Comidas amazônidas – Manaus

Essa é a segunda parte da mini-série de posts sobre as comidas que descobri, e cozinhei, durante a viagem que fiz pela Amazônia (do Acre ao Maranhão), no final do ano passado. Na primeira parte falei sobre o que comi no Acre e agora voltei pra falar de Manaus.

Diferente da primeira parte da viagem, onde uma amiga nos acolheu e conhecemos várias pessoas acreanas que compartilharam com a gente as comidas daquele território, a passagem por Manaus foi por nossa conta. Não conhecia ninguém por lá e foi a parte mais “turista” das 7 semanas que passamos na estrada. Então preciso dizer de cara que por causa disso, e por ter ficado apenas alguns dias na cidade, meu contato com a comida do Amazonas foi muito limitado. MAS, e é um “mas” com letras maiúsculas, fiz uma descoberta que, sozinha, valeu a viagem. Conto já já sobre esse ingrediente amazônido, extremamente apreciado pelo pessoal local e pelo qual me apaixonei perdidamente.

Primeiro deixa eu contar que em Manaus a galera é doida por banana-da-terra, que por lá é chamada de “banana pacovã”. De início, isso causou uma confusão na minha cabeça, porque de onde venho “pacovã” é outra banana, que se como crua. Abaixo, a feira da banana onde, além de banana-da-terra (ou pacovã/comprida/de fritar), é possível encontrar bananas de outros tipos. Me encantou ver como banana-da-terra é vista como um “recheio”, seja pra comer com tapioca ou com pão. Fiquei me perguntando por que nunca pensei nisso antes. Amo banana da terra, mas tenho costume de comê-la frita, como acompanhamento do feijão com arroz do almoço, ou cozida, no café da manhã, acompanhada de algo salgado (como faço com tubérculos – macaxeira, cará). Mas anotei a ideia, pois sanduíche com banana da terra é uma delícia!

Agora falemos do ingrediente amazônido que provei pela primeira vez em Manaus e que conquistou meu coração: tucumã. Esse frutinho, que vem de uma palmeira, tem um sabor parecido com nada que eu já tinha provado antes. Vai ser impossível descrever o danado, só posso dizer que ele tem um sabor marcante, daqueles que, na primeira mordida, você acha estranho, depois pensa “Interessante!” e em pouco tempo passa a achar aquilo muito gostoso. E quanto mais você come, mais o negócio te parece saboroso.

Comprei tucumã fresco na Feira da Banana, onde ele estava sendo descascado por mulheres de mãos habilidosas. Entendo porque ele é tão caro, porque só vendo o trabalho de descascar já fiquei com vontade de pagar mais, e olha que nem vi o tamanho do trabalho pra colher o bichinho. E olha que quando estive em Manaus o quilo do tucumã fresco custava 100 reais! Por isso só comprei 100g.

Normalmente as pessoas colocam as lascas de tucumã cruas, mesmo, dentro do pão (ou tapioca), pois já é bem saboroso e, por ser rico em gordura, você realmente tem a impressão de estar comendo um “recheio” e não uma fruta. (Esqueci de dizer que tucumã não tem nada de doce!). Mas resolvi ir além e refogar minhas preciosas lascas de tucumã com alguns temperos e deixar dourar um pouco na manteiga vegetal. Ficou ainda mais suculento e completamente irresistível. Vou repetir algo que digo com frequência aqui no blog: ninguém precisa de “carne do futuro” ultraprocessada, mesmo sendo de origem vegetal. Porque nossos biomas já oferecem inúmeras alternativas de carnes vegetais, cada uma mais deliciosa que a outra e celebrando nossa cultura alimentar.

E como falar de tucumã sem falar do sanduíche-símbolo de Manaus, o X-Caboquinho? Se trata de um pão francês recheado com lascas de tucumã, banana-da-terra frita e queijo coalho. Você o encontra nos quatro cantos da cidade, mas claro que não pude provar um feito por uma/um manauara, porque sou vegana. Mas Larissa, minha amiga e companheira de luta manauara, tinha me falado desse sanduíche uns anos atrás e já cheguei decidida a procurar uma versão totalmente vegetal. Não encontrei, mas comi algo parecido num restaurante com opções vegetarianas/veganas: uma tapioca recheada com banana-da-terra frita, tucumã e tofu. Achei a ideia boa, mas eu sabia que podia melhor aquilo e no dia seguinte eu tinha reunido os ingredientes pra fazer não só uma versão vegetal do X-Caboquinho, mas o melhor sanduíche que já comi na vida. Sem exagero! A receita está no final desse post. De nada.

Mais um sonho pra minha lista: trabalhar com tucumã e ver todas as possibilidades desse fruto maravilho na culinária vegetal. E, nesse processo, encher a barriga de tucumã todo dia.

Alugamos um apartamento no centro de Manaus, pertinho do Teatro Amazonas, e foi lá que preparei minha versão do X-Caboquinho, além da maior parte das refeições que fizemos, Anne e eu, na cidade. Fiz fotos das compras que fizemos quando chegamos pra mostrar que, com um mínimo de organização e um mercadinho por perto, é fácil manter uma alimentação vegetal enquanto viajamos. Imaginando, obviamente, que você tem uma cozinha à sua disposição. Mas é cada vez mais comum alugar apartamentos (via Airbnb) quando se viaja, então…

Num supermercado do centro, perto de onde estávamos hospedadas, comprei aveia, macarrão, feijão pronto (só cozinhado na água e sal, sem tempero), cuscuz, couve, coentro e cebolinha. Na barraca de frutas da esquina compramos… frutas:) Achamos um empório de produtos naturais perto do Mercado Adolpho Lisboa, daqueles que vendem tudo a granel, que era uma mina de outro! Tinha tudo quanto era semente, tempero, cereal, leguminosa e muitas outras coisas prontas e 100% vegetais. E por um precinho muito camarada. Até encontramos leite vegetal e manteiga vegetal (feita com óleo de coco). Não é algo que consumo com frequência (posso contar nos dedos das mãos as vezes em que comprei manteiga vegana), mas é bem prático e não vou negar que o negócio é bem saboroso. No restaurante com opções veganas, onde comemos a “tapioca-caboquinho”, comprei chocolate e pão de macaxeira. Foi o suficiente pra preparar várias refeições, simples, mas nutritivas e gostosas, pra duas pessoas.

No final da nossa estada em Manaus descobrimos um restaurante vegano maravilhoso. É mais que um restaurante, pois também tem um mini-empório com muitas delícias feitas na casa. Como esse tofu, que usei no meu X-caboclinho, muitos patês, iogurte, pratos prontos congelados e queijos incríveis! E o pessoal que trabalha lá é extremamente simpático.

Agora chega mais pra ver isso aqui: coxinha de tucumã, com massa de macaxeira. Eu nem gosto de coxinha e adorei! A melhor coxinha que já provei? Sem sombra de dúvidas!

O restaurante também faz pizza de fermentação natural, com os queijos da casa, e é um desbunde! E o bolo de macaxeira é um sonho!

Tudo maravilhoso até aqui, né? Pois é, deixa eu contar uma grande decepção que tive na Amazônia. Chegamos em Manaus no meio da noite e fomos dormir de barriga vazia. Na manhã seguinte fomos pra um café com (poucas) opções veganas e quando vi “cuscuz com coco” no cardápio, me animei. Quando chegou o tal cuscuz, tive o desprazer de constatar que ele era doce. Doce! Queridas pessoas amazônidas, eu respeito demais a cultura alimentar de vocês e sou apaixonada pelas comidas dos seus territórios. Mas cuscuz doce é de lascar! Eu sei, eu sei, pra vocês o que é estranho é cuscuz salgado e provavelmente vamos ter que concordar em discordar. Tudo bem. Mas se você é uma nordestina viajando pelo Norte, fuja do cuscuz de lá.

Outra coisa que provei em Manaus, mas que vinham me recomendado desde o Acre, foi a tapioca com coco e castanha-da-Amazônia. Uma maravilha, mesmo se essa aqui estava um pouco seca (em casa, com os mesmos ingredientes, eu teria feito uma muito melhor).

Encerro esse post com o X-caboquinho que fiz enquanto estava em Manaus e com o qual sonho até hoje. Sei que fora da Amazônia o acesso ao tucumã será provavelmente impossível, mas queria deixar registrado esse sanduíche aqui porque pode servir de inspiração pras pessoas me lendo no Norte. E se algum dia você se encontrar em Manaus, ou diante de um punhado de lascas de tucumã, você vai saber o que fazer.

Um sanduíche inspirado no X-caboquinho (e todo vegetal)

O espírito é do X-caboquinho, mas numa encarnação um pouco diferente. Não é nada ortodoxo e se aparecer manauara dizendo que minha receita é uma afronta, eu não tentarei me defender. A receita original usa pão francês, banana-da-terra frita, lascas de tucumã (cru), queijo coalho e manteiga. Ainda tem uma versão “completa” que leva ovo, também. Usei pão de macaxeira porque era o que eu tinha naquele dia, mas use pão francês pra uma versão mais autêntica. Usei o tofu e o queijo de castanha meia-cura dos Salgados e Laticínios Veganos Manaus, mas um queijo de castanha como esse aqui também funciona. O importante é acompanhar o tofu (que não tem gordura) de um ingrediente rico em gordura, porque é a gordura do queijo (e da manteiga) na versão original que deixa esse sanduíche irresistível. O tofu entra aqui tanto pra aumentar o contraste de textura, equilibrar um pouco dos sabores fortes dos outros ingredientes e deixar o prato com mais sustância. Eu decidi temperar o tofu com sal preto, aquele que tem gosto de ovo (porque é rico em enxofre), e ficou parecendo que tinha ovo ali. Então é um X-caboquinho completo, mas se não tiver nem gostar desse ingrediente, sem problemas. E também pode usar óleo no lugar da manteiga vegana (o sabor vai ficar mais longe do original, mas igualmente gostoso). Se quiser usar o mesmo recheio numa tapioca, eu te apoio.

Lascas de tucumã (fresco ou congelado)

Banana-da-terra (também conhecida como banana comprida, de fritar ou, se você for do Amazonas, pacovã)

Tofu (de boa qualidade e quanto mais fresco, melhor)

Queijo de castanha de caju (como esse aqui, mas pode ser uma versão industrializada, se preferir)

Manteiga vegana (gosto da marca Qualicoco, mas use a que preferir)

Pão francês (ou outro da sua preferência)

Temperos pro tucumã: cebola e alho desidratados, páprica doce defumada, sal e pimenta preta

Sal preto indiano (Kala Namak – opcional)

Numa frigideira, aqueça um pouco de manteiga vegana. Despeje as lascas de tucumã, junto com os temperos, e refogue por alguns minutos, até começar a dourar. Cubra e deixe amornar enquanto prepara os outros ingredientes.

Corte a banana-da-terra em fatias no sentido do comprimento e frite em um pouco de gordura (manteiga vegana ou óleo). Eu uso pouca gordura aqui, então se trata mais de “grelhar” do que “fritar”. Reserve.

Se tiver usando um tofu extra-fresco, corte em fatias finas e tempere com o sal preto. Foi o que fiz, pois achei que já tinha sabor e gordura suficiente no resto do sanduíche. E eu estava certa: quando comi o sanduíche, o tofu se misturou com os outros ingredientes e até deu uma equilibrada no excesso de gordura. Mas se quiser dar mais um gostinho pra ele, frite as fatias de tofu em um pouco de manteiga vegana/azeite e tempere como quiser. Mas não esqueça de finalizar com o sal preto indiano, que dá um leve sabor de ovo, se quiser a versão X-caboquinho completo. Reserve.

Na hora de montar o sanduíche espalhe uma boa camada de queijo de castanha no pão e coloque uma fatia de tofu, algumas de banana frita e um punhado de lascas de tucumã refogado dentro. Feche o pão depois de rechear. Você pode finalizar espalhando manteiga vegana por fora do pão e esquentando na chapa (com um peso em cima) ou numa torradeira. Como eu estava usando pão de forma de macaxeira, achei mais seguro assar as fatias na manteiga antes de montar o sanduíche.

Seu sanduíche inspirado no X-caboquinho manauara está pronto. Coloque o celular em modo avião, sente-se confortavelmente e deguste essa belezura de olhos fechados.

Comidas amazônidas – Acre

Ano passado, durante os meses de outubro e novembro, estive na Amazônia fazendo um projeto multimídia com Anne, a talentosa fotógrafa que eu tenho a honra de chamar de esposa. São muitas camadas de material coletado (entrevistas, sons, fotos, vídeos, anotações) e de experiências, que vai decantando conforme os meses passam e vamos publicando aos pouquinhos (por enquanto em jornais e revistas aqui na Europa). Aqui no blog gostaria de tratar de uma parte da viagem que tem tudo a ver com a minha pesquisa pessoal sobre cultura alimentar, que ainda é o tema principal do Papacapim. Como o assunto é vasto, vou publicar por partes.

Comecemos pela castanha, a rainha absoluta da floresta. Tanto pela majestosa castanheira, uma árvore que pode atingir 50 metros de altura (um prédio de 16 andares) e viver 5 séculos, quanto pela riqueza da castanha em si. Estou falando aqui da fonte de renda de vários povos da floresta e da sua presença na culinária tradicional do Acre.

Momento polêmico: como chamar o que ficou conhecido fora da Amazônia como “castanha do Pará”? Só quando cheguei no Acre e me vi rodeada de castanheiras me dei conta que essa castanha é encontrada na Amazônia, não apenas no Pará. É mais lógico, e mais justo, chamar de “castanha-da-Amazônia”. Me oponho à “castanha-do-Brasil”, porque Amazônia vai muito além do território conhecido como Brasil. Correndo o risco de ofender minhas amigas paraenses, não só passei a chamar de “castanha-da-Amazônia”, como te incentivo a fazer o mesmo. (A menos que eu esteja no Pará, aí volta a ser “castanha-do-Pará” pra mim.) E se você se pergunta como o pessoal do Acre chama, chamam apenas de “castanha”. Faz sentido, pois aquele é o território dessa castanha. No RN, terra de cajueiros, nós também chamamos o que é conhecido fora do Nordeste como “castanha de caju” simplesmente de “castanha”.

Eu tive a honra de entrevistar o seringueiro Severino Silva, um dos anciãos da Reserva Chico Mendes, e ele me disse: “O leite de castanha era o tempero do seringueiro.” Seu Severino contou que era costume usar o leite de castanha pra preparar tudo, do feijão aos animais de caça, passando por vegetais (o jerimum com leite de castanha é particularmente apreciado). Saiba que a primeira vaca chegou no Acre em 1971, até então não existia pecuária no estado. Consequentemente, não existia leite de vaca naquele território. Além de preparar tudo com leite de castanha (segundo seu Severino, “a única coisa que não presta fazer com leite de castanha é galinha”), também se extraía o óleo da castanha pra cozinhar, embora, por ser mais trabalhoso, o mais comum era usar o leite, deixar apurar bem e isso servia como a fonte de gordura do prato preparado. Tive a sorte de encontrar óleo de castanha em Rio Branco e achei o sabor deliciosamente delicado. Uma maravilha pra temperar saladas (não usaria algo tão precioso pra cozinhar).

