Pra expandir seu repertório de cuscuz

Ele é a base do café da manhã e jantar do povo nordestino. E pode virar almoço, quando a precisão é grade. Já expliquei, passo a passo, como fazer cuscuz (simples e com leite de coco) nesse post. Cuscuz bom, fofinho e macio, não a versão esturricada que algumas pessoas (mesmo no Nordeste) insistem em preparar. Saber fazer um cuscuz gostoso e honrar nossa cultura alimentar é importante. E hoje vim expandir seu repertório de cuscuz.

Com a insegurança alimentar no Brasil aumentando a cada dia que passa (enquanto escrevo essas linhas, 60% da população se encontra em algum grau de insegurança alimentar), o cuscuz passou a representar uma parte ainda maior da alimentação das pessoas nordestinas. Por isso pensei em compartilhar três receitas simples e baratas à base de cuscuz. Na verdade, à base de flocão, que é a farinha de milho flocada e pré-cozida, a mais usada pra fazer cuscuz aqui. Além de variar a alimentação de quem está comendo cuscuz todo dia, elas mostram as inúmeras possibilidades desse ingrediente tão barato e acessível.

Torço pra que em breve esse projeto político de morte e fome no Brasil, também conhecido como “necropolítica”, chegue ao fim. Nos últimos quatro anos a destruição foi gigante, mas nós, o povo, sabemos construir também. E pra nos dar força, bora comer cuscuz!

Cuscuz com quiabo

Essa é uma versão com quiabo do “cuscuz com coco e verduras” que faço o tempo todo na casa da minha família. Além do sabor, o quiabo enriquece o prato com uma boa dose de cálcio. Comam mais quiabo, meu povo! (Mais receitas de quiabo aqui e aqui )

Flocão de milho (ou fubá)

Leite de coco fresco (receita aqui)

Quiabo

Cebola

Pimentão verde (ou outra cor)

Tomate

Alho

Coentro

Sal e pimenta preta a gosto

Óleo (ou azeite)

Prepare um cuscuz com leite de coco, como ensinado nesse post.

Enquanto isso corte o chapéu de alguns quiabos e parta no meio, no sentido do comprimento. Escolha quiabos pequenos e verdes, pois esses são os melhores. Os grandes já estão maduros e cheios de fibras duras. Aqueça um pouco de óleo em uma frigideira e grelhe os quiabos dos dois lados, até ficar com vários pontos dourados/marrom. Tempere com sal. Depois de grelhado, corte o quiabo em pedaços pequenos.

Pique a cebola e o pimentão e refogue por alguns minutos no óleo quente. Junte o alho picado (ou amassado), refogue mais alguns segundos e acrescente o tomate picado. Quando o tomate começar a amolecer, desligue o fogo. Tempere com sal e pimenta preta.

Misture o cuscuz pronto (já abafado com o leite de coco) com as verduras refogadas, mais o quiabo grelhado e picado e o coentro picadinho. Prove e corrija o sal, se necessário.

Farofa de cuscuz com feijão macaça e amendoim

Fazer farofa com restos de cuscuz é um grande clássico da culinária de carestia. Falam muito em “desperdício zero” (ou “zero waste”, na versão gourmetizada), mas a verdade é que a população empobrecida sempre cozinhou (e viveu) assim, por necessidade, muito antes de virar um “lifestyle”. Feijão + milho + amendoim = nossa cultura alimentar juntas num prato. Além de ser uma combinação nutricionalmente completa (leguminosas -feijão, amendoim- com cereal – milho).

Restos de cuscuz (pode ser o simples, com coco ou com quiabo)

Restos de feijão macaça (ou algum feijão que dá caldo ralo, como o fradinho)

Amendoim torrado e picado (usei xerém de amendoim, que é bem quebradinho)

Uso duas medidas de cuscuz pra uma medida de feijão, mais um punhado de amendoim. Mas você pode adaptar as quantidades pro seu gosto. Em seguida é só misturar tudo numa frigideira, esquentar um pouco e chamar de farofa. Como é uma “farofa” bem úmida e nutritiva, também como como prato principal, no jantar.

Se quiser uma farofa mais crocante, use menos feijão, deixe o cuscuz secar um pouco na frigideira (acrescente um pouco de óleo/azeite pra dar uma douradinha) e capriche no amendoim picado.

