essa fórmula, mudando somente o ingrediente principal, é por uma razão: é sempre uma delícia!

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Macaco

A estrada que vai pro povoado onde o meu pai mora, no Sertão potiguar, passa por algumas das cidades com os melhores nomes que conheço. Tem “Cachoeira do Sapo” e, logo depois, “Caiçara do Rio do Vento”, que é o nome de cidade mais poético que já ouvi (embora um rio do vento é um rio que secou e isso, no Sertão, é drama, não poesia). Quando eu era criança misturava os nomes dessas duas cidades e durante anos pensei que tinha uma “Cachoeira do Rio do Vento”. Lembro de imaginar como devia ser lindo uma cachoeira onde, ao invés de água, caía vento. Aqui no RN tem também outro nome de cidade ótimo: “Santo Antônio do Salto da Onça”. Diz meu pai que o salto que essa onça deu foi tão incrível que passou a ser o nome da cidade, embora oficialmente o lugar se chame apenas “Santo Antônio”. 

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Guisado cubano

Minha irmã caçula, Lu, já apareceu nesse blog várias vezes. Na verdade, quem aparece são as receitas dela. O bolo de laranja dela mudou a vida de muita gente que acreditava que tinha alguma incapacidade genética pra fazer bolos. E convenceu outro tanto de que é possível fazer bolo fofinho sem ovo. Tem também o hummus cubano, que ela me ensinou ano passado e que eu compartilho desde então com todas as pessoas que cruzam o meu caminho. Sucesso absoluto de público e de crítica.

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Feijão de mãe

Esse texto é sobre duas coisas diferentes, mas que se encontram no final. 

Uns dias atrás eu estava reunida com boa parte da minha família, numa casa de praia aqui do lado de Natal. Eu estava preparando o almoço com a minha cunhada e discutíamos sobre o que nós consideramos como essencial em termos de conhecimento culinário. Concordamos que qualquer pessoa no nosso território (o Nordeste) deveria saber preparar o essencial da nossa cultura alimentar: 1- feijão, 2- arroz, 3- cuscuz e 4- tapioca. Assim a pessoa garante sua autonomia alimentar no café, almoço e jantar. O resto (legumes refogados, salada, uma pasta pra passar na tapioca) também é importante, tanto pra ter uma alimentação diversificada quanto pra garantir refeições saborosas, mas deve ser construído em cima dessa base. Isso deve ser adaptado em função da sua cultura alimentar, obviamente. Tapioca não faz sentido pra todo mundo e talvez aí onde você mora o seu “essencial” seja diferente. 

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Creme de milho e cebola

Eu tenho uma pequena lista de assuntos sobre as quais eu gostaria de escrever. Aconteceu muita coisa nos últimos dias que me fizeram refletir e uma das razões que me levam a alimentar esse blog é ter um espaço pra compartilhar essas reflexões (minha pobre família já não aguenta mais minhas palestras cotidianas). Mas aí eu estava encarregada do fazer o almoço hoje e fiz algo tão gostoso que pensei que falar de qualquer outra coisa antes de compartilhar a receita seria um erro. 

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…mas tem quiabo também

Na última vez que estive aqui, no final do ano passado, Fábio, um dos feirantes da CECAFES (Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária, do lado da CEASA), que é onde minha irmã Lu compra frutas e verduras pra nossa família, nos contou que preparava quiabo no leite de coco. Dessas coisas lindas que acontecem quando você conhece as pessoas que vendem (no caso da CECAFES, que plantam) a comida que você come: trocamos dicas e receitas. Eu nunca tinha ouvido falar dessa maneira de preparar quiabo, mas como adoro esse vegetal, fiquei curiosa pra testar a versão dele. Acontece que eu gosto tanto de quiabo grelhado que sempre que tinha quiabo em casa eu grelhava o danado e acabei voltando pra França sem preparar o tal do quiabo no coco. Já Lu, mais aventureira em se tratando de quiabo, resolveu seguir a dica de Fábio e foi um sucesso absoluto com a minha família (todo mundo adora quiabo aqui).

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23 de outubro

Pensei em fazer um breve apurado da minha vida no momento, como eu costumava fazer quando esse blog era uma mistura de caderno de receitas e diário de bordo. Era gostoso conversar por aqui, mas acabei afastando o conteúdo pessoal desse espaço porque, aos poucos, minhas leitoras e leitores forma migrando pro Instagram, outras chegaram por lá e nunca vieram pro blog. E, apesar de reclamar regularmente sobre isso, acabei seguindo o movimento e aparecendo mais por lá do que por aqui. Grande erro. Então vim anunciar a volta daquela que não foi.

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