E o sabor da castanha fresca? Só depois de ter visitado a Amazônia descobri que castanha-da-Amazônia, quando fresca, tem uma textura leitosa similar ao coco maduro (aquele que usamos pra fazer leite). Confesso que desde então penso nelas quando mordo uma castanha desidratada. Sim, porque as castanhas que compramos e consumimos Brasil e mundo afora foram desidratadas antes de serem embaladas e comercializadas. Mas essa iguaria vai continuar reservada aos povos da floresta, ou quem decidiu morar por lá pois quando fresca, ela se estraga muito rápido.

Sabe o que também é originário da Amazônia? O cacau. (Como ele subiu até o México e se tornou moeda de troca e bebida popular entre os Astecas, eu ainda não pesquisei.) E quando estive no Reserva Extrativista Chico Mendes, descobri o “cacauí” (Theobroma speciosum), um parente do cacau e do cupuaçu. Ele é menor do que o cacau e o sabor, embora um pouco mais ácido e mais floral, é bem próximo do cacau. Pelo menos foi o que minhas papilas me disseram enquanto eu enchia a barriga de cacauí, mas eu teria que fazer uma comparação lado a lado pra confirmar essas impressões. As pessoas não dão muita bola pro pobre cacauí, que cresce de maneira selvagem na floresta, mas eu fiquei absolutamente encantada pensando nas sobremesas incríveis e nos chocolates que poderiam ser feitos com ele. Meu novo sonho é voltar pra Resex e trabalhar as potencializadas gastronômicas da floresta ali, junto com a população local.

Eu viajo com os olhos, ouvidos e papilas abertas e vou provando tudo que é comestível ao meu redor (animais são parentes, não comida). Fernando, que trabalha na Resex e aceitou que a gente o acompanhasse durante quatro dias lá dentro, vendo que eu queria provar tudo, fazia questão de compartilhar comigo os tesouros da floresta. Frutas (foi ele que me deu o primeiro cacauí) e coisas que eu nem imaginava que poderiam ser comestíveis! Desconfio até que ele me fez comer umas coisas só pra tirar onda com a minha cara, como as sementes de sumaúma (foto abaixo à direita). Mas eu adoro essas aventuras, então achei tudo maravilhoso.

Um dia ele me deu um fruto do jatobá (foto abaixo à esquerda) e disse que tinha comido muito aquilo quando era criança. Sim, jatobá, aquela árvore grande! Uma pena eu não ter feito uma foto pra mostrar como é por dentro. Fiquei surpresa com a textura (como um pó compactado e levemente úmido) e o sabor (muito doce e levemente enjoativo) e imediatamente pensei…nas possibilidades gastronômicas daquele fruto. Pra ajudar a entender a peculiaridade do jatobá, deixa eu dizer que se assemelha (sem ser idêntico, longe disso) a um leite em pó doce. Pensei: pudim de jatobá, sorvete de jatobá, doce de leite de jatobá…

Outra coisa que eu descobri no Acre, mas que existe em outras partes do Brasil, é macaxeira amarela (macaxeira manteiga). Que delícia! Cozida e sem nada além de sal ela já era uma delícia, mas grelhada com um pouco de gordura (azeite ou, como na foto abaixo, uma manteiga vegana à base de óleo de coco e palma) fica um desbunde. Um dia servi essa macaxeira cozida com cogumelos salteados e foi um grande sucesso. Se eu tivesse um restaurante colocaria esse prato no cardápio, com certeza.

Cuscuz com banana foi outra coisa que descobri no Acre, graças à minha amiga Cibele (que é de Sergipe, mas se mudou pra Rio Branco alguns anos atrás), mas que é consumido em outras partes do Brasil. Gostei tanto que postei a receita aqui ainda quando estava em Rio Branco. Abaixo uma foto minha em pleno trabalho de fotografia, pra provar de uma vez por todas que quem faz as fotos do blog sou eu, mesmo.

Abaixo algumas refeições que fiz em Rio Branco, com pratos que pretendo reproduzir em casa. 1-Kibe de macaxeira recheado com jambu (que na verdade é um croquete, mas independente de como você chamar, é uma delícia) 2- moqueca de banana da terra com pirão (menos colorida do que as que fazemos no Nordeste, mas adorei a ideia de usar uma parte do caldo pra fazer pirão) 3- ceviche de caju (como nunca pensei nisso antes? e olha que nem tem muito cajueiro no Acre, já que essa árvore é nativa do meu território e se dá melhor por lá) 4- purê de banana da terra e 5- tacacá com lentilhas. Esse último prato é criação da chef Rafaella Brozzo, que comanda a cozinha do restaurante do Tribunal de Justiça e que também fez o ceviche de caju. Eu sei que não é ortodoxo e entendo se houver reações negativas da parte das amazônidas lendo esse blog.

O Acre está bem longe de ser um lugar que ganharia um selo “vegan friendly”. Não tem nenhum restaurante vegano na capital, Rio Branco (muito menos nas cidades menores), e o que o pessoal me indicava como “comida tradicional” era sempre churrasco de vaca. Vaca, uma comida tradicional na Amazônia? A primeira vaca chegou no Acre em 1971, lembra? Então claro que o “tradicional” aqui é bastante novo. Mas o fato é que o estado está colonizado (e escolhi essa palavra intencionalmente) de restaurantes-churrascarias.

Porém eu trouxe essa informação aqui pra dizer que comida vegetal não precisa de selo “vegano” nem é exclusividade de restaurantes “veganos”. Mesmo nos restaurantes onde a especialidade era carne de animais (domesticados, trazidos pelos colonizadores, explorados como ferramenta de expansão/roubo territorial e de destruição da floresta – o tempero do churrasco no Brasil), ainda assim nós encontramos comida vegetal suficiente pra nos alimentar. Sempre tinha um feijão sem animais, verduras cozidas, verduras cruas e cereais (arroz e/ou macarrão). E até alguma fruta fresca (na parte das saladas cruas), que servia de sobremesa pra mim. Claro que estou falando aqui de restaurantes no peso (self-service), que sempre salvam as veganas em viagem.

Anotem aí. Comida “vegana” é feijão, arroz, farinha, verduras, frutas e tudo mais que sai da terra. E isso (ainda) é encontrado na maior parte dos lugares que servem comida no peso. Quem acha que precisa de um(vários) prato(s) com etiqueta “vegana” pra poder “ser vegana”, não entendeu do que se trata o veganismo.

Os três pratos abaixo são exemplos perfeitos disso. Comi o primeiro num restaurante meio chique em Rio Branco (reparei que quanto mais chique o restaurante, menos opções 100% vegetal). O segundo veio de uma churrascaria de bairro, também em Rio Branco. O terceiro prato foi degustado em Brasiléia, quando estávamos indo de Rio Branco pra Reserva, num restaurante bem simples. Como sempre, o foco principal do restaurante era carne de animais domesticados, mas mesmo assim tinha uma parte “buffet” com opções suficientes pra compor uma refeição vegana.

Também tive a honra de ser alimentada por pessoas acreanas, que vivem na Reserva, e entendi muita coisa compartilhando a mesa com elas. Abaixo, um jantar na casa de uma família que pratica agroecologia, além da coleta da borracha, e produz boa parte do que consome. Macaxeira manteiga, feijão, verduras e a farinha de mandioca deliciosa daquelas bandas. E às vezes o almoço era só feijão com arroz (as pessoas não veganas com quem estávamos comeram ovo frito também) e tudo bem.

Percebi que as pessoas que comem verduras são as que ainda as plantam. Me parece lógico pra quem mora na floresta, longe de feiras e sacolões. Já as pessoas que passaram a criar animais pro abate foram deixando as roças de lado e, consequentemente, as verduras sumiram do prato. Triste.

E um dia, quando já não tem mais nada pra comer e estávamos todas azul de fome, a gente parou embaixo de uma mangueira carregada, na beira do caminho. O chão estava coberto de frutas e ainda conseguimos tirar algumas (mais firmes) do pé. Manga, minha fruta preferida. Num dia de muita fome, elas fizeram a alegria do nosso grupo e ficaram gravadas na minha memória como algumas das mangas mais saborosas que já comi na vida.

Agora deixa eu falar um pouco dos horrores alimentares que vi por lá. Veja as fotos abaixo e se perguntem comigo: em que ônibus subimos pra chegar nesse ponto? Que obsessão com proteína (e creatina) é essa que precisam pegar algo tão importante na nossa cultura alimentar, a tapioca, e transformar em ultraprocessado? Faz meses que fiz essas fotos e ainda me revolto quando as vejo.

Algo que me chocou bastante no Acre (e olha que muita coisa me chocou no Acre) foi descobrir que todas as cozinhas são turbinadas no glutamato monossódio (“Ajinomoto”, como é mais conhecido entre nós). Lembra que um dia o leite de castanha-da-Amazônia já foi o “tempero do seringueiro”? Pois hoje é o tal do glutamato. Segundo minhas fontes locais, o glutamato é presença obrigatória até nos mais tradicionais tacacás. E você tinha ficado chocada com as lentilhas no tatacá da chef Rafaella…

Também fiquei decepcionada com a qualidade das frutas que encontrei nos mercados. Cibele me explicou que as frutas não nativas (que não crescem na Amazônia) vem de longe, o que faz sentido. Encontrei até melão de Mossoró, no RN (meu estado). Uma pena as frutas locais não serem mais facilmente encontradas (cacauí nem é comercializado!).

E já que o assunto é fruta, uma nota sobre açaí. Que decepção! O açaí da foto abaixo é puro, que eu recheie com algumas coisas (tapioca, castanha, banana e paçoquinha), o que não é tradicional, eu sei. Foi um lanche rápido que fiz na casa da amiga que estava nos hospedando. Mas a decepção não veio desse lanche. Você achava que toda a Amazônia comia o açaí tradicional, não adoçado e acompanhado com farinha? Descobri que a maior parte do açaí consumido no Acre já é vendida misturada com leite condensado, creme de leite e gordura hidrogenada, chamado de “açaí cremoso”. Olha o que o colonialismo alimentar, e a ditadura dos laticínios (palmas pra Nestlé e seu projeto de dominação), fizeram com a cultura alimentar nessa parte da Amazônia!

Pra não terminar esse post com algo tão negativo, deixa eu falar dos óleos da Amazônia. Eu só conheci alguns (buriti, patauá, tucumã, andiroba, copaíba, além da castanha-da-Amazônia) e fiquei encantada. Muitos (todos?) são medicinais e vários tem um potencial culinário incrível. Fiquei pensado que num país onde tem tantas possibilidades de óleos deliciosos, não faz sentido nenhum seguir priorizando o azeite de oliva, que é importado. Um dia eu volto pro Acre pra aprender mais sobre tudo isso e, quem sabe, ajudar a levar essas possibilidades pra cozinha fora de lá.

Volto em breve pra falar das comidas amazônidas nos outos lugares que visitei e com a receita da minha versão de X-caboquinho. Só de lembrar fico com água na boca.

Salada de beterraba e laranja

Eu faço um esforço consciente pra acompanhar minhas refeições principais de uma salada crua e adoro misturar verduras com frutas. Foi assim que surgiu essa salada simples, mas muito saborosa.

Minha mãe costumava fazer suco de beterraba com laranja pra gente, quando éramos crianças. Ela dizia que curava anemia. Repare que tem fundamento: beterraba é rica em ferro e laranja, em vitamina C. Acontece que vitamina C potencializa a absorção do ferro vegetal, então faz todo sentido comer as duas juntas.

Não estava pensando nesse suco quando fiz essa salada pela primeira vez, ontem. Só lembrei quando comecei a comê-la e essa memória afetiva/gustativa me deixou ainda mais feliz com minha saladinha.

E viu como ela é linda? Linda!

Salada de beterraba e laranja

Eu uso uma proporção de 1 pra 1 (mais ou menos a mesma quantidade de beterraba que de laranja), mas você faz o que quiser porque a salada é sua;)

Beterraba, crua

Laranja

Gergelim, cru

Azeite ou óleo de gergelim (torrado ou não)

Sal (opcional)

Rale a beterraba na parte mais fina do ralo. Eu acho que assim fica mais agradável pra mastigar e mais suculenta (bastante suco é liberado nesse processo), mas se preferir ralar mais grosso, fique à vontade. Descasque a laranja como expliquei nesse post e corte em pedaços pequenos. Misture com a beterraba ralada.

Toste o gergelim em uma frigideira seca por alguns minutos, até ficar ligeiramente dourado e cheiroso. Junte à salada, tempere com um fio de azeite (ou de óleo de gergelim) e misture bem. Eu acho que nem precisa de sal, mas se quiser, tempere com sal a gosto. Sirva imediatamente.

Domingo – 1

Descobri que isso tem até nome em Português: “síndrome do domingo à noite”. Eu acho o nome em Inglês mais evocativo: “Sunday scaries”. (Ou “Sunday Night blues”, o que soa como nome de uma banda, pra mim.) Quase todo mundo já sentiu isso. Aquela tristeza que começa a bater no final da tarde do domingo e se intensifica com a chegada da noite. Porque o fim-de-semana (entenda: o descanso) acabou e amanhã é segunda. E quem gosta de segundas? Tem despertador, tem escola, tem trabalho…

Pensei em passar aqui pra deixar algumas sugestões de coisas que li, vi, ouvi e escutei recentemente e que gostaria de compartilhar. Não ousaria dizer que vai curar sua síndrome do domingo à noite. Só uma revolução social, que mexesse nas estruturas da escola e do trabalho assalariado, poderia curar essa síndrome. Mas se postar mini listas com recomendações bacanas não vai salvar sua noite de domingo, piorar também não vai. E talvez, talvez, você leia, escute ou veja alguma coisa que te faça começar a semana carregando uma fagulha de algo bom. E isso já é uma vitória.

Uns dias atrás publicamos, Anne e eu, um artigo sobre a trilha Chico Mendes, uma iniciativa de turismo de base comunitária dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes (Acre), em uma revista online francesa. Esse é um dos vários artigos que escrevi pro nosso projeto sobre a Amazônia em luta (eu escrevo os textos, Anne faz as fotos). É em Francês, mas tem um botão em algum lugar que traduz pro Português (foi o que o meu sobrinho me disse) e vale a pena conferir pra ver as fotos impactantes que Anne fez.

Chico Mendes, o líder seringueiro que defendia a Amazônia e os direitos dos povos tradicionais da floresta, teria completado 80 anos em dezembro (de 2024). O documentário “Empate” (quem conhece a história de resistência dos seringueiros vai entender de cara o nome), dirigido por Sérgio Carvalho, honra sua vida e luta. O filme estreou nos cinemas brasileiros mês passado, mas como não entrou em cartaz em Natal, não pude assistir antes de ir embora. Mas ainda estou procurando uma maneira de vê-lo (talvez passe nos cinemas parisienses também?).

Desde domingo passado acompanho, hora por hora, os acontecimentos relacionados ao cessar-fogo em Gaza. Meus dias são preenchidos com tristeza, revolta, alguns momentos de alívio e uma grande preocupação também com minhas amigas da Cisjordânia (porque enquanto todos os olhos estão voltados pra Gaza, o poder colonial – Israel- está esmagando a outra parte da Palestina na mesma impunidade de sempre). Mas diante da constante desumanização e diabolização de um povo oprimido, eu queria mesmo era celebrar a força criativa e o talento das palestinas e dos palestinos.