Panqueca de flocão de milho

Postei uma versão mais elaborada dessa panqueca no começo do ano (panquecas de milho e grão de bico). Essa é a versão simples e mais acessível, que pode ser degustada com recheios salgados ou doces.

Flocão de milho (ou farinha de milho fina)

Água

Sal a gosto

Misture o flocão com água suficiente pra molhar bem a massa (mais água do que você usaria par hidratar a massa do cuscuz), mais sal a gosto. Pra fazer uma panqueca pequena usei 3 colheres de sopa bem cheias de flocão e aproximadamente 6 colheres de sopa de água. Deixe repousar por pelo menos 5 minutos. Isso é importante pra hidratar a massa. Depois do tempo de descanso o flocão deve estar inchado, mais macio e não deve ter água sobrando no fundo.

Espalhe essa massa sobre uma frigideira anti-aderente fria, dando uma forma circular (ou a forma que quiser). Coloque a frigideira no fogo e cubra com uma tampa. Deixe cozinhar em fogo bem baixo até sentir um cheiro de cuscuz cozido e a panqueca se soltar facilmente do fundo. Leva menos de 10 minutos, então fique por perto. Use uma espátula pra virar a panqueca e cozinhar do outro lado por mais 2-3 minutos. Se quiser, espalhe um fio de óleo ou azeite sobre a panqueca antes de virar pra ficar dourada e mais saborosa.

OBS Se sua frigideira não for realmente antiaderente, você vai precisar untá-la com óleo antes de formar a panqueca.

Sirva com o recheio que preferir. Aqui usei abacate (temperado com sal e limão), tomate, rúcula e coentro. Na versão doce fica uma delícia com banana em rodelas, pasta de amendoim e um fio de melado (mel de engenho).

Uma ratatouille pro meu sogro

Cheguei ontem à noite de uma curta visita ao meu sogro, no interior da França. Ele teve problemas de saúde sérios nos últimos meses e apesar de estar tudo bem agora, estava precisando de apoio emocional. Esse ano está sendo puxado pra mim, em termos de saúde dos pais (incluindo aqui minha mãe, meu pai e meu sogro). Fui lembrada, várias vezes, da fragilidade da vida e dos corpos das pessoas mais velhas da minha família.

Mas agora que o susto com o meu sogro já passou, pudemos curtir alguns dias embaixo dos carvalhos dele (o jardim do meu sogro é um bosque!), colhendo maçãs no quintal e compartilhando refeições ao ar livre, antes que o outono se instale e traga junto o frio.

No dia seguinte à minha chegada ele me pediu uma ratatouille, um prato que ele adora. Como ainda é verão aqui, é a época perfeita pra fazer esse que é um dos únicos pratos da culinária tradicional francesa 100% vegetal. Usei um método diferente, pensando em ganhar tempo, e acabei criando a melhor ratatouille que já fiz. Foi um sucesso tão grande que ele me pediu pra fazer de novo dois dias depois pra que pudesse anotar a “receita”. Coloquei entre aspas porque se trata de um método, não de uma receita. A receita, eu compartilhei aqui em 2010 (ano da criação desse blog). Mas como esse novo método produz um resultado muito superior, vim compartilhar.

Ratatouille (técnica melhorada)

A receita, com medidas, está nesse post. Mas não precisa de medidas exatas, é só uma questão de proporção. Use a mesma quantidade de abobrinha e berinjela, uma quantidade menor, mas igual, de cebola, pimentão e tomate, alho a gosto e tá tudo certo. O pulo do gato é combinar o forno com o fogão pra intensificar os sabores.

Berinjela

Abobrinha

Tomate

Pimentão vermelho (ou amarelo)

Cebola

Alho

Tomilho, louro, sal e pimenta preta

Azeite

Corte a berinjela e a abobrinha em pedaços médios (com casca e sementes, obviamente). Coloque em uma travessa/forma grande (onde caiba tudo) e regue com bastante azeite, tempere com sal e leve ao forno quente até ficar tudo macio e dourado. Isso é muito importante pra garantir o sucesso da receita. O calor seco vai retirar a água dos legumes, concentrar os sabores e a reação de Maillard (o douradinho por fora) deixa tudo ainda mais gostoso.