Saint Levant, nome artístico do cantor palestino Marwan Abdelhamid, é um desses exemplos. Ele nasceu em Jerusalém, cresceu em Gaza e foi ainda criança pra Jordânia, fugindo dos bombardeios israelenses com a família. Ele canta em Árabe, Inglês e Francês, sua música é uma mistura deliciosa de moderno com tradicional e ele cultiva um bigodão saído diretamente dos anos 70. O rapaz, um jovem de apenas 24 anos, é de um talento imenso e, coisa rara no “showbizz”, tem uma coragem proporcional. Ele sempre falou publicamente da causa Palestina e desde o inicio do genocídio cometido por Israel, usou todas as oportunidades possíveis pra falar sobre Gaza e dar plataforma pra artistas palestinos. Ano passado ele tocou pela primeira vez no Coachella, o maior festival de música do mundo, e usou a oportunidade pra trazer a Palestina, e Gaza, pro palco e ainda fez um dueto, via zoom, com a banda SOL, de Gaza. Eles gravaram juntos e o resultado foi forte, muito forte. A música se chama “On this land” (“Nessa terra”) e vou fazer uma tradução aproximativa do comecinho: “Permaneceremos aqui / então a dor desaparecerá / viveremos aqui / e a melodia vai ser suavizada / minha terra / minha terra / terra de orgulho / minha terra / terra que sou eu”

Ele também lançou a música Deira, com Mc Abdul, o garoto de Gaza que viralizou ao gravar uma música de rap (em Inglês!) em 2021, quando tinha apenas 12 anos, denunciando as condições de vida do povo palestino sob as bombas israelenses. Uma música belíssima, com acordes e vocais tradicionais, junto com o rap de arrepiar de Mc Abdul, ainda mais linda nessa versão ao vivo.

Mais recentemente, Saint Levant lançou Daloona, uma música com 47Soul, um grupo palestino que eu adoro, e dois outros cantores palestinos: Shadi Borini e Qaseem Alnajjar. O começo dessa música é uma canção palestina de resistência e eu descobri o clipe, por acaso, no aeroporto, enquanto esperava o voo que me traria de volta pra França. Foi uma emoção tão grande que chorei do início ao fim. Acho que além de ser uma musica de resistência (“Me perguntaram ‘amigo, de onde você é?’ / Eu disse: ‘Sou palestino’ / Eu sou de um povo indestrutível / E eu mantenho minha cabeça erguida “), num momento tão difícil da história palestina, e mundial, afinal um genocídio é algo que marca o tempo de mundo com um “antes” e um “depois”, o que realmente me fez chorar é que o clip foi filmado como se fosse um vídeo caseiro de uma comemoração palestina (um casamento, por exemplo). E ver a alegria daquele povo (o clip foi filmado num campo de refugiados – refugiados palestinos- na Jordânia), no meio de tanta desgraça, teve o efeito de um eletrochoque na alma. Quando terminou a música e vi que o clipe tinha sido dirigido pelos irmãos Tarzan, dois cineastas de Gaza atualmente no exílio, a emoção foi ainda maior.

Uma última recomendação de Saint Levant: a música “From Gaza, with love” (“De Gaza: com amor”). Tem humor, tem pitadas de política, o som é maravilhoso e o clip…. Ele tem esse estilo incrível que consegue fazer o brega ficar engraçado e depois se tornar “cool”. Adoro! Acredito muito no poder do humor inteligente pra sensibilizar e dar uma sacudida nas mentes e um basta no processo de desumanização que o povo palestino sofre há tantas décadas.

Termino com uma recomendação tirada dos arquivos do blog: o molho de pimenta do meu pai. A receita é ótima, mas a história é melhor ainda. Bora terminar o domingo rindo.

Força, guerreiras, pra enfrentar a segunda e espero que passem a semana escutando “From Gaza: with love” e sacudindo os ombros.

Um cheiro.

S

Um pouco de vida e uma sopa palestina

Escrevi o último post do ano passado mergulhada na tristeza e volto quase um mês depois (nas primeiras semanas de janeiro esse blog costuma hibernar- ou veranear, dependendo do continente onde ele se encontra), volto agora com uma mistura de sentimentos, mas, sobretudo, aliviada pelo cessar-fogo em Gaza. Imaginem que mais de dois milhões de pessoas puderam dormir pela primeira vez em mais de um ano. Dormir embaixo das estrelas, certo, porque quem sobreviveu ao genocídio cometido por Israel está desabrigada, já que quase todas as construções em Gaza foram bombardeadas, mas pelo menos não foi embaixo de bombas. Se Israel vai respeitar o cessa-fogo, se vai permitir que a ajuda humanitária, nesse momento vital, entre em quantidade suficiente, se as pessoas feridas, que ainda estão entre a vida e morte, vão conseguir tratamento em algum hospital fora de Gaza (os hospitais de Gaza foram bombardeados por Israel), se vai ser possível reconstruir as casas, escolas, hospitais – e quanto tempo vai levar pra que isso aconteça…tudo isso é incerto e faz planar uma sombra de desconfiança nos nossos corações. Não tem como ficar alegre vendo as ruinas de um genocídio, mas pelo menos vamos começar o ano sentindo alívio. Provavelmente temporário, mas que permite um pouco de respiro nas próximas semanas.

No nível pessoal, minha vida anda instável. Depois de ter passado um ano no Brasil, voltei pra França no final de dezembro e fui direto pro interior, passar o natal com a família de Anne. Como explicar o que sinto quando volto pro velho continente? Antes era mais fácil, sabe? Lembro que passava de um país pro outro sem muito esforço. Meu corpo era mais jovem, os voos eram mais curtos, o colapso ambiental ainda não era tão evidente e a diferença de temperatura não era tão abismal, a França ainda não tinha normalizado a xenofobia como é o caso agora? Não sei. Mas posso afirmar que dessa vez meu corpo chegou na França de avião e meu espírito ainda está atravessando o Atlântico. Numa canoa.

Até junho de 2024 a gente alugava a garagem (transformada em mini-apartamento) de uma casa com jardim na periferia norte de Paris. Tinha suas vantagens, como a possibilidade de fazer uma horta e comer ao ar livre durante os meses quentes, mas também tinha seus problemas. A casa era escura e fria, a cozinha era bem ruim. Depois de três anos, tivemos que sair de lá, mas eu já sentia que tinha chegado a hora de ir embora. Porém, ficar sem domicílio não é uma situação confortável. Eu estava no Brasil, morando na casa da minha mãe, e Anne ficou pulando de sofá em sofá, acolhida pelas amigas e camaradas do coletivo. Ainda bem que temos amigas. A diferença que faz, na vida da pessoa, ter uma rede de apoio!

Voltamos pra periferia norte de Paris há pouco mais de duas semanas e no momento estamos hospedadas na casa da amiga que liderou a luta nos jardins operários e nos ensinou a fazer horta seguindo os preceitos da permacultura. A busca por um lar consumiu boa parte do nosso tempo esse mês e acabamos encontrando uma oportunidade que, de primeira, não tínhamos imaginado. Se tudo correr bem, em breve poderemos desfazer as malas e voltar a ter uma rotina. Nunca imaginei que ter uma rotina se tornaria tão importante pra minha saúde e pra produtividade no trabalho.

Enquanto isso, sigo trabalhando (como posso) no projeto multimídia sobre mundos a serem defendidos na Amazônia. Projeto que fiz com Anne ano passado e que nos levou a campo por quase dois meses. Depois de uma publicação num jornal alemão, a reportagem que fizemos sobre a trilha Chico Mendes, na Reserva Extrativista Chico Mendes (Acre) foi publicada numa revista online aqui na França. A terceira reportagem vai sair em março e, daqui até lá, provavelmente vai ter uma exposição também.

Além disso estou participando da organização do próximo ENUVA (Encontro Nacional da União Vegana de Ativismo), que será em Belém, no final de outubro/início de novembro. Pra ter mais informações sobre o evento que, acredito, será um divisor de águas na luta antiespecista no Brasil e, ouso dizer, no mundo, acompanhem a UVA.

E pra finalizar esse post, uma receita de 2011, diretamente dos arquivos do blog. No dia seguinte ao anúncio do cessar-fogo fui visitar minha avó (adotiva) francesa e como ela é muito ligada à Palestina (acredita que ela foi me visitar lá em 2015, aos 85 anos?!), fiz um prato palestino pra gente celebrar esse momento. Eu faço essa sopa com muita frequência, porque além de simples e nutritiva, ela tem o gosto da Palestina pra mim. A versão na foto abaixo, a que fiz pra minha avó, tem tahina (ou tahine, como preferir chamar). Anos atrás inventei de juntar um pouco de tahina no final, pra deixar a sopa mais nutritiva e saborosa, e desde então sempre faço assim. Pensei que valia a pena trazer essa receita de volta pra compartilhar também a versão um pouco modificada.

Então me ocorreu que esse blog vai fazer 15 anos em fevereiro e que tem muitas, muitas receitas maravilhosas escondidas nos arquivos. Então de vez em quando vou tirar a poeira de alguma receita antiga e trazer novamente pra cá, com as devidas atualizações, caso tenha ocorrido alguma, e com o texto original (com correções, se eu achar necessário, pois a maneira como escrevo evoluiu um tanto desde a criação desse blog).

Podemos chamar de “Papacapim vintage”, se a gente quiser (embora eu tenha a impressão que o conceito inteiro de blog se tornou “vintage” há muitos anos).

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(Texto e receita publicados originalmente nesse blog, em 12/04/2011, com pequenas alterações feitas pela autora.)

Em cada país do mundo existe um prato típico (ou vários) que usa somente alguns ingredientes baratos, mas que é capaz de encher a barriga de qualquer trabalhadora faminta. Na India eu descobri o daal (sopa de lentilhas), que custava menos que um copo de chá, no Egito tem o koshari (um prato de macarrão com lentilhas, cebola frita e molho apimentado) que, segundo um artigo que li recentemente, alimentou os revolucionários da praça Tahrir, e por aí vai.

Por mais que eu adore os elaborados e deliciosos pratos de festas, também presentes em todas as culturas do mundo, o prato do pobre tem um lugar especial no meu coração. Não somente ele alimenta e permite que milhões de pessoas sobrevivam todos os dias mas, contrariamente ao que se possa imaginar, visto que os ingredientes são sempre tão simples, alguns são extremamente saborosos. A limitação, nesse caso financeira, nos obriga a ser criativos e a aproveitar os ingredientes da melhor maneira possível. Sem contar que, sendo carne e laticícios produtos de luxo na maior parte do mundo, os pratos do pobre são sempre veganos.

Aqui na Palestina os pratos do pobre são feitos com lentilha e arroz. Eu já publiquei a receita do Mujadara, um dos meus pratos preferidos, e hoje gostaria de dividir com vocês a sopa de lentilha que sempre salva o jantar quando a geladeira está vazia. Essa sopa é parecida com daal, mas é feita com arroz e não usa as especiarias da prima indiana. Ela é delicadamente temperada (só um toque de cominho e um pouco de suco de limão), mas é deliciosa e alimenta por várias horas. Tirando a cebola e o alho (e o limão), essa sopa usa ingredientes do armário, o que significa que mesmo com a geladeira vazia você será capaz de preparar um jantar nutritivo, saboroso e que fica pronto em 30 minutos.

Sopa de lentilha palestina – e a minha versão

A lentilha usada aqui é do tipo coral (veja foto no final da receita), que não tem casca e cozinha muito mais rápido do que lentilha verde e marrom. Acredito que usando mais água e deixando a sopa cozinhar mais tempo, você poderá usar lentilhas verdes (nunca testei, então não posso dar instruções precisas). Mas não deixe de procurar lentilha coral pra fazer o prato tradicional pelo menos uma vez. Eu faço uma versão com tahina (pasta de gergelim) que é ainda mais cremosa e gostosa, embora não seja tradicional. É a versão da foto acima.

1 1/2 xícara de lentilha coral

1/3 xícara de arroz branco

2 colheres de sopa de azeite – mais pra servir

1 cebola picadinha

4 dentes de alho grandes picados

1/2 colher de chá de cominho em pó

1,5 litro de água

Suco de limão

Sal e pimenta preta a gosto

Salsinha fresca – opcional

Tahina (pasta de gergelim) – opcional

Em uma panela grande, aqueça o azeite e refogue a cebola até ficar dourada. Junte o alho e refogue mais 1 minuto. Junte a lentilha, o arroz, o cominho, uma pitada generosa de sal e a água. Aumente o fogo. Quando começar a ferver, tampe a panela e deixe cozinhar em fogo médio, mexendo de vez me quando, até que a lentilha tenha se desintegrado e o arroz esteja bem cozido (20-25 minutos). Pra finalizar a sopa, temos duas opções.

Versão tradicional: Tempere com pimenta preta e suco de limão (a sopa tem que ficar levemente ácida). Prove e corrija o sal. Sirva bem quente, regada com bastante azeite e polvilhada com salsinha fresca picada (opcional). Eu gosto de servir a sopa com fatias de limão pra quem gostar de sopa mais azedinha (eu gosto!).

Versão com tahina: Coloque 2 colheres de sopa de tahina de boa qualidade (feita à partir de gergelim descascado e levemente torrado) em um recipiente pequeno e acrescente o suco de um ou dois limões, dependendo do tamanho. Misture rapidamente – vai ficar mais espesso, não se assuste – e vá acrescentando água aos poucos, até atingir uma consistência cremosa e fluida. Junte esse molho de tahina à sopa cozida, misture bem, acrescente pimenta preta e a salsinha picada (se estiver usando). Prove e corrija o sal/limão.

Serve 4 porções generosas.

O último de 2024

Tinha uma pequena tradição nesse blog: escrever o último post do dezembro sobre as melhores receitas do ano (de acordo comigo mesma) ou contar sobre a ceia de natal com a família (geralmente, a família francesa). Publiquei receitas maravilhosas nesse ano, que entraram pro meu repertório afetivo, e o fim de ano na casa do meu sogro, no interior da França, de onde estou escrevendo essas palavras, rendeu pratos deliciosos que merecem ser compartilhados aqui. Mas no penúltimo dia de 2024, meu coração sangra pela Palestina, principalmente pelo povo de Gaza. Nem acredito que faz mais de um ano que o mundo assiste ao genocídio do povo palestino. Em silêncio. Buscando desculpas pra justificar o injustificável. Apoiando com palavras, com imunidade política, com dólares e euros, com armas.

Não imaginei que seria testemunha do genocídio de um povo durante a minha vida e tudo que consigo escrever aqui hoje, depois de ter visto as últimas imagens dos crimes contra a humanidade que Israel segue cometendo contra o povo palestino há décadas, é que não sei o que fazer com a vergonha que sinto quando penso no que vou responder no momento em que o futuro olhar pra trás, pro nosso presente, e me perguntar como eu pude deixar isso acontecer.

Enquanto a Palestina não for livre, ninguém será. Que 2025 traga justiça e reparação.

Salada picada de caju

Por que eu não pensei nisso antes?

Eu adoro caju de todas as formas. E amo carne de caju, o que você pode ver nessa receita de pastel de forno de caju com massa de jerimum e no meu estrogonofe potiguar. Mas ainda não tinha pensado em fazer uma receita salgada com caju cru. E veja que uns meses atrás comi uma moqueca crua de caju na casa de uma amiga aqui em Natal e me encantei. Mas pedi a receita, que ela ainda está me devendo, e esqueci do assunto. Aí meu sobrinho mais velho veio jantar aqui antes de ontem (pra comer o famoso estrogonofe de caju) e comentou que estava colocando caju picado nas saladas e que era uma delícia. Decidi testar já no dia seguinte e ontem fiz uma salada com caju pro almoço. E foi uma das melhores coisas que fiz esse ano!

Não é uma receita, é uma ideia: coloque caju nas suas saladas cruas. Mas vim compartilhar a salada que fiz domingo, e que fiz novamente hoje porque realmente fiquei muito feliz com o resultado (e todo mundo na família adorou), e talvez seja mais fácil começar por aqui, pois essa combinação de sabores é maravilhosa!

Saladas picadas me lembram a Palestina, onde a salada mais simples e que estava presente todos os dias na mesa do povo, era composta por tomate e pepino picados em cubinhos, temperados com limão e muita salsinha. Ela era chamada, simplesmente, de “salada árabe”. No Brasil tem a popular vinagrete, que é picada mais miúda, é mais ácida (por ter bastante vinagre, como o nome indica) e é mais um condimento do que uma salada propriamente dita. A ideia aqui é algo entre os dois, entre a salada e a vinagrete. Então chamei de salada picada e você pode tanto colocar mais tomate e pepino e servir sobre alface (salada) quanto colocar mais caju e servir como um condimento/acompanhamento.

Salada picada de caju

Se você gosta de caju, essa receita é um sonho: perfumada, suculenta e refrescante. E mesmo se você não gosta, não deixe de testar, pois o limão, o sal e os temperos acabam suavizando bastante a adstringencia do caju (o “ranço” que incomoda tanta gente). Os ingredientes estão na ordem decrescente (ou seja, o caju é o ingrediente usado em maior volume e o sal/pimenta, em menor).

Caju (maduro, mas firme)

Tomate

Pepino

Cebola (ou cebolinha, pra ficar mais suave)

Coentro

Pimenta de cheiro (opcional, mas recomendado)

Suco de limão

Azeite

Sal e pimenta preta

Pique o caju, o tomate e o pepino em cubos pequenos. Pique miudinho a cebola, a pimenta de cheiro e o coentro. Regue tudo com suco de limão e azeite a gosto e tempere com sal e pimenta preta. Deixe na geladeira até o momento de servir.

Depois da Amazônia

Depois de quase dois meses na Amazônia, voltei pro litoral do Nordeste uns dias atrás. A parte material que me compõe voltou, mas a verdade é que ainda não saí completamente de lá. Tanto porque ainda estou muito impactada com o que vi e vivi, quanto pelo fato de estar trabalhando num projeto antiespecista relacionado aos territórios que visitei. Ou seja, agora é que começa a parte onde, depois de ter mergulhado meu corpo e sentidos naquelas matas, mergulho com a mente pra escrever as histórias que colhi pelo caminho.

E espero compartilhar muitas dessas histórias aqui no blog, além de publicá-las em veículos de mídia independente na Europa, mas vai demorar um pouco. É muita coisa pra tratar: entrevistas, fotos, vídeos, emoções. E enquanto faço o melhor que posso pra honrar essas histórias contando-as da maneira mais verdadeira possível, deixo vocês com alguns registros da viagem, que foi do Acre ao Maranhão, passando pelo Amazonas e Pará.

Volto em breve com uma receita que aprendi na Baixada Maranhense, com uma das maiores guerreiras que já conheci. Vou terminar o dia sonhando com esse bolo e com todas as comidas deliciosas que provei durante a viagem (e que merecem um post especial só pra falar delas). Como o açaí de Belém…

Cuscuz com banana

Olá de Rio Branco, Acre, onde a chuva está começando a chegar e o ar está se tornando respirável. Quando chegamos aqui, há duas semanas, a cidade estava coberta de fumaça há meses (por causa dos incêndios na floresta e pra renovar pasto – mas que também acabava “escapando” pra floresta) e a qualidade do ar era a pior do mundo inteiro. Foi um choque brutal, vindo de Natal, e a fumaça – que invadiu nossos pulmões assim que colocamos os pés fora do avião- foi só uma das muitas coisas que nos chocou aqui. Vou precisar de um tempo pra processar tudo e só conseguirei escrever sobre o projeto que estou fazendo no momento, junto com Anne, quando terminar tudo. Mas não é pra falar sobre isso que vim aqui hoje.

Estamos hospedadas na casa de uma grande amiga minha, Cibele, que é de Aracaju, mas que foi trazida pra cá pelo trabalho. Logo na nossa primeira manhã em Rio Branco acordei com uma mensagem dela dizendo que estava saindo pra trabalhar, mas tinha deixado um cuscuz de banana pronto pra gente no fogão. Cuscuz de banana? Imaginei uma banana verde ou da terra ralada e cozida no vapor e qual não foi a minha surpresa quando abri a cuscuzeira e descobri um cuscuz de milho, mesmo, só que recheado com rodelas de banana comum madura!

Eu como cuscuz desde que nasci e nesses mais de 40 anos de cuscuz, nunca tinha provado cuscuz com banana cozida dentro. Cibele ficou surpresa e disse que em Sergipe é comum fazer assim. Algumas pessoas aqui do Acre também me disseram que fazem o cuscuz assim com frequência e vou dizer pra vocês: elas estão certas. Eu, que adoro comer feijão com banana, descobri que cuscuz com banana é tão bom quanto!

Me apaixonei por esse cuscuz e pedi pra ela fazer de novo. Na segunda vez ela fez uma camada dupla de banana e o negócio ficou ainda melhor! Ontem fiz sozinha (meu primeiro cuscuz com banana!) e aproveitei pra fazer umas fotos pra compartilhar com vocês aqui no blog. A onça e o tatu nas fotos são feitos de borracha natural aqui do Acre, por um seringueiro artista. Fiquei encantada com esses brinquedos-objetos de arte e antes de sair daqui pretendo colocar alguns na mala pra presentear as sobrinhas.

Fiz as fotos apressada, pois estava com fome e sem paciência, pensando que não queria deixar meu maravilhoso cuscuz esfriar antes de sentar pra comer. Por isso acabei derramando um pouco de leite de castanha da Amazônia e só hoje, quando transferi as fotos da máquina pro computador, percebi que a onça parecia estar bebendo o leite. Pois é, eu entendi que está na hora da onça beber… leite. De castanha, obviamente.

Cuscuz com banana

Segundo minha amiga Cibele, que é de Aracaju, preparar cuscuz assim é comum em Sergipe. Kiune, outra grande amiga nordestina, contou que na Bahia também fazem essa receita. Eu, que sou do RN, estou levemente revoltada com o fato dessa iguaria não ter adentrado o território potiguar. É extremamente fácil e deixa um simples cuscuz mais nutritivo e ainda mais saboroso – banana e milho casam muito bem.

Flocos de milho pra fazer cuscuz (se encontrar flocos não transgênicos, melhor)

Banana (madura, mas ainda bem firme)

Sal

Opcional

Leite vegetal (usei de castanha da Amazônia, porque estou no Acre)

Manteiga vegetal (usei de coco) ou óleo/azeite

Misture os flocos de milho com um pouco de sal (as quantidades dependem de quanto de cuscuz você quer fazer) e molhe com água. Misture com os dedos e vá molhando até que fique com uma textura de areia molhada. Cubra e deixe descansar por 15 minutos (ou mais) pra que os flocos hidratem um pouco. Isso é importante pra fazer um cuscuz macio e gostoso.

Depois do tempo de descanso, coloque água no compartimento inferior de uma cuscuzeira, encaixe o suporte do centro e monte o cuscuz. Você pode fazer só uma camada de banana no meio da massa, ou fazer duas. Comece espalhando uma camada de flocos de milho hidratados, sem apertar. Disponha uma camada de banana em rodelas, deixando um pouco de espaço entre as rodelas pro vapor circular. Cubra com mais flocos de milho hidratados e repita a camada de banana, caso queira fazer duas. A última camada deve ser de cuscuz e lembre de espalhar os flocos de milho com delicadeza, sem apertar com a colher. Se apertar, seu cuscuz vai virar um bloco compacto. Tem que ficar soltinho pro vapor circular bem e o cuscuz cozinhar direito e ficar fofinho no final.

Tampe a cuscuzeira e leve ao fogo até o cuscuz ficar cozido. Leva uns 15 minutos depois que começa a ferver, mas basta reparar no aroma (o cheiro de cuscuz cozido vai invadir sua cozinha quando ele estiver pronto) e provar um pouco do cuscuz pra ter certeza.

Retire o cuscuz da cuscuzeira com cuidado e transfira prum prato. Corte fatias e sirva acompanhado de leite vegetal morno e um pouquinho de gordura (manteiga de coco, azeite, óleo de babaçu…). Fica mais saboroso assim, mas não se preocupe se não tiver esses ingredientes, pois o cuscuz só com a banana já é delicioso. Nas fotos também servi com abacate amassado e temperado com limão, sal e coentrão (que o povo daqui chama de “chicória”). Essa combinação ficou maravilhosa e recomendo muitíssimo.

Se sobrar, guarde em um recipiente fechado, na geladeira, e esquente na cuscuzeira (no vapor) antes de servir. Assim ele volta a ficar não só quentinho, mas hidratado e macio.

Alguns escritos recentes

Estou escrevendo essas linhas diretamente de Rio Branco, no Acre. Cheguei ontem à noite e essa é a primeira etapa de uma longa viagem que vai durar 50 dias e nos levar, Anne e eu, do Acre ao Rio Grande do Norte, passando pelo Amazonas, Pará e Maranhão. Contarei mais sobre esse projeto no final da jornada, mas antes de começar esse trabalho apareci aqui pra compartilhar alguns escritos recentes que nós, da União Vegana de Ativismo (UVA) escrevemos. O incômodo que pessoas antiespecistas sentiram nos últimos meses é gigante. Enquanto os movimentos sociais e pessoal de esquerda, num sentido mais abrangente, não para de repetir – com razão- que o agro é fogo, praticamente ninguém (além da galera vegana) fala sobre a relação entre o consumo de animais e os incêndios que estão destruindo com nossos biomas. Por isso levantamos essas questões sempre que pudemos, porque nossa consciência política e ambiental não deveria parar de funcionar quando sentamos pra comer.

Vou reproduzir os textos aqui, mas vai ter o link pro lugar onde foi publicado originalmente no final de cada um.

O agro é fogo – e já não tem mais como esconder isso. As queimadas são intencionais, e a pecuária é a principal responsável pelos incêndios florestais, de maneira direta e indireta.

A questão agora é: Como apagar o incêndio? 

Comece apagando o churrasco!

Sabemos que 97% do desmatamento nos últimos 5 anos, no Brasil, foi causado pela agropecuária. Sabemos que a maior utilização da terra no país é PASTO – já temos o equivalente ao estado do Amazonas em pasto! O Brasil se tornou o maior produtor de carne bovina no mundo e o número de vacas já ultrapassou o número de humanos. E quem come tanta carne?

75% da carne bovina produzida no Brasil em 2021 foi consumida no nosso prato (ABIEC). O consumo de carne de vaca no país, em 2023, foi de 39kg/pessoa, enquanto o consumo de carne de frango foi de 46 kg/pessoa. Lembrando que a soja é a principal proteína nas rações das aves. Em termos de desastre ambiental e social, comer carne de vaca ou de frango é mais do mesmo. 

Citando Luiz Marques, autor do livro O decênio decisivo:

“Somos os principais responsáveis pela destruição do patrimônio natural, do clima e da biodiversidade de nosso país. Podemos manter a floresta e tudo o que ela proporciona ou podemos manter a dieta carnívora. Mas não podemos manter os dois. É simples assim.” (post original no perfil da UVA)

Estamos presenciando agora uma enxurrada de manchetes como “O Agro é fogo” ou “O Agro é destruição”. A maioria dessas notícias não personaliza a discussão, tratando o agronegócio como uma entidade sem rosto, algo que todos reconhecem, mas poucos compreendem a fundo. Por esse motivo, achamos importante trazer algumas informações sobre o assunto.

Ao falar de agronegócio, é essencial “dar nome aos bois”. Para discutir o agro, precisamos falar sobre a agropecuária. Neste momento, enquanto você é sufocado pela fumaça das queimadas, não dá para ignorar as mazelas de um sistema agrícola predatório, que transforma a criação em larga escala de animais no bife que chega ao prato. Não há como combater o agronegócio sem refletir, com urgência, as bases de um sistema alimentar falido, tanto no Brasil quanto globalmente.

Sabemos que 97% do desmatamento nos últimos 5 anos, no Brasil, foi causado pela agropecuária. Sabemos que a maior utilização da terra no país é PASTO – já temos o equivalente ao estado do Amazonas em pasto! O Brasil se tornou o maior produtor de carne bovina no mundo e o número de vacas já ultrapassou o número de humanos. A monocultura da soja que devasta nosso cerrado e outras regiões do país, é quase em sua totalidade utilizado para consumo de animais que serão mortos e não para consumo direto das pessoas.

Diante dessa realidade, não podemos deixar de considerar que “ quando a carne é a protagonista do prato, o agro é o protagonista do campo”. Mas quando a alimentação tem como protagonistas vegetais frescos, a agricultura familiar é colocada no centro. Alimentação vegetal é resistência contra um sistema que causa fome, miséria, concentração fundiária, genocídio indígena e ameaça a saúde do planeta. 

Você pode não se importar com as relações de opressão dos animais humanos para com os animais não humanos, mas se você tem preocupações ambientais e preza pelo senso de comunidade, pode enxergar uma realidade bem indigesta pela frente: é insustentável consumir animais nessa quantidade atual. Não estamos trazendo uma imposição ou obrigação em ser vegana, mas pense em considerar o veganismo como um ato político de transformação social, como um movimento social de lutas anti-opressão, que pode também contribuir para uma sociedade sustentável.

Citando Luiz Marques, autor do livro O decênio decisivo:

“Somos os principais responsáveis pela destruição do patrimônio natural, do clima e da biodiversidade de nosso país. Podemos manter a floresta e tudo o que ela proporciona ou podemos manter a dieta carnívora. Mas não podemos manter os dois. É simples assim.”

(texto publicado originalmente no site da Mídia Ninja)

Quem come como o colonizador, pensa como o colonizador?

Perdi a conta de quantas vezes contei essa história. Foi há muitos anos e eu estava visitando minha família, no Sertão do Rio Grande do Norte. Era a primeira vez que eu ia lá depois de ter me tornado vegana. A tia que me hospedou estava preocupada, repetindo que agora não sabia mais o que fazer pra eu comer. “Tia, a senhora não precisa se aperrear, não. Eu como tapioca, cuscuz, inhame, feijão, arroz, farinha, batata doce, macaxeira, todas as verduras e frutas. Tudo que eu sempre comi com a senhora, só que sem carne nem queijo” – respondi.

Quando ela me chamou pra comer, encontrei uma mesa farta. Tinha feijão verde, de uma roça ali pertinho, arroz, batata doce, macaxeira, verduras cozidas e salada crua. Enchi o prato e antes de sentar pra comer, minha tia se aproximou, olhou aquele monte de comida colorida na minha mão, suspirou e disse: “Minha fia não achou nada pra comer, não foi?” 

Aquela observação me deixou chocada. Onde eu via fartura, minha tia via vazio. 

Repare que ela estava segurando um prato quase idêntico ao meu, com uma única diferença: no dela tinha um pedaço de frango. Um frango que ela tinha comprado congelado, no supermercado mais próximo. Aos olhos da minha tia, aquilo, sim, era comida.