Enquanto os legumes assam, corte a cebola, o pimentão e o tomate em pedaços médios e pique o alho. Capriche no alho! Em uma panela grande e, idealmente, do fundo grosso, esquente uma boa quantidade de azeite e doure a cebola. Junte o alho e o pimentão, refogue por mais um minuto e acrescente o tomate. Junte o tomilho (desidratado- se for fresco, acrescente no final) e uma folha de louro, tempere com sal e pimenta preta e deixe cozinhar, coberto, até o tomate se desfazer e o molho encorpar ligeiramente.

Quando a berinjela e a abobrinha estiverem bem assadas (vai murchar bastante e liberar espaço na travessa pros outros ingredientes), retire do forno e despeje o refogado de tomate/cebola/pimentão/alho por cima e misture bem. Como os legumes assados estarão mais secos (a água de dentro dos legumes evaporou no forno), eles vão absorver o refogado de tomate e vai ficar tudo incrivelmente saboroso. Mas vamos concentrar ainda mais os sabores colocando a travessa de volta no forno, depois de ter regado tudo com mais um fio de azeite (não tenha medo de usar azeite aqui). Se seu forno tiver a opção “grill” chegou a hora de usá-la. Mas se não tiver, aumente um pouco a temperatura e deixe ali até que a superfície da ratatouille esteja levemente caramelizada.

Deixe esfriar um pouco (dentro do forno) antes de servir. Tradicionalmente ratatouille é servida com arroz, mas você pode servir com o que quiser. Ela se conserva alguns dias na geladeira e fica ainda mais gostosa requentada, no dia seguinte. Restos de ratatouille são um ótimo molho par macarrão e recheio pra sanduíche (com uma camada de hummus – tradicional ou cubano– fica sublime).

Legumes da xepa com amendoim e coco

Escutei inúmeras vezes, geralmente da boca de chefs-celebridades, que a melhor maneira de cozinhar, ou “a maneira certa de cozinhar”, seria escolher os melhores ingredientes possíveis, ultra frescos, orgânicos, de estação, cultivados ali pertinho e transformá-los o mínimo possível. O papel do ou da cozinheira seria “respeitar a integridade dos ingredientes”, submetendo-os a um pouco de calor (grelhar rapidinho), juntando o mínimo de temperos e servindo imediatamente.

Não sou a única cozinheira a ter uma visão totalmente diferente da coisa. Sim, se você tiver um tomate ultra maduro e fresquinho, é uma delícia degustá-lo sem muita firula, só com sal e azeite, por exemplo. Mas declarar que isso é a “melhor maneira de cozinhar” é puro esnobismo culinário. Por isso mesmo não me surpreende que o pessoal que compra os livros de receitas desses chefs (sim, geralmente homens) e segue essas instruções seja a mesma turma que tem dinheiro e cozinha como hobbie. Isso cria uma demarcação nítida entre a maneira que a elite cozinha (por prazer, de maneira esporádica) da maniera como pessoas empobrecidas cozinham (por necessidade, diariamente). A culinária popular foi construída em cima dos esforços em transformar ingredientes que não eram os mais nobres nem os mais frescos em algo saboroso e nutritivo. É assim que a maior parte do mundo sempre cozinhou, pois quem não tem dinheiro nem acesso aos “melhores ingredientes” tem que se virar com os ingredientes de segunda ou terceira categoria e fazer o possível pra transformá-los em comida pra toda a família.

Eu tenho um amor imenso por esse tipo de culinária, a culinária popular e muitas das minhas receitas preferidas vieram diretamente dessa tradição. Pra mim a medida do talento de uma boa cozinheira é justamente essa: conseguir fazer um prato saboroso e nutritivo com poucos recursos e ingredientes que já não estão tão bons. E a receita de hoje é uma perfeita ilustração disso.

Anne passou a pegar as folhas (de diferentes tipos de alface) que são descartadas numa loja de orgânicos aqui perto e na feira do bairro. A gente usar pra cobrir a horta, assim as lesmas tem comida em abundância e não comem os vegetais que plantamos ali. Aprendemos com a amiga que nos ensinou a fazer horta. E quase sempre encontramos alguns vegetais misturados com as folhas de alface que salvamos do lixo da feira, que também foram descartados por não estarem mais no nível de qualidade necessário pra serem vendidos. Eu corto as partes machucadas, retiro a casca, se ela estiver muito marrom e eles viram uma refeição extra na semana. Nosso orçamento está bem apertado e um prato de comida a mais é sempre bem-vindo.