Essa história é uma perfeita ilustração de como valorizamos muito mais carne (seja ela de vaca, galinha ou qualquer outro animal) do que vegetais. O conceito de “fartura” está, quase sempre, associado a uma mesa, ou geladeira, cheia de carnes e laticínios. Mas qual o impacto dessa crença na sociedade e nas nossas vidas?

Vamos começar fazendo algumas perguntas simples sobre a origem da comida que comemos. Quem produz a quase totalidade da carne no país? Resposta: o agro, seja  diretamente, através da pecuária, seja indiretamente, através da soja e do milho que são transformados em ração pros animais de abate. Agora vamos aprofundar um pouco mais a nossa pesquisa.

Quem trouxe as vacas, galinhas, ovelhas, cabras e porcos pra esse território conhecido como Brasil? Pouca gente reflete sobre isso, mas esses animais não são nativos: eles foram trazidos pra cá pelos invasores europeus. Por um lado, porque era a comida que os colonizadores tinham costume de comer e, por outro lado, pra servir de ferramenta de expansão territorial. Foi “passando a boiada” que as terras foram, e ainda são, colonizadas, até que nos tornamos o segundo maior produtor de carne de gado e de frango do mundo! E se engana quem acha que a maior parte da carne e frango produzidos no Brasil é exportada. De acordo com a ABIEC, atualmente 75% da carne de gado produzida no Brasil é consumida dentro do país e quase 70% do frango brasileiro vai parar no nosso prato. A carne desses animais, que não fazia parte da dieta dos povos originários antes da invasão, ocupa hoje um espaço central no nosso prato: enquanto o consumo anual de carne, frango, porco e cabra é de quase 100kg por pessoa, comemos menos de 50kg de verduras por pessoa, anualmente (FAO). 

O que eu vou dizer agora provavelmente vai gerar antipatia pro meu lado, mas aceito correr esse risco. Quando a gente escolhe comer como o colonizador, a gente acaba apoiando o projeto de colonização, que na sua encarnação mais recente atende pelo nome de agronegócio. Valorizar carne e frango acima de qualquer outro alimento reforça o poder do agro. É por isso que uma das palavras de ordem da UVA (União Vegana de Ativismo) é: “Quando a carne é a protagonista no prato, o agro é protagonista no campo.”

Na outra ponta dessa mesa está a agricultura familiar, responsável por dois terços da produção de frutas, verduras e legumes no país. Acho que agora já temos mais elementos pra responder a pergunta que fiz alguns parágrafos acima. 

Quem sai fortalecido quando acreditamos que “fartura” é obrigatoriamente uma grande quantidade de carne, queijo e ultraprocessados (os pacotinhos e potinhos fabricados pela indústria)? Quem perde quando acreditamos que vegetais, e alimentos frescos em geral, são inferiores – tanto em sabor, quanto em status social?

E tem mais! 57 mil pessoas morrem anualmente no Brasil por causa do consumo de ultraprocessados. O consumo de carnes, principalmente as vermelhas e os embutidos (como mortadela e salsicha) está adoecendo a população, principalmente as classes populares. Aumentar nosso consumo de vegetais é essencial pra evitar o nutricídio da população mais vulnerável, mas estamos caminhando na direção oposta. A última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE mostrou que 90% das pessoas no país não comem frutas e verduras em quantidade suficiente, alimentos essenciais pra manutenção da saúde… 

Quando não valorizamos a comida que vem da terra, desvalorizamos também quem plantou aquela comida. O mais triste é ouvir isso da boca de quem vive da terra. Quem nunca ouviu um agricultor falar: “Planto, mas não como” ? Precisamos mudar essa mentalidade.

Enquanto lutamos pra construir o mundo no qual queremos viver, com abundância pra todas e todos, já podemos começar a sentir o gostinho dele na mesa, ao decidir que “fartura” de verdade é comida que nasce na terra, de origem agroecológica. 

Se quisermos derrubar o agro, precisaremos boicotar seus produtos. Não dá pra continuar repetindo que queremos o agro fora do campo enquanto enchemos o prato com a carne que eles produzem. Pra descolonizar a alimentação, precisamos nos recusar a comer como o colonizador.

(texto publicado originalmente no site da Teia dos Povos)

Cocada cremosa com maracujá

Em junho, quando eu fiz aquele mini-retiro entre o rio e o mar, a proprietária da cabana onde fiquei hospedada deixou um mimo na cozinha pra mim: um potinho com pedaços de cocada. Agradeci o presente e perguntei se ela tinha colocado leite condensado na receita. Apesar da receita original de cocada ter só coco e açúcar, a norma hoje em dia é usar leite condensado. Ela respondeu que sim e eu agradeci mais uma vez, mas falei que não consumia leite animal. “E leite de coco?”, ela perguntou. Falei que leite de coco, sim, então ela contou que uma das cocadas no pote era de maracujá e tinha sido feita com leite de coco. “Só com leite de coco?”, perguntei animada. Como ela repetiu que sim, que só tinha leite de coco, dei uma mordida tímida na cocada de maracujá depois que ela saiu. Não sou chegada em doces, muito menos doces muito doces, e cocada entra nessa categoria. Mas amo maracujá e a ideia de misturar essa fruta deliciosa com coco atraiu meu paladar. Infelizmente o micro pedaço de cocada que comi foi suficiente pra me fazer entender que tinha leite condensado de vaca ali. Poxa!

Não foi a primeira vez que alguém mentiu numa situação dessas. Outro dia minha irmã do meio chegou em casa toda feliz com um dindin (ou sacolé ou geladinho, dependendo de onde você mora) de coco que ela tinha comprado especialmente pra mim porque o vendedor jurou de pés juntos que não tinha leite de gado ali, só leite de coco. Bastou eu sentir o cheiro do dindin pra entender que tinha leite em pó – de vaca- na composição. Minha irmã provou e confirmou.

Depois que a frustração de ter sido enganada no caso da cocada passou, fiz uma nota mental: fazer minha própria cocada com maracujá. E eu a faria mole, pra comer de colher, porque as duras têm tanto açúcar que não consigo comer. Outra razão pra fazer cocada de colher era testar usar macaxeira cozida na receita. Eu já fiz uma sobremesa com macaxeira no passado (preciso aperfeiçoa-la antes de compartilhar) e achei que tinha muito potencial. A ideia de usar macaxeira cozida em receitas doces não saiu da minha cabeça. Vi várias pessoas usarem essa técnica (e nem sempre pessoas veganas!) e a primeira sobremesa que fiz usando macaxeira foi inspirada numa receita que aprendi com João, um amigo vegano (e sócio de um restaurante delicioso) em Recife. Isso foi há alguns anos e hoje não entendo por que demorei tanto pra explorar mais essa técnica.

Não se assuste, garanto que a macaxeira vai dar a cremosidade levemente elástica que associamos ao leite condensado animal sem alterar o sabor. Consegui fazer a cocada do jeito que eu tinha desejado e, pra mim, o maracujá é o que deixou essa receita realmente excepcional.

Cocada cremosa com maracujá

O pulo do gato aqui é a macaxeira cozida. É ela que vai dar a textura cremosa, bem parecida com o adorado-idolatrado-salve-salve leite condensado. Confie, ninguém adivinha que tem macaxeira aqui. Uso uma quantidade até modesta de açúcar, considerando que isso é uma cocada. Prove e deixe seu paladar te guiar. Eu só fiz essa receita com coco fresco, mas tenho certeza que dá certo com coco ralado desidratado também (só atente pra usar uma quantidade menor de coco, já que ele vai absorver líquido e expandir quando entrar na panela). No dia que eu fizer, volto aqui pra contar. Use essa receita como base e faça os ajustes que quiser pra ficar perfeita pra você (mais ou menos açúcar, mais ou menos maracujá…)

3 1/2 xícaras de coco seco ralado (fresco, não o desidratado)

2 1/2 xícaras de leite de coco fresco (receita aqui)

1 1/2 xícara de macaxeira cozida, bem mole

1 1/2 xícara de açúcar

1 maracujá (grande ou pequeno, dependendo do seu gosto)

Pitada de sal

Coloque a polpa do maracujá no liquidificador (o tamanho do maracujá vai depender do seu gosto – quanto maior, mais forte o sabor azedinho da cocada. Bata por alguns segundos (sem acrescentar água), pra soltar a polpa dos caroços. Usando uma peneira, coe o sumo e reserve.

Bata a macaxeira cozida (sem o pavio!) com o leite de coco e o açúcar no liquidificador, até ficar bem cremoso e lisinho. Aqui está o seu leite condensado;)

Despeje esse creme de macaxeira e coco em uma panela grande e, idealmente, com o fundo grosso. Junte o coco ralado e o sumo de maracujá. Leve ao fogo alto, mexendo sem parar com uma colher de pau (ou de silicone) até apurar bem, reduzir 1/3 do volume e ficar com a textura mais espessa. Aqui em casa levou uns 20-25 minutos. Deixe esfriar e coloque na geladeira por algumas horas antes de degustar (a textura e o sabor ficarão ainda melhor).

Rende uma quantidade boa de cocada, então aproveita pra compartilhar com as vizinhas, amigas e crushes.

O que como em uma semana

Tem uma categoria de vídeos muito popular na internet chamada “o que como em um dia”. Me fascina ver o que outras pessoas veganas comem, pois a variedade de alimentos vegetais é quase infinita e me inspira ver pratos de outros lugares. Só que quando você começa a ver muitos vídeos “o que como em um dia” acaba descobrindo que os pratos estão cada vez mais parecidos e, o que mais me dá desgosto, que a galera anda obcecada com o consumo de proteínas. E se antes eu via isso entre pessoas que comem animais, agora eu vejo cada vez mais veganas caindo na armadilha da proteinomania.

Não vou falar por que acho isso uma armadilha hoje, mas fiquei com vontade de compartilhar o que aparece no meu prato no dia-a-dia, pois nem todo mundo está “medindo seus macronutrientes”, consumindo proteína concentrada em pó (de origem animal ou vegetal) todos os dias nem comendo os mesmos pré e pós treinos da moda. E como acho que um dia só não é representativo da maneira como nos alimentamos, resolvi compartilhar uma semana inteira de refeições. Acho que pra saber realmente como a gente se alimenta, teria que ser um mês inteiro, pois pelo menos pra mim pode ter bastante variação de uma semana pra outra, dependendo da quantidade de trabalho que tenho, se estou viajando ou em casa, se estou em Natal ou em Paris… Mas no final das contas, a semana que documentei aqui foi bem próxima do que seria uma semana típica na minha vida, atualmente, nesse época do ano (procure sempre comprar vegetais da estação).

Quarta-feira

Café da manhã: tapioca com hummus, tomate e manjericão fresco, banana da terra cozida, hummus + café. Almoço: feijão macaça, arroz da terra no leite de coco, couve refogada e jerimum com coco + pepino, beterraba crua ralada e melão. Lanche: batata doce cozida, hummus com jerimum e grude com melado + café. Jantar: cuscuz no leite de coco e carne de caju guisada. Ceia: aveia dormida com chia e leite de coco, banana (congelada), maracujá e 1 castanha do Pará.

Eu como maracujá assim, mastigando e engolindo as sementes (às vezes diretamente da casca) e adoro colocar rodelas de banana congelada na minha aveia (ela não fica totalmente dura). Eu janto cedo (por volta das 19h), e às vezes sinto fome antes de dormir e como algo leve. Não sou adepta de jejum nem de deitar com a barriga roncando. Aliás, seguindo o toque de uma amiga nutricionista e vegana, observei que quando deito com fome tenho pesadelos com mais frequência.

Quinta-feira

Café da manhã 1: tapioca com hummus com jerimum e couve refogada + café. Café da manhã 2: batata doce cozida, hummus, meio mamão papaia com 1 castanha do Pará + café. Almoço: feijão macaça, arroz da terra no leite de coco, farofa de carne de caju, chuchu refogado e banana da terra grelhada + salada de folhas (alface lisa, alface americana, alface roxa e rúcula), pepino e abacaxi. Lanche da tarde: arepa de carimã (mandioca puba) misturada com hummus (na massa), tomate e manjericão fresco, café com leite de coco (sempre caseiro) e goiaba. Jantar: cará cozido, tofu mexido e caju. Ceia: meio mamão papaya com aveia dormida com chia e leite de coco.

Nas quintas vou à feira, então tomo café cedo, vou pra feira, carrego peso embaixo do sol e quando volto pra casa já estou faminta novamente. Por isso nas quintas tomo dois cafés da manhã. Eu nunca adoço meu café (nem com açúcar, nem com adoçante – gosto amargo). Leite de coco aqui em casa é sempre fresco, ou seja, caseiro, feito com o coco seco que compro na feira. Também compro carimã na feira. Carimã é a macaxeira (mandioca) fermentada na água por 15 dias, um ingrediente típico da cultura alimentar indígena, que já foi mais popular aqui no Nordeste, mas que hoje pouca gente conhece. Sou apaixonada por carimã e desde que descobri que podia comprar na feira, diretamente do produtor, nunca mais faltou na minha geladeira. Cará, pra quem não sabe, é bem parecido com inhame. Compro sempre cará porque é bem mais barato que inhame e tem praticamente o mesmo sabor.

Sexta-feira

Café da manhã: tapioca com hummus com jerimum, meio mamão papaya com 1 castanha do Pará + café. Lanches da manhã: meio copo de lama de coco (polpa de coco verde) e 1 grude com mel de engenho (melado). Almoço: fava com tomate, resto da farofa de carne de caju, farinha e beterraba cozida no vapor + salada de folhas, pepino e abacaxi. Lanche 1: batata doce cozida, hummus com jerimum e café. Lanche 2 (compartilhado com a família): pipoca (de panela). Lanche 3: vitamina de banana com leite de soja, pasta de amendoim e cacau. Jantar: macaxeira cozida, tofu mexido e antepasto de berinjela. Ceia: lama de coco e goiaba.

Tapioca, pra mim, é essencial pra começar o dia feliz. Grude é uma iguaria do meu território, feita com goma (a que usamos pra fazer tapioca), coco seco ralado e sal. Não sei fazer, então quando alguém traz grude pra casa (vende em alguns lugares específicos da cidade – e esse é bem pequenininho) eu faço a festa. Gosto muito de comer com um fio de mel de engenho, contrastando com o sal do grude. Fica uma delícia! No almoço procuro comer uma salada crua com alguma fruta e gosto das minhas saladas sem tempero nenhum (nem molho nem azeite). Os leites que consumo no dia-a-dia são de coco ou castanha, feitos por mim. Não gosto de leite de soja, mas nesse dia era o que tinha pronto na geladeira (de caixa, sem açúcar) e foi o que usei.

Sábado

Café da manhã: tapioca com hummus com jerimum e tofu mexido, meio mamão papaya com aveia dormida (aveia, chia e leite vegetal) e 1 castanha do Pará + café. Almoço: fava, macarrão com molho de tomate (caseiro) e grão de bico, batata doce e beterraba cozidas + banana e mexerica. Lanche: banana. Jantar: cará cozido, grude, queijo de castanha fermentado, café + salada de frutas (banana, mamão, abacaxi e laranja).