Pra melhorar o sabor do prato e aumentar o valor nutricional, juntei pasta de amendoim (barata, nutritiva e cheia de proteína) e um pouco de leite de coco (industrializado, porque estou na França). Essa é a base do molho desse ensopado senegalês e a mistura de amendoim com tomate é bem popular na culinária do Oeste da África. Completei com umas folhas de couve da horta e as últimas folhinhas e flores do coentro que tentei plantar, mas não vingou.

Se você nunca usou pasta de amendoim em pratos salgados e achou a mistura meio duvidosa, peço que prove primeiro antes de formar sua opinião. É escandalosamente gostoso e uma maneira simples e acessível de acrescentar uma dose extra de proteína a qualquer mistura de legumes. Numa conjuntura de fome e carestia, esse tipo de conhecimento pode fazer muita diferença.

Legumes da xepa com amendoim e coco

Qualquer combinação de legume dá certo. Os ingredientes do molho (pasta de amendoim + tomate + leite de coco) são importantes pra dar sabor, mas os dois essenciais são o amendoim e o tomate. Então dá pra fazer sem leite de coco, embora fique mais gostoso com ele. Nesse caso substituia o leite de coco água.

Legumes da xepa, em pedaços pequenos

Pasta de amendoim (pura, sem açúcar)

Tomates bem maduros, picados

Leite de coco, melhor se for fresco

Alho, sal e pimenta preta

Óleo

Opcional: pitadas de cúrcuma, cominho e pimenta calabresa

Coentro

Limão

Refogue o alho picado em um pouco de óleo. Junte os legumes (aqui usei um talo de brócolis, cenouras, abobrinhas, repolho e cebola, mais folhas de couve da horta), tempere com sal e refogue mais uns minutos. Junte os temperos, se estiver usando e os tomates. Deixe cozinhar em fogo baixo, coberto, até tudo ficar bem macio e os tomates se desintegrarem. Junte um bocadinho de água, se necessário.

Acrescente uma colherada generosa de pasta de amendoim (ou várias, dependendo da quantidade de legumes) e cubra tudo com leite de coco fresco (ou industrializado, mas nesse caso use metade leite de coco e metade água). Se não tiver leite de coco, junte água suficiente pra que a pasta de amendoim se transforme em um caldo encorpado. Deixe ferver, prove e corrija o sal. Desligue e junte o coentro e um pouco de suco de limão. Sirva com arroz, cuscuz ou pão.

Macarronada com berinjela e casca de banana

Eu acredito que as pessoas cozinham errado com casca de banana. Sabe esse negócio de usar casca de banana na culinária (“carne de casca de banana”, como algumas pessoas falam)? A ideia de reduzir o desperdício é ótima. A vontade de expandir a categoria de “carnes vegetais” também. Pra quem ainda tem apego pela ideia de “mistura”, parece ser uma opção extremamente acessível, afinal se trata de transformar algo que iria pro lixo em prato principal. Mas é exatamente aqui que a coisa desanda, na minha opinião. 

Sou a favor de usar todas as partes comestíveis dos vegetais. Mas quando essas partes comestíveis não são muito apetitosas, como é o caso da casca da banana, devemos colocar isso em prática de maneira inteligente. A lição aqui é algo que vi minha mãe fazer durante toda a minha infância: usar um ingrediente barato pra aumentar o volume do prato. O erro, ao meu ver, é achar que “carne de casca de banana” pode ser o ingrediente principal, ou que pode ser usada sozinha como recheios. Seria incrível se a casca da banana fosse, além de barata (na verdade, gratuita, já que ela acabaria no lixo), deliciosa. Mas sejamos honestas aqui: ela não é e vai precisar da ajuda de vários outros ingredientes pra se tornar interessante.

Estamos atravessando tempos difíceis e a fome está batendo na porte de milhões de pessoas no Brasil. Saber usar a totalidade dos vegetais, da casca à semente, é uma competência que precisa ser adquirida. E isso significa aprender que em muitos casos as partes que costumam ser descartadas dos vegetais são tão deliciosas, ou mais, do que a parte que costumamos comer (o talo do brócolis, as folhas da couve-flor…), e que podem inclusive ser consumidas sozinhas e apreciadas pelo seu sabor. Enquanto que em outros casos devemos aceitar que a maior contribuição da parte que seria descartada será a de “aumentar o pouco” (casca de banana, presente!).

Tudo isso pra dizer que na última vez que estive em Natal fiz uma macarronada que tinha casca de banana como um dos ingredientes e ficou supimpa. “A casca de banana deixou a receita supimpa?”, a pessoa que ainda acredita no potencial gustativo da casca de banana pergunta. Não e afirmo, sem medo de fazer inimizades no campo das empolgadas da “carne de casca”, que a receita teria ficado igualmente supimpa sem ela. A contribuição dela foi, como expliquei acima, aumentar o pouco. No caso, o pouco era a berinjela. 

Comecei falando de receitas pra enfrentar tempos de carestia e sei que alguns olhos vão revirar ao ver que tem castanha na receita, um ingrediente caro. Berinjela também não é o legume mais acessível em todos os lugares do Brasil. Sem falar que visto o preço do gás, usar o forno se tornou algo impensável pra muita gente no momento. Mas se você não puder fazer esse prato do jeitinho que eu explico aqui, espero que pelo menos a receita te ensine a preparar casca de banana e sirva de inspiração pra futuras comidas que sairão do sua cozinha. 

Macarronada com berinjela e casca de banana

Essa é mais uma daquelas receitas sem medidas, porque cozinha de panela e do dia-a-dia não precisa de medidas exatas pra dar certo. Use seu paladar, e o que estiver disponível, como guia que não tem erro. Pode usar casca de banana madura ou verde, caso você tenha cozinhado banana verde pra fazer biomassa, por exemplo. 

Casca de banana (qualquer banana – usei casca de banana da terra que eu tinha cozinhado pro café da manhã), picada miúdo

Cebola, picada

Tomates bem maduros, picados

Berinjela, em cubos pequenos

Alho, picado/amassado

Castanha de caju (qualquer tipo)

Molho de soja (shoyu)

Óleo ou azeite

Temperos: páprica defumada, pimenta preta, orégano desidratado

Sal 

Macarrão (usei conchas, mas qualquer um serve)

Cubra as castanhas de caju com água quente e deixe descansando enquanto prepara a receita.

Em uma panela pequena, despeje óleo (ou azeite) suficiente pra cobrir o fundo e frite a casca até ficar marrom-dourado. Tempere com bastante molho de soja e páprica defumada, se tiver, e reserve.

Em outra panela, maior, refogue a cebola em um pouco de óleo. Junte o alho e a berinjela, tempere com sal, refogue mais alguns segundos, baixe o fogo e deixe cozinhar, coberto, até a berinjela ficar macia. Não precisa acrescentar água, basta manter o fogo baixo, a panela coberta e mexer com uma colher de pau de vez em quando. Junte o tomate picado em quantidade (aproximadamente quatro vezes o volume da berinjela), junte mais um pouco de sal e deixe cozinhar, sempre coberto, até o tomate se desintegrar e se tornar um molho espesso. Junte a casca da banana frita, a pimenta preta e o orégano, prove e corrija o sal, se necessário. Capriche no tempero e deixe os sabores bem intensos, pois ainda vamos acrescentar creme de castanha e macarrão aqui.

Ferva uma quantidade grande de água salgada pra cozinhar o macarrão e enquanto espera ela ferver, finalize o molho.

Bata as castanhas (que ficaram descansando na água fervente) no liquidificador com água suficiente (a mesma) pra formar um creme ralo. Comece com pouca água e vá acrescentando mais até atingir a consistência de um leite espesso. Esse creme de castanha engrossa no calor, então não se preocupe se parecer ralo demais agora. Despeje o creme de castanha no molho de tomate-berinjela-casca de banana, misture bem e corrija o sal (vai precisar de mais depois de acrescentar as castanhas). A proporção de creme de castanha pra molho de tomate fica por sua conta, mas eu diria que o creme deve representar mais ou menos um terço do volume total.