Aos sábados dou aula o dia inteiro, em um cursinho popular em um bairro bem afastado de onde moro. Dou aula das 9h às 16h, mas como preciso pegar dois ônibus pra ir e dois pra voltar, saio de casa por volta das 7h e chego em casa depois das 18h. Por isso o café da manhã tem que ser reforçado e levo a minha marmita pro almoço, que é compartilhado com as outras professoras e alunas. Eu não gosto de macarrão, mas sempre faço uma porção grande pra compartilhar com as alunas, que adoram. Também compartilhei a fava, que eu tinha feito no dia anterior. Quando chego em casa, depois de um dia cansativo e 2 horas dentro de um ônibus, geralmente sinto mais enjoo do que fome, por isso o jantar foi leve. Esses pratos são bem pequenos, do tamanho “sobremesa” e as cumbucas que uso também são pequenas.

Domingo

Café da manhã: duas tapiocas com queijo de castanha fermentado e tomate, mamão + café. Almoço: feijão macaça misturado com farinha, arroz com cenoura e espinafre com creme de castanha e grão de bico + salada de folhas, pepino e abacaxi. Jantar: pizza com massa de fermentação lenta, tomate seco e rúcula. Ceia: mamão com abacate, linhaça moída e 1 castanha do Pará.

Minha sobrinha, que também é vegana, estava desejando uma pizza, então fiz algo que não faço quase nunca: pedi uma e comi um pouco com ela. Eu não gosto muito de pizza, mas como essa massa era de fermentação lenta, achei saborosa. Porém o queijo vegetal era industrializado e não gostei nem um pouco do sabor. Eu tento comer uma castanha do Pará por dia pra garantir a dose diária de selênio. Adoro o sabor, então se fosse mais barata aqui em Natal, eu comeria uma quantidade maior.

Segunda

Café da manhã: uma tapioca com queijo de castanha fermentado e outra com abacate amassado com limão e coentro + café. Lanche da manhã: mamão com 1 castanha do Pará. Almoço: feijão carioca com quiabo grelhado, farofa de cenoura + salada de folhas, pepino, beterraba crua ralada e abacaxi. Lanche: arepa de carimã (mandioca puba) com queijo de castanha fermentado (na massa), com guacamole (abacate amassado com limão e coentro), café e um docinho de tâmara com castanha de caju, pasta de amendoim e cacau (feito pela minha irmã). Jantar: sopa de feijão carioca, beterraba, berinjela e coentro + batata doce cozida. Ceia: mexerica e caju.

O que chamo de “arepa” são panquecas salgadas com carimã e algum outro ingrediente pra dar liga (às vezes hummus, às vezes queijo de castanha, mas vezes batata doce cozida e amassada, às vezes feijão amassado). Não sou muito fã de doces e raramente como açúcar. Por questão de gosto, mesmo. Quando como algo doce, geralmente é adoçado com frutas frescas ou secas, e mesmo assim como só um pedacinho. Esse doce que minha irmã faz é uma delícia e gosto de comer antes de me exercitar, pra me dar mais energia. Atualmente faço natação uma ou duas vezes por semana (nem sempre dá pra ir duas vezes) e faço sessões curtas de calistenia no meu quintal nos outros dias.

Terça

Café da manhã: tapioca com queijo de castanha fermentado e tofu mexido, mamão com 1 castanha do Pará + café. Almoço: feijão macaça branco, farofa de cebola e purê de jerimum + salada de alface, pepino e beterraba crua ralada. Lanche 1: pão de fermentação natural com queijo de castanha fermentado, vitamina de abacate e banana (congelada) com leite de coco (caseiro). Lanche 2: pão de fermentação natural com queijo de castanha fermentado, café e um docinho de tâmara, castanha de caju, pasta de amendoim e cacau. Jantar: cuscuz no leite de coco, tofu mexido e uma goiaba.

Terça é dia de natação das 18h as 19h, então faço um lanche mais reforçado (ou dois lanches menores) e janto mais tarde, quando volto da natação. Eu só gosto de pão de fermentação natural, então como raramente, só quando minha irmã faz ou compra (como foi o caso ontem). E, sinceramente, prefiro tapioca, batata doce ou macaxeira.

Então aqui está tudo o que comi em uma semana (do 21 ao 27 de agosto). E como contexto importa, preciso dizer que sou nordestina, vegana, moro atualmente em Natal (RN), compro todas as verduras, frutas, tubérculos, goma (pra tapioca), feijão e alguns cereais (arroz da terra, milho pra canjica e pipoca) na feira livre do meu bairro e cozinho todos os dias, em todas as refeições. E, como disse, tenho um paladar que não gosta de doces, mas também não gosto muito de massas (pão, macarrão, pizza), nem de frituras.

Talvez seja importante concluir esse post dizendo que nunca me consultei com uma nutricionista, e não faço nenhum tipo de regime, nem pra perder peso, nem pra ganhar massa. Como essas coisas porque gosto, mesmo, e porque me sinto muito bem e feliz com a maneira como me alimento.

Feijão adubado

Outro dia eu estava lendo “História da alimentação no Brasil”, do meu conterrâneo Câmara Cascudo, e me deparei com duas informações que me surpreenderam. Quando surgiu, a feijoada era feita com feijão carioca (que ele chama de “mulatinho”), e não preto. Ele compartilha algumas receitas de feijoada do final do século 19 (segundo Cascudo, época em que apareceu a feijoada, contrariando a versão mais popular de que é um prato muito mais antigo), todas com feijão carioca, e numa delas o autor (da receita) explicita que só serve esse feijão. Todas as receitas terminavam dizendo: “Come-se com farinha e molho de pimenta e/ou limão”. Arroz ainda era presença rara nas mesas nacionais. Quer dizer, nas mesas empobrecidas, como nos explica uma das receitas: “Os ricos misturam à farinha um pouco de arroz cozido.”

A outra informação que derrubou uma crença que eu tinha com relação à feijoada é que, nas versões mais antigas, ela vinha sempre recheada de verduras. Eu, que escrevi longamente sobre minha antipatia por feijoadas veganas com verduras, mordi a língua. Cascudo escreve: “Só se diz feijoada quando há carnes e verduras. O feijão com carne, água e sal, é apenas feijão. Feijão ralo, de pobre. Feijão todo-dia. Há distância entre feijoada e feijão. Aquela subentende o cortejo das carnes, legumes, hortaliças.” Então tá. Mas no meu coração sigo acreditando que entupir seu feijão de legumes é arriscado. Se a mão pesar um pouco, ele atravessa uma linha que o coloca do lado das sopas.

Pouco tempo depois dessas descobertas, estava passeando pelo Mercado de Petrópolis, aqui em Natal, e vi a cozinheira de uma das barracas de comida lá dentro colocar uma panela de pressão no fogo. Como eu estava procurando algo pra almoçar, me aproximei e perguntei o que era. Ela respondeu que estava fazendo “um feijão bem adubado”. Adubado? A lavradora de quintal dentro de mim, que tinha (até recentemente) três composteiras em casa, imediatamente pensou em muitas verduras. Achei uma graça “adubar” feijão, mas quando ela me contou que o tal do adubo era todas as partes imagináveis de porco e vaca, a decepção foi grande. Uma expressão tão bonita….

Quer dizer que a feijoada, que eu imaginava ser composta exclusivamente por partes de animais (fora o feijão, claro), também tinha um “cortejo de legumes e hortaliças”, enquanto o “feijão adubado” não tinha verdura nenhuma, só uma quantidade assustadora de pedaços de animais?

Estava ruminando essas coisas com minha irmã do meio, quando ela me lembrou que nossa mãe, que fazia o melhor feijão preto que já comi, gostava de colocar verduras no feijão marrom, geralmente uma combinação de batata e cenoura ou apenas jerimum. Eu sempre gostei tanto do feijão preto dela que tinha esquecido como ela preparava outros feijões, mas depois da conversa com a minha irmã, relembrei e fiquei saudosa daquele prato.

Essa foi uma longa introdução pra contar que fiz as pazes com feijão cozinhado com hortaliças. Não que eu achasse ruim, só achava com gosto de sopa. Repare que eu adoro sopa, e frequentemente faço sopa de feijão pro jantar, mas na hora do almoço preferia comer as verduras feitas à parte, acompanhando o feijão. Mesmo tendo dado essa dica várias vezes pra pessoas que não querem passar muito tempo cozinhando (“coloquem suas verduras dentro do feijão pra economizar tempo, sem prejudicar o consumo de verduras”), eu continuava cozinhando meu feijão e minhas verduras separadas. Porém, como disse, isso acaba de mudar. Acho que consegui achar um equilíbrio perfeito entre os ingredientes e ontem fiz um feijão maravilhoso. E o resto da família aprovou.

Claro que eu tinha que chamar essa receita de “feijão adubado”, pois foi exatamente isso que imaginei quando ouvi a expressão no mercado. Mas já adianto que vou seguir fazendo minha feijoada com feijão preto e sem verduras.

Feijão adubado

Mais uma receita que não é exatamente uma receita: é uma técnica. Use as verduras que preferir, embora eu ache que a combinação de jerimum, chuchu e couve é ideal. Também insisto no feijão carioca, ou outro feijão marrom que dê um caldo espesso, pois acho que esse tipo de feijão casa muito bem com essas verduras. Fica untuoso e uma delícia sem tamanho! Mas se quiser usar feijão preto, fique à vontade. As quantidades dependem da quantidade de feijão, mas a minha regra pra não virar sopa é que o volume de verduras (todas juntas) seja menos da metade do volume de feijão cozido.

Feijão carioca

Jerimum

Chuchu

Cebola

Couve

Alho

Coentro

Pimenta de cheiro (opcional)

Óleo

Suco de limão ou vinagre

Páprica defumada, sal e pimenta preta

Deixe o feijão de molho na véspera (pelo menos 12h). Descarte a água da demolha e coloque o feijão numa panela de pressão, coberto com água limpa (a água deve passar um pouco do feijão) e sal a gosto. Cozinhe por 12 minutos à partir do momento em que a panela pegar pressão (começar a apitar).

Enquanto isso, prepare as verduras. (Lembrando que gosto de usar menos da metade de verduras -todas juntas- com relação à quantidade de feijão). Pique a cebola e reserve. Faça o mesmo com o alho, a pimenta de cheiro e a couve. Descasque e corte o jerimum e o chuchu em pedaços médios. Refogue a cebola em um pouco de óleo, até ficar dourada. Junte o alho e a pimenta de cheiro e deixe cozinhar mais alguns segundos. Tempere esse refogado com bastante páprica defumada e desligue o fogo.

Quando o feijão estiver cozido (tudo bem se ainda estiver um pouco firme) deixe a pressão escapar, abra a panela e despeje o refogado de cebola dentro. Junte também o jerimum, o chuchu e a couve. Acrescente mais um pouco de sal e pimenta preta a gosto. Se tiver usando o vinagre, acrescente uma colherada nesse momento. Feche a panela e coloque novamente no fogo. Assim que começar a apitar conte uns minutinhos e desligue. Essas verduras cozinham rápido, ainda mais dentro da panela de pressão.

Retire a pressão novamente e junte bastante coentro picado. Prove e corrija o sal, se necessário. Se você preferir usar limão como ingrediente ácido (acidez realça o sabor do feijão), esprema um pouco de limão no prato, na hora de servir.

Come-se com farinha e, juntos, é uma refeição completa, saborosa e nutritiva. Mas se quiser comer com arroz, também dá certo;)

Um passeio por Natal

Nos últimos dias tirei folga das responsabilidades e decidi descansar passeando por Natal. É muito gostoso ser turista na sua própria cidade e posso preencher páginas e mais páginas sobre essa experiência. Mas isso vai ficar pra outro dia. Hoje eu queria levar vocês nesse passeio comigo, então o post de hoje é visual.

Pra que seja um passeio em imagens, não vou legendar as fotos. Mas adianto que quase todas as fotos foram feitas no centro de Natal (que chamamos de Cidade Alta), mas também tem os bairros das Rocas e Mãe Luíza. Os nomes das praias que aparecem aqui são: praia dos Artistas, praia do Meio, Areia Preta e Miami. A última foto foi do almoço de hoje, no Café Libre, onde encerrei meus dias de folga e vim escrever esse post.

Fui na Pinacoteca Potiguar pra ver uma exposição muito linda, chamada “Nordeste Expandido : Estratégias de (re) Existir”. As obras acima, à esquerda, são da artista Silvana Mendes, do Maranhão (Afetocolagens: Reconstruindo Narrativas Visuais de Pessoas Negras na Fotografia Colonial). O bordado, à direita, foi feito pelas bordadeira do Curtume/Mulheres do Jequitinhonha.

Salada de pepino de inspiração coreana

Dias atrás minha irmã, que se tornou a fornecedora oficial de receitas Papacapim, trouxe uma quentinha do café do qual ela é sócia pro meu jantar. O tema do almoço tinha sido “inspiração coreana” e um dia peço pra ela me ensinar a fazer o tofu incrível que ela serviu naquele dia e prometo postar aqui. Por enquanto me contento de compartilhar a parte mais simples da refeição: uma salada de pepino refrescante e deliciosamente temperada.

Pepino não é um vegetal muito excitante, reconheço, mas não estou exagerando quando digo que foi a melhor coisa com pepino que já comi. Se você estava procurando uma maneira mais saborosa de servir pepino, essa receita é pra você. E como o modo de preparo é de uma simplicidade extrema, essa receita merece entrar no seu repertório. Fazer pratos elaborados (quiche, estrogonofe) é bacana, mas acho ainda mais importante dominar preparações simples, como saladas. Nesse caso, salada com um único ingrediente.

Eu nunca tinha comido salada de pepino coreana. Na verdade, conheço pouquíssimo a culinária desse país (quando falam “comida coreana”, é da Coreia do Sul ou do Norte? A culinária é a mesma? Reparem no meu grau de ignorância…) Mas depois que minha irmã cozinheira começou a assistir Dorama ela passou a desejar comida coreana e a procurar – e fazer- receitas coreanas. Sorte nossa!

Como disse, essa salada é muito simples, embora use alguns ingredientes típicos que nem todo mundo tem em casa. Porém não são difíceis de encontrar e depois de fazer essa receita você poderá usá-los em muitas outras preparações. Coreanas, ou não.

Salada de pepino de inspiração coreana

Essa é uma versão mais simples, mas igualmente deliciosa, da salada coreana “oi muchim”. A original é bem picante e sinta-se à vontade pra acrescentar pimenta em flocos, se quiser uma salada mais “quente”. Minha irmã serve uma versão mais autêntica no café dela, e foi seguindo as instruções dela que passei a fazer essa salada em casa. Como nunca tem vinagre de arroz em casa, faço com limão, mesmo. Fica mais delicado com vinagre de arroz, porém o limão quebra o galho. As proporções dos ingredientes do molho são sugestões. Prove pra ver se está do seu agrado e adapte de acordo com o seu gosto.

1 pepino japonês (é o ideal, mas se não tiver, use um comum)

Pra fazer o molho:

2 colheres de sopa de shoyu (molho de soja)

2 colheres de sopa de óleo de gergelim torrado (tem que ser torrado!)

2 colheres de sopa de vinagre de arroz

1 colher de chá de açúcar

1 dente de alho amassado (pequeno)

1 colher de sopa de semente de gergelim

Fatie o pepino em rodelas finas. Eu uso uma mandolina (um tipo de fatiador de legumes), mas você consegue o mesmo efeito com uma faca afiada e bastante paciência.