Cozinhe o macarrão, mas escorra antes de ficar completamente cozido (80%, eu diria), já que ele ainda vai pro forno e vai continuar o cozimento lá. Misture o macarrão com o molho, coloque numa forma e leve ao forno quente pra terminar de cozinhar e gratinar um pouco (coloque no modo “grill”, se seu forno tiver essa opção). 

Retire do forno e deixe descansar alguns minutos antes de servir.

A feijoada vegetal que você sempre quis

Seria mais acertado se o título desse post fosse “a feijoada vegetal que eu sempre quis”. Mas se você é uma pessoa que, como eu, adora feijoada, provavelmente você também queria muito essa receita.  

Veja, feijoada “vegana” tem muitas por aí. (Escrevo “vegana” entre aspas porque acredito que apenas pessoas são veganas, comida é “vegetal”.) Provei inúmeras feijoadas vegetais desde que me tornei vegana mas nenhuma era o que eu procurava. Teve feijoadas com verduras (pra mim o nome disso é sopa de feijão), com as caríssimas linguiças vegetais industrializadas (quase sempre acho esses sabores artificiais demais) e as que incluem ingredientes bacanas -tofu, cogumelos- mas sem o sabor marcante e característico de uma boa feijoada. Eu cresci comendo a feijoada de uma pessoa próxima da família que era um desbunde, então meus critérios de avaliação são altos. 

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Tofu com berinjela e pimentão

Minha mãe era uma mestra em fazer render a mistura. Ela juntava vegetais à pequena porção de animal disponível, fazendo o conteúdo da panela triplicar de volume, pra poder alimentar todas as bocas ao redor dela. 

Tenho opinões fortes (impopulares?) sobre trazer a noção de mistura pra alimentação vegetal e escrevi sobre elas nesse post. Mas, assim como minha mãe e muita gente que cresceu empobrecida, carrego comigo a prática de “fazer render a mistura”.

A dica é simples e útil pra quem quer utilizar ingredientes especiais sem gastar o salário do mês numa refeição. (AVISO: Não precisa de ingrediente raro e gringo pra cozinhar pratos vegetais deliciosos. Mas é divertido expandir nossos horizontes gastronômicos de vez em quando, se o bolso permitir.)

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Reabilitar a fava

Gosto de me dar missões difíceis. Como, por exemplo, reabilitar a fava. Poucos alimentos do reino vegetal são tão mal-amados e mal-afamados como a fava. Eu já defendi publicamente o quiabo e o maxixe. Um dia volto pra falar de jiló, que também aprecio. Mas hoje, vamos falar sobre ela, a rainha dos feijões.

Eu poderia falar das propriedades nutricionais da fava, mas não é o propósito do meu trabalho. Minha ambição é fazer você se apaixonar pela comida que vem da terra porque ela é deliciosa e porque ela conta a historia do nosso povo e nos conecta ao nosso território. E é justamente no meu território, o Nordeste, que o apreço pela fava ainda resiste. Mas até lá as coisas mudaram e esse alimento tão nutritivo e saboroso se tornou comida de antigos e de pobres. Triste isso de ver a que ponto a comida que vem da terra é constantemente categorizada como “comida de pobre” (coisa “de rico” é consumir animais) e em seguida desprezada. O próximo passo é parar de cultivar esse alimento, já que ninguém mais quer comê-lo e aos poucos vamos perdendo biodiversidade no campo e variedade na mesa. E deixando pra trás a nossa cultura alimentar. Não somos mais o povo que come fava, somos o povo que come frango congelado e, pra quem tem mais dinheiro na conta, sushi de salmão geneticamente modificado e alimentado com soja transgênica, vinda da monocultura, da grilagem de terras e manchada com sangue indígena.  

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Maxixada

Há muitos anos declamei aqui o meu amor por maxixe na forma de pirão. Maxixe é um legume um pouco esquecido e que aparece mais em feiras do que em supermercados (mais um motivo pra não frequentar supermercados). O pirão ainda é um dos meus pratos preferidos, mas descobri recentemente (graças à minha irmã Lu) que maxixe com leite de coco também é um desbunde!