Misture bem todos os ingredientes do molho (pode usar um garfo ou colocar tudo num potinho de vidro, tampar bem e sacudir vigorosamente). Prove e veja se precisa de mais acidez (mais vinagre), mais sal (shoyu) ou mais doce (açúcar) e corrija, se necessário. O molho deve ficar bem equilibrado: nem salgado demais, nem doce demais, nem ácido demais. Se tiver usando suco de limão, seu molho vai ficar mais ácido, então você pode corrigir juntando mais açúcar e/ou óleo de gergelim. Ou deixe mais ácido, mesmo, se gostar. Despeje o molho sobre os pepinos e mexa pra envolver tudo.

Em uma frigideira seca, toste levemente as sementes de gergelim, até dourar um pouco. Se tiver usando sementes tostadas, não precisa fazer isso. Salpique a salada com o gergelim. Sirva imediatamente ou deixe marinando um pouco na geladeira, pros sabores ficarem mais intensos.

Vegetal, ancestral e autêntico

Veja como são as coisas. Oito anos atrás eu postei um creme de castanha (pra passar na tapioca ou no pão), que chamei de “requeiju”. A receita levava missô, vinagre, levedura de cerveja e até polvilho. Desde então meu estilo culinário evoluiu e minhas receitas foram ficando mais simples e, na falta de uma palavra melhor, verdadeiras. Não que tivesse algo de falso nas receitas antigas, mas quanto mais meu tempo de vegana aumenta, mais me convenço de que o futuro não é apenas vegetal. Ele é vegetal, ancestral e autêntico. O que significa, pra mim, que a comida capaz de alimentar nosso futuro vem da terra (vegetal), é, na sua maior parte, nativa do território que os nossos pés pisam (ancestral) e respeita a integridade do alimento (nem é ultraprocessada nem ultracomplicada). Então deixa eu voltar pra evolução das minhas receitas.

Depois da versão elaborada que citei acima, comecei a fazer uma versão de queijo de castanha fermentado com kefir. Apenas 3 ingredientes: castanhas, água de kefir e sal. Postei essa receita aqui no blog no início do ano. É uma delícia e muito simples de fazer, mas vinha com uma complicação: pouca gente tem grãos de kefir de água em casa. Isso deixava minha receita inacessível pra maior parte das pessoas.

Até que umas semanas atrás minha irmã me contou que estava fermentando o queijo de castanha no café dela (o Libre) usando… nada. Isso se chama “fermentação selvagem”, que é quando você deixa um alimento ser fermentado naturalmente pelas bactérias que vivem no ar. Dá certo, pode confiar. E desde então é assim que faço queijo de castanha cremoso. Já atualizei a receita, incluindo a fermentação selvagem, e você pode ter acesso clicando aqui.

Fermentação selvagem é um aprendizado filosófico. Você tem que confiar em seres invisíveis, acreditando que eles estão ali na sua cozinha e que vão querer entrar no seu creme de castanha e transforma-lo em queijo. E tem que confiar que apenas os seres benignos vão entrar ali, e pra isso você vai ter que superar algo bem recente na história da humanidade, que é a desconfiança e até medo de toda comida que não sai de um pacote com uma data de validade impressa. Quando eu trabalhava numa queijaria vegetal em Berlim e postava (no meu finado perfil do Instagram) fotos do processo de fermentação, chovia perguntas sobre como saber a diferença entre “fermentado” e “estragado”. No processo de fermentação você vai precisar aprender a confiar no seu nariz e vai, tenho certeza, resgatar (ou conquistar) sua intuição culinária. Aquilo que pessoas que cozinham com frequência tem e parece um super-poder pra quem vive longe da cozinha: saber (olhando, cheirando e provando), entre outras coisas, quando uma comida está estragada.

Então uma receita tão simples quanto esse queijo de castanha fermentado tem o potencial de te convencer que o futuro é vegetal (pois não precisamos de exploração animal pra ter prazer na mesa) e te ensinar a confiar no alimento, nos seres invisíveis com quem dividimos esse planeta e em você mesma.

Termino com o meu lanche de hoje, que incarna lindamente minha filosofia na cozinha, coerente com minha ética antiespecista (e a luta decolonial e anticapitalista) e que mostra, mais uma vez, como minhas receitas seguem evoluindo.

Fiz um panqueca misturando carimã (macaxeira fermentada, também conhecida como “puba” ou “mandioca puba”) e cuscuz no leite de coco (um resto do jantar de ontem). Assei na frigideira, até ficar cozida e levemente dourada dos dois lados. Servi com creme fermentado de amendoim, que também foi atualizado hoje (está mais simples e mais rápido, sempre delicioso) e coentro. Macaxeira, milho e amendoim reunidos no mesmo prato. Três ingredientes dos nossos territórios, representantes fortes da nossa cultura alimentar. Um alimento fermentado tradicional, a carimã, junto com um alimento fermentado recente (mas pensado por um cozinheiro da Amazônia), que honra a comida da nossa terra e ajuda a descolonizar nossas práticas alimentares (xô, requeijão!). Se ficou gostoso? Ficou delicioso!

O final de junho

Semana passada tive a sorte de poder descansar longe da cidade por uns dias. O mês de junho foi intenso pra mim, porque a cuidadora da minha mãe saiu de férias e fiquei no lugar dela. Também foi o mês em que fiz minha estreia na sala de aula e me tornei educadora em um cursinho popular aqui em Natal. No final do mês eu estava exausta, com o juízo aperreado e com muita dificuldade pra funcionar durante o dia. Então assim que a cuidadora da minha mãe voltou, me dei folga da casa, do trabalho (todos eles) e da função de cuidadora. Fui pra uma cabana entre o rio e o mar e passei três gloriosos dias sozinha, sem falar com ninguém. Quer dizer, sem falar com ninguém da espécie humana.

Sempre fui introvertida, o que não é sinônimo de ser tímida. Mas sinto que os anos passaram e minha introversão aumentou muito. E como ela se misturou com um amor cada vez maior pela contemplação, hoje só penso em fugir pras montanhas (ou pra floresta). Vou continuar por aqui porque sou uma militante sincera e dedicada, mas juro que se todas as revoluções tivessem sido feitas, eu me embrenharia mato adentro e passaria o resto dos meus dias lavrando a terra, conversando com os bichos e tomando banho de rio.

Dois anos atrás li um livro que falava sobre como resistir à economia da atenção. O livro, escrito pela estadunidense Jenny Odell, se chama “How to do nothing”, mas foi traduzido pro Português como: “Resista – não faça nada”. “Economia da atenção” é um termo que eu descobri com esse livro e que nomeou algo que me incomoda profundamente há anos. A ideia, bastante difundida, de que “se é gratuito, então o produto é você” não é verdadeira. Nas redes sociais o verdadeiro produto, a moeda de troca mais preciosa, é a sua atenção. Como moro em um país onde o uso do celular/internet/redes sociais é bem menor do que no Brasil (nosso paí é o vice-líder mundial em uso de internet: cada brasileira passa nada menos que 9h32 por dia conectada, enquanto na França, a utilização diária é de 5h26), sempre que estou desse lado do Atlântico fico assustada ao ver como a atenção das pessoas é sugada em permanência pelo celular.

Consegui uma parte significativa da minha atenção de volta vivendo sem redes sociais, mas isso foi só metade da mudança. Escolher pra onde vai a atenção reconquistada é, talvez, a parte mais importante nesse processo de resistência à economia da atenção. Prestar atenção no que e em quem está ao meu redor não é nem um pouco difícil. Me perder nos meus pensamentos, passar horas escutando passarinhos ou observando minhocas é puro deleite pra mim. Às vezes eu sentava na frente da minha horta de quintal e passava um longo momento com o nariz quase dentro da terra, assistindo fascinada a tudo que se passava ali (minha horta era agroecológica e fervilhava com os mais diferentes tipos de vida). Então largar o celular é fácil. O verdadeiro desafio, pra mim, é conseguir me afastar dos compromissos e conseguir momentos de introspecção.

Na sociedade capitalista em que vivemos, onde se sobrecarregar de trabalho é a condição de sobrevivência de 99% da população, tempo livre é um luxo pra poucas. Mas estou falando aqui sobre escolher não deixar o celular drenar minha atenção em todos os momentos do cotidiano. E, quando as circunstâncias permitem, escolher dar minha inteira atenção ao mundo material ao meu redor e ao mundo imaterial dentro de mim. Semana passada vivi dias deliciosos de silêncio e encontros com animais outros que humanos. Nada alimenta mais minha alma que esses momentos.

E falando em alimento, praia é um dos lugares mais difíceis de encontrar comida (pro corpo) quando se é vegana e já escrevi sobre isso anos atrás (Praia vegana: guia de sobrevivência). As dicas que compartilhei naquele post ainda são válidas, só queria acrescentar que hoje, oito anos depois, minha alimentação está ainda mais simples, principalmente quando cozinho apenas pra mim mesma.

Gosto de comer tapioca no café da manhã, então levei goma fresca, mais alguns recheios (tofu mexido, queijo cremoso de castanha e muta’bal). Preciso comer feijão todo dia pra ficar feliz e levei feijão macaça, lá da terra do meu pai, que comi no almoço e jantar (temperado só com sal ou com verduras). Também gosto de comer tubérculos diariamente, então levei batata doce e cará, que entravam no prato com o feijão. E acompanhei todas as refeições com frutas. Como não ligo muito pra sobremesas nem doces em geral, levei apenas um pedaço de chocolate 100% (sim, totalmente amargo) e uma soda preta (quitute típico do meu território, feito com rapadura), que gosto de comer com café. Mas nada melhor do que lanchar frutas frescas, principalmente na praia.

O lugar onde me hospedei tinha a particularidade de estar exatamente onde um rio potiguar encontra o mar, então dependendo da maré, a baía era preenchida pelo mar (foto abaixo, à esquerda) ou pelo rio (foto à direita). O momento em que o rio voltava, empurrando a água salgada e verde de volta pro mar e inundando tudo com sua água doce e escura era de uma lindeza que enchia meus olhos de lágrimas. No primeiro dia fui surpreendida pelo espetáculo, mas depois passei a sentar e esperar por ele, e a alegria era tão intensa quanto da primeira vez.

Quando voltei pra casa e contei sobre a pororoquinha que eu via todos os dias, minha irmã perguntou por que eu não tinha filmado. A ideia de deixar de “viver o momento” pra “filmar o momento”, me pareceu revoltante. Me dá um arrepio de prazer saber que aqueles momentos estão guardados dentro de mim, sem cópias na memória do celular. Não me importo se minha memória (humana, logo, falha) vai deformar os acontecidos conforme o tempo for passando. Faz parte da vida. Também gosto de contar o que vi e vivi pras pessoas que amo, olhando nos olhos delas, ao invés de simplesmente mostrar algo numa tela. Sei que isso foi normalizado, mas ainda me incomoda muito quando o celular se faz presente nas conversas com pessoas que estão na minha frente.

Já estou mergulhada novamente na rotina, entre trabalho, militância e cuidados com minha mãe. Aliás, ela está precisando da minha atenção nesse momento preciso.

Termino esse post com mais um espetáculo: o pôr do sol atrás do rio.

A argamassa da vitória

Será que esse blog precisa de mais uma receita de farofa? Precisa, porque ainda não compartilhei aqui a farofa de banana caramelizada e cebola tostadinha da minha prima Íris. Nenhuma coleção de receitas que se preze (ou seja, que honre seu território e as comidas que vêm da terra) está completa sem ela.

Desde que fiz as pazes com a farofa, em meados de 2019, nossa história de amor seguiu firme e forte. A prova é que essa é a oitava receita de farofa que aparece nesse blog. Teve a farofa de banana e couve (diferente da farofa de hoje, juro), minha farofa rica, a farofa de beterraba da minha irmã, a nossa tradicional farofa d’água, a farofa de carne de caju, minha última criação em matéria de farofa, e a queridinha do meu coração, e até farofas quem nem farinha levam, como a farofa de cenoura da minha família, com farinha de rosca, e minha farofa de cuscuz com feijão e amendoim. Tem farofa pra todos os gostos.

E o que diferencia essa farofa das outras? Embora todas as farofas Papacapim sejam gostosas, essa aqui faz parte daquela categoria de receitas que parece que leva algum pozinho mágico e consegue agradar todo mundo. Embora eu ache minha farofa de caju o supra-sumo da deliciosidade, ela não agrada todo mundo (tem que gostar de caju pra gostar dela). Já a farofa da minha prima consegue traz aquela alquimia misteriosa que produz um resultado muito maior que a soma das partes (que são humildes: banana, cebola, farinha…) e é sucesso garantido com qualquer público. Tudo isso sem os artifícios da indústria alimentícia com seus produtos ultraprocessados viciantes. Acredito que o segredo seja o modo de preparo, por isso incluí fotos do ponto certo dos ingredientes que caracterizam essa farofa.

Faça essa receita se você gosta de farofa, mas também faça se não gostar de farofa. Talvez ela consiga te fazer mudar de ideia. Porque você também precisa de farofa na sua vida, companheira. Vou repetir a expressão da amiga pernambucana, que já compartilhei aqui em 2019: farofa é a argamassa da vitória.

Farofa de banana caramelizada e cebola tostadinha

Essa receita é uma das especialidades da minha prima Íris, que a chama simplesmente de “farofa de banana”. Ela faz essa farofa em todas as ocasiões especiais e é, pra mim, uma das melhores farofas do mundo! As quantidades são aproximadas, pois minha prima cozinha sem xícaras nem colheres medidoras, usando sempre o olhômetro. Aproveito pra lembrar o óbvio: gordura é essencial pro sucesso de qualquer farofa. (A única exceção que conheço é a farofa d’água) Ao invés de ter medo da quantidade de óleo aqui e tentar fazer uma versão “light”, sugiro uma alternativa. Coma farofa (da boa, sempre!), mas somente em ocasiões especiais.

1 cebola grande (branca, mas roxa também funciona)

4 dentes de alho

3 bananas médias (maduras, mas não moles)

2/3 de xícara de óleo + 1 colher de sopa (de girassol ou de soja)

3 xícaras de farinha de mandioca fina (peneire, se preciso)

Sal e pimenta preta

1 colher de sopa de açúcar (opcional)

Corte a cebola em cubos pequenos. Rale ou pile o alho e reserve. Coloque a cebola cortada em uma panela grande junto com 2/3 de xícara de óleo. Leve ao fogo médio, mexendo de vez em quando, até a cebola ficar bem dourada e reduzir bastante de tamanho. Ela tem que ficar bem tostadinha, já puxando pro marrom. Insisto nisso porque aqui está o segredo do sabor maravilhoso dessa farofa. Veja fotos abaixo pra entender o ponto. Se você não chegar nesse ponto, não garanto os resultados.

Mas cuidado pra não queimar: ela vai do dourado-escuro ao queimado em questão de segundos! Assim que atingir o ponto da foto acima coloque o alho picado/amassado, mexa e deixe fritar mais alguns segundos. Quando o alho também estiver bem frito, tempere generosamente com sal, uma pitada de pimenta preta e despeje a farinha, aos poucos, mexendo entre cada xícara. Deixe a farinha cozinhar alguns minutos, pra tostar um pouco, mexendo frequentemente. Prove e acerte o sal (farofa tem que ficar bem temperada, então não tenha medo de caprichar no sal). Reserve.

Descasque e corte as bananas em rodelas (nem muito finas, nem muito grossas). Em uma frigideira aqueça 1 colher de sopa de óleo e doure as bananas, em fogo médio-baixo, virando pra cozinhar dos dois lados. Tem que ficar bem dourada, começando a caramelizar, como na foto abaixo.

Quando as bananas estiverem douradas dos dois lados, polvilhe com 1 colher de sopa de açúcar e deixe caramelizar ligeiramente. Esse passo é opcional e você pode deixar o açúcar de fora, se preferir (principalmente se as bananas estiverem bem doces). Junte as bananas douradas/caramelizadas à farofa e misture bem. Sirva e se delicie. Rende uma quantidade boa de farofa e ela se conserva (fora da geladeira) por alguns dias.

O bolo preto da minha tia

Outro dia eu estava na feira do meu bairro e vi bolo preto na barraca das tapiocas. Adoro bolo preto e há anos não comia um. Me animei toda e comprei um pedaço pra tomar com café. Chegando em casa abandonei as frutas e as verduras no chão da cozinha, enchi uma xícara de café (ainda tinha um pouco na garrafa térmica que fica em cima da mesa) e sentei pra matar o desejo antigo. Que decepção! O bolo era seco, compacto e sem gosto. Uma vergonha chamar aquilo de bolo preto!

Pula pra algumas semanas depois. Tia Olizé, uma das irmãs da minha mãe, estava nos visitando e, não sei como, começamos a falar de bolo preto. Contei da minha decepção e expliquei que continuava com desejo de comer bolo preto, mas não sabia fazer. Ela disse: “Minha fia, é muito fácil!” e me contou como ela fazia. Eu queria fazer a primeira vez com ela pois, como toda pessoa que sabe cozinhar, ela não me deu medida nenhuma. Fiquei com medo de errar o ponto e ter outra decepção. Mas os dias foram se passando, minha tia acabou não voltando mais aqui em casa e a minha vontade de bolo preto só crescia. Eu poderia ter procurado em alguma padaria, mas depois de descobrir como minha tia fazia, minha intuição me dizia que o bolo dela era especial. Agora era o bolo dela que eu queria.

Ontem fizemos um adjunto na casa da minha mãe pra saudar São João (e São Pedro e Santo Antônio). Me ofereci pra preparar um bolo preto e logo depois mandei mensagem pra tia Olizé pedindo pra ela me repassar a receita dela, mas dessa vez com quantidades precisas. Ela respondeu por áudio e com a voz dela me guiando, foi como se ela estivesse na cozinha comigo. Apesar de ter ficado tensa algumas vezes, minhas dúvidas se dissiparam quando coloquei o primeiro pedaço (ainda quente) na boca. O sabor e a textura estavam muito, muito além das minhas expectativas. E o bolo foi um sucesso total com todas as pessoas que provaram. Algumas delas me disseram, inclusive, que tinha sido “o melhor bolo preto que já tinham comido”.

Algumas ressalvas sobre essa receita. Bolo preto não é pra todo mundo. A textura é densa e levemente gelatinosa, a léguas de distância da fofura que muitas pessoas associam à palavra “bolo”. O sabor é intenso e marcante. Eu o descreveria como uma rapadura cremosa perfumada com especiarias, mas menos doce e mais saborosa, por conta da castanha. É um bolo com caráter e personalidade. Ele sabe que não agradará todo mundo e está tranquilo com isso, pois vai ter sempre alguém que saberá apreciá-lo pelo que ele é. (Na vida, seja um bolo preto.)

Uma rápida busca pela internet me fez descobrir que algumas pessoas, principalmente de outras regiões, colocam macaxeira em seus bolos pretos. Vi até uma chef cearense usar carimã (macaxeira pubada/fermentada) na sua versão. E, o que me chocou bastante, vi pessoas no Sudeste colocarem ovos e até farinha de trigo nessa receita. Me parece correto dizer que no RN bolo preto é sempre feito com farinha de mandioca (é um bolo tradicionalmente sem trigo e sem glúten) e nunca, nunca entra ovo nem nada de origem animal em sua composição. É uma das nossas receitas tradicionais naturalmente vegetais (veganas). Sobre o nome, tem quem chame de “pé de moleque”, embora isso seja raro em terras potiguares. Li várias explicações pra origem desse nome e não gostei de nenhuma. Prefiro chamar de bolo preto, mesmo.

Se seu paladar é maduro (aprecia uma paleta de sabores muito variada, incluindo sabores marcantes) e você gosta de bolos densos (como meu bolo de macaxeira e coco, ou de carimã com goiabada), vai se encantar com essa receita. E se, assim como eu, você conhece e já gosta de bolo preto, saiba que essa versão é a “crème de la crème” dos bolos pretos.

Bolo preto de tia Olizé

Esse bolo é denso e quase cremoso, com um sabor marcante de rapadura e especiarias. Junto com um café amargo, ele é, pra mim, alegria comestível. Essa receita é da minha querida tia Olizé e ela usa uma técnica que nunca tinha visto antes. No final do texto incluí algumas dicas e explicações minhas. Aconselho ler tudo. Apesar de ser uma receita longa, o modo de preparo desse bolo é muito simples e está ao alcance até das pessoas que nunca fizeram um bolo na vida. E como ele não fica fofo, não tem como solar e dar errado.

1 rapadura preta (450g)

1 coco seco grande + 1 litro de água (pra fazer 1 litro de leite de coco)

2 xícaras de farinha de mandioca (fina – peneire antes, se for preciso)

1 colher de chá de cravo em pó

1 colher de chá de canela em pó

1 colher de sopa de erva doce

Pitada generosa de sal

1 1/2 xícara de castanha de caju + um punhado pra decorar

Comece preparado o leite de coco, como ensinei nessa receita. Você deve fazer 1 litro de leite de coco bem forte.

Quebre a rapadura em pedaços pequenos e leve ao fogo baixo junto com o leite de coco, pra fazer a calda de rapadura. Assim que a rapadura estiver completamente dissolvida, desligue o fogo e deixe esfriar. Enquanto isso passe a castanha no liquidificador (menos um punhadinho pra decorar o bolo) pra triturar miudinho. Pode fazer isso com a faca também. Unte com óleo uma forma média (quadrada é tradicional) e depois polvilhe com farinha de mandioca. É importante deixar a forma pronta pra receber a massa do bolo (você vai entender mais na frente).

Quando a calda de rapadura estiver quase fria (tudo bem se estiver levemente morna), junte a farinha de mandioca, as especiarias, uma pitada generosa de sal (pegue com 4 dedos) e a castanha picada. Misture com uma colher de pau ou, melhor, com um batedor de arame, pra que a farinha seja totalmente incorporada ao líquido. A gente faz isso fora do fogo pra não emboluar (é a mesma técnica pra fazer pirão). Agora você vai levar essa mistura ao fogo médio-alto, de preferência em uma panela grande e com o fundo grosso, mexendo sem parar com uma colher de pau. Assim que abrir fervura baixe o fogo e cozinhe, sempre mexendo, até a massa ficar bem encorpada. Cronometrei essa etapa pra te ajudar: foram 9 minutos, do momento que liguei o fogo até ficar pronto.

Transfira imediatamente a massa pra forma previamente untada/enfarinhada (essa massa, depois de cozida, endurece assim que começa a esfriar. Por isso é importante que a forma seja untada/enfarinhada previamente). Bata o fundo da forma contra um superfície dura (mesa, bancada) pra massa se espalhar em uma camada uniforme. Decore com o punhado de castanhas restante e leve ao forno médio-baixo (não precisa pré-aquecer). Deixe assar por 45 minutos (mais ou menos, vai depender do seu forno), ou até a superfície ficar bem seca (toque de leve com os dedos pra testar) e as bordas estiverem mais firmes.

Retire do forno e deixe esfriar completamente antes de degustar (enquanto estiver quente, esse bolo é bem cremoso. Só depois de frio que ele atinge a consistência desejada e pode ser cortado).

Sobre a rapadura

Tem vários tipos de rapadura, todas gostosas, mas pra esse bolo você vai precisar de rapadura preta. O nome do bolo, assim como o sabor característico, vem dela. O tamanho das rapaduras também varia. O tamanho do tijolo mais convencional vai de 450g a 600g. A minha rapadura tinha 450g e achei que ficou no ponto: doce o suficiente pra agradar quem gosta de açúcar, mas não excessivo pra uma sobremesa (brasileira).

Sobre o leite de coco

Use leite de coco caseiro, feito na hora. A versão industrializada é muito mais espessa (sempre tem espessante nos ingredientes) e, na minha opinião, o sabor é enjoativo. Na minha família é um insulto pra comida (e pra quem vai comê-la) usar leite de coco industrializado. Quebrar coco seco e rapar dá trabalho, mas felizmente aqui em Natal é fácil encontrar coco seco rapado na feira (não confundir com coco desidratada). Até o supermercado do meu bairro vende coco seco rapado congelado. Então compro sempre e congelo em porções pequenas. Pra fazer esse bolo usei o equivalente a um coco seco grande (aproximadamente 2 1/2 xícaras de coco).

Sobre as especiarias

Minha tia usa cravo inteiro e pila (num pilão pequeno) junto com a erva-doce. Eu tinha cravo em pó em casa e foi o que usei, mas pilei grosseiramente a erva-doce (depois de tostar alguns minutos numa frigideira seca pra intensificar o aroma). Algumas pessoas já fazem a calda de rapadura com as especiarias dentro (o cravo e a erva-doce inteiras) e deixam macerando enquanto a calda esfria. Depois coam o líquido (descartando as especiarias) antes de acrescentar os outros ingredientes.

Sobre a castanha de caju

Como a castanha usada na massa do bolo vai ser triturada, fica bem mais barato comprar castanha do tipo “quebradinha”, ou o xerém de castanha (a mais quebrada de todas, quase uma farofa). Aqui em casa sempre tem castanha quebrada (pra fazer leite e queijo), por isso usei as quebradas até pra decorar o bolo. Mas, tradicionalmente, as castanhas que decoram o bolo são inteiras, pra ficar mais bonito.

Aquela sobremesa com chocolate e banana

Foi assim. Minha irmã Lu, a outra cozinheira da família, fez uma sobremesa dias atrás. Ela inventou na hora: bateu bananas maduras no liquidificador e misturou com chocolate derretido. Depois colocou na geladeira e fez a alegria da família toda. Ficou firme o suficiente pra ser cortada em fatias, mas ainda cremosa o suficiente pra ser comida de colher, com um sabor bem equilibrado entre banana e chocolate. Quem provou, adorou!

Meu sobrinho mais velho comeu e ficou maravilhado. Dias depois ele quis reproduzir a receita na casa dele, mas Lu tinha apenas quantidades aproximadas (ela fez a sobremesa de improviso) e o meu sobrinho tem tendência a não seguir as instruções à risca quando se trata de comida. A versão dele ficou menos firme, mais gelatinosa. Ele tinha pouco chocolate em casa e acabou usando mais banana. O gosto de banana, obviamente, ficou mais pronunciado. Mesmo assim ele serviu coberta com amendoim e disse que ficou uma delícia, quase como um pudim, informação que a companheira dele confirmou.

Ontem fiz a minha versão. Tentei seguir as quantidades que Lu usou, mas como ela não tinha pesado, nem ela sabia com certeza. Mas entendi que ela tinha usado 1 parte de banana pra 1 parte de chocolate (no peso). Só que hoje, quando fui provar a sobremesa, vi que tinha entendido errado: a minha versão ficou muito mais densa do que a versão original. Entendi que tinha usado mais chocolate do que Lu, por isso estava com textura de trufa. Cobri com gergelim torrado (torrei em casa) e achei uma delícia, embora a proposta seja outra.

Moral da história: independente da quantidade de chocolate/banana que você usar, vai dar certo. O produto final pode variar do pudim à trufa, mas embora com texturas diferentes e com sabor mais acentuado de banana ou de chocolate, dependendo do ingrediente que você usar em maior quantidade, você vai ter uma sobremesa gostosa e ridiculamente simples. E foi exatamente essa simplicidade extrema que me encantou.

Essa sobremesa só leva dois ingredientes: bananas e chocolate (em barra). Não precisa levar ao forno e o tempo de preparo é curtíssimo, então é nível iniciante++. E, nos dias de festa, ou pra varias os prazeres, você pode incrementar com castanhas, amendoim ou gergelim. Imagino que se quebrar uns biscoitos sem recheio dentro, pode virar uma “palha italiana”. Na versão mais cremosa, consigo visualizar pedaços de frutas frescas ali dentro (morango? abacaxi?). Na versão mais densa, você pode enrolar como trufas. Ou seja, as possibilidades são inúmeras.

Aquela sobremesa com chocolate e banana

Use o melhor chocolate que encontrar. Quanto mais forte em cacau, mais amarga ficará a sua sobremesa. Lu usou um chocolate com 65% de cacau e a doçura ficou bem equilibrada. Eu, que como chocolate 100%, usei chocolate 75% e o resultado talvez seja amargo demais pra maioria das pessoas, acostumadas que são com as nossas sobremesas exageradamente doces. Quanto mais chocolate você usar, mais densa ficará sua sobremesa. Tendo em vista que chocolate de qualidade é caro, não é uma sobremesa barata. Mas como ela só leva chocolate e banana, não me parece algo excessivo, se decidirmos que vamos fazer essa sobremesa só de vez em quando, pra se fazer um mimo.

Bananas maduras

Chocolate em barra (50%, 65% ou 75%, de acordo com o seu gosto – leia explicações acima)

Opcional: castanha, amendoim ou gergelim

Pra fazer uma sobremesa bem cremosa, mais pro pudim e com bastante gosto de banana, use aproximadamente 4 partes de banana pra 1 parte de chocolate (no peso). Por exemplo: 50g de chocolate pra 200g de banana. (versão 1)

Pra fazer uma sobremesa densa, mas ainda cremosa, a minha textura preferida aqui, use 2 partes de banana pra 1 parte de chocolate. Por exemplo: 100g de chocolate pra 200g de banana. (Versão 2)

E pra fazer uma sobremesa com textura de trufa (como nas fotos desse post) use 1 parte de banana pra 1 parte de chocolate. Por exemplo: 200g de chocolate pra 200g de banana. (Versão 3)

Nos 3 casos, usando 200g de banana você vai obter uma sobremesa pequena.

Derreta o chocolate no banho-maria ou no microondas. Bata as bananas (descascadas e MADURAS) no liquidificador, sem acrescentar líquido nenhum. Quando estiverem bem cremosas, junte o chocolate derretido e bata até ficar completamente homogêneo. Você vai precisar parar o motor e mexer com uma espátula algumas vezes.

Transfira a mistura pra um recipiente forrado com papel filme (somente se estiver fazendo as versões 2 e 3 e quiser desenformar depois) e com tampa. Deixe na geladeira, tampado, pro chocolate firmar e a sobremesa ficar no ponto certo. O ideal é deixar na geladeira de um dia pro outro, mas se quiser acelerar o processo pra degustar mais rápido, deixe no congelador por 1 hora (se estiver usando quantidades maiores, deixe por mais tempo).

No hora de servir, desenforme e, se desejar, salpique com castanha ou amendoim torrado e picado, ou gergelim torrado. Deixe em temperatura ambiente por alguns minutos pra derreter um pouquinho e as castanhas/amendoim/gergelim aderirem à superfície. Se conserva na geladeira, em recipiente fechado, por vários dias.