Repare que tudo com leite de coco fica melhor. Repare também que a receita do que a gente começou a chamar de “maxixada” (tradução: maxixe no coco) lá em casa é mais uma versão da fórmula “legumes + leite de coco + coentro”. Que você use banana da terra ou caju (e chame de “moqueca”), quiabo ou maxixe, os ingredientes da base e o preparo são os mesmos. Mas apesar de compartilhar os elementos, o resultado final é sempre distinto, já que o ingrediente principal muda. E digo mais. Se estamos repetindo essa fórmula, mudando somente o ingrediente principal, é por uma razão: é sempre uma delícia!

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Macaco

A estrada que vai pro povoado onde o meu pai mora, no Sertão potiguar, passa por algumas das cidades com os melhores nomes que conheço. Tem “Cachoeira do Sapo” e, logo depois, “Caiçara do Rio do Vento”, que é o nome de cidade mais poético que já ouvi (embora um rio do vento é um rio que secou e isso, no Sertão, é drama, não poesia). Quando eu era criança misturava os nomes dessas duas cidades e durante anos pensei que tinha uma “Cachoeira do Rio do Vento”. Lembro de imaginar como devia ser lindo uma cachoeira onde, ao invés de água, caía vento. Aqui no RN tem também outro nome de cidade ótimo: “Santo Antônio do Salto da Onça”. Diz meu pai que o salto que essa onça deu foi tão incrível que passou a ser o nome da cidade, embora oficialmente o lugar se chame apenas “Santo Antônio”. 

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Guisado cubano

Minha irmã caçula, Lu, já apareceu nesse blog várias vezes. Na verdade, quem aparece são as receitas dela. O bolo de laranja dela mudou a vida de muita gente que acreditava que tinha alguma incapacidade genética pra fazer bolos. E convenceu outro tanto de que é possível fazer bolo fofinho sem ovo. Tem também o hummus cubano, que ela me ensinou ano passado e que eu compartilho desde então com todas as pessoas que cruzam o meu caminho. Sucesso absoluto de público e de crítica.

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Feijão de mãe

Esse texto é sobre duas coisas diferentes, mas que se encontram no final. 

Uns dias atrás eu estava reunida com boa parte da minha família, numa casa de praia aqui do lado de Natal. Eu estava preparando o almoço com a minha cunhada e discutíamos sobre o que nós consideramos como essencial em termos de conhecimento culinário. Concordamos que qualquer pessoa no nosso território (o Nordeste) deveria saber preparar o essencial da nossa cultura alimentar: 1- feijão, 2- arroz, 3- cuscuz e 4- tapioca. Assim a pessoa garante sua autonomia alimentar no café, almoço e jantar. O resto (legumes refogados, salada, uma pasta pra passar na tapioca) também é importante, tanto pra ter uma alimentação diversificada quanto pra garantir refeições saborosas, mas deve ser construído em cima dessa base. Isso deve ser adaptado em função da sua cultura alimentar, obviamente. Tapioca não faz sentido pra todo mundo e talvez aí onde você mora o seu “essencial” seja diferente. 

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Creme de milho e cebola

Eu tenho uma pequena lista de assuntos sobre as quais eu gostaria de escrever. Aconteceu muita coisa nos últimos dias que me fizeram refletir e uma das razões que me levam a alimentar esse blog é ter um espaço pra compartilhar essas reflexões (minha pobre família já não aguenta mais minhas palestras cotidianas). Mas aí eu estava encarregada do fazer o almoço hoje e fiz algo tão gostoso que pensei que falar de qualquer outra coisa antes de compartilhar a receita seria um erro. 

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…mas tem quiabo também

Na última vez que estive aqui, no final do ano passado, Fábio, um dos feirantes da CECAFES (Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária, do lado da CEASA), que é onde minha irmã Lu compra frutas e verduras pra nossa família, nos contou que preparava quiabo no leite de coco. Dessas coisas lindas que acontecem quando você conhece as pessoas que vendem (no caso da CECAFES, que plantam) a comida que você come: trocamos dicas e receitas. Eu nunca tinha ouvido falar dessa maneira de preparar quiabo, mas como adoro esse vegetal, fiquei curiosa pra testar a versão dele. Acontece que eu gosto tanto de quiabo grelhado que sempre que tinha quiabo em casa eu grelhava o danado e acabei voltando pra França sem preparar o tal do quiabo no coco. Já Lu, mais aventureira em se tratando de quiabo, resolveu seguir a dica de Fábio e foi um sucesso absoluto com a minha família (todo mundo adora quiabo aqui).

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23 de outubro

Pensei em fazer um breve apurado da minha vida no momento, como eu costumava fazer quando esse blog era uma mistura de caderno de receitas e diário de bordo. Era gostoso conversar por aqui, mas acabei afastando o conteúdo pessoal desse espaço porque, aos poucos, minhas leitoras e leitores forma migrando pro Instagram, outras chegaram por lá e nunca vieram pro blog. E, apesar de reclamar regularmente sobre isso, acabei seguindo o movimento e aparecendo mais por lá do que por aqui. Grande erro. Então vim anunciar a volta daquela que não foi.

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Tagine de berinjela

Por causa do covid não pude visitar minha família no Brasil esse ano. Então esse verão (europeu) eu passei umas semanas na casa do meu sogro, no interior da França, junto com o resto da família francesa. Nessas ocasiões cozinho bastante, pois minhas cunhadas adoram minha comida. Os homens também gostam, mas as mulheres são as minhas maiores fãs (eu ouvi “A política sexual da carne”?). As irmãs de Anne (ambas vegetarianas) gostam de tudo que eu faço, mas minha cuncunhada alemã (que come animais, mas prefere, de longe, comer vegetais) tem seus pratos preferidos e espera o ano inteiro pra poder degustá-los. E a minha especialidade que ela mais ama e sempre pede pra eu fazer de novo é tagine.

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A quiche que realmente era quiche

Eu tenho receitas de quiche deliciosas, que estão aqui no blog desde 2011. Tem uma de abobrinha e tomate seco e uma de cogumelo e sálvia e ambas fazem muito sucesso por onde passam. Mas veja, embora eu adore as duas, se eu for bem honesta elas são tortas salgadas, não quiches. A base do recheio delas é tofu, o que apesar de muito saboroso produz um resultado com textura bem diferente do que se espera de uma quiche. Isso é um problema? Nunca foi!

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Fiz uma campanha de financiamento coletivo – e cozinhei feijão

Outro dia uma moça me enviou uma mensagem pelo Instagram dizendo “Acompanho você desde os 11 anos, quando virei vegetariana. Estou com 21 anos agora e vegana há 5 anos.” Além da alegria proporcionada por esse momento Xuxa, me emocionei em saber que tem pessoas que acompanham meu trabalho há dez anos. Quanta honra!

Sim, esse blog completou 10 anos em fevereiro. Já contei como tudo começou?

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Fermente seu grãomelete

O texto poderia ter só essa frase, mas vou desenvolver a ideia, caso você precise ser convencida.

Lembram do meu grãomelete, o omelete à base de grão de bico? Lembram que fiz uma versão atualizada com farinha de grão de bico? Pois vim atualizar essa receita novamente e tenho ótimas razões pra isso.

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Crepes de sarraceno

Umas semanas atrás escrevi esse post sobre sarraceno, uma das melhores descobertas gastronômicas que fiz na vida (obrigada, veganismo, por ter expandido tanto os meus horizontes gastronômicos) e prometi a receita dos meus famosos crepes de sarraceno. Vou começar dizendo que essa receita não foi uma invenção minha, longe disso. Crepe de sarraceno é um prato típico da Bretanha, região no Noroeste da França. Lá eles são chamados de “galettes au blé noir” (“galettes de trigo negro”, como o sarraceno também é conhecido em Francês) ou simplesmente “galettes Bretonnes”.

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Unidas por um prato de grão de bico

Três meses depois de ter me mudado pra Berlim, ainda não encontrei um lar permanente. Atualmente estou em um apartamento lindo, mas que alugamos por apenas algumas semanas, enquanto o proprietário curte as férias na Tailândia. Além das mudanças constantes dificultarem o  desenvolvimento de uma rotina, indispensável pro meu bem estar e pro meu trabalho, essa instabilidade me faz sentir como se eu ainda não tivesse chegado de verdade. Parece que estou suspendida por algum fio invisível e só colocarei os pés no chão quando tiver um cantinho pra chamar de meu. Por isso ainda me parece que cheguei antes de ontem.

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