O melhor de maio

Estava aqui pensando com meus botões quando me dei conta que hoje é primeiro de junho! Parece que quanto mais intensos os dias, mais rápido eles passam. Aí tive uma ideia: guardar num cantinho esses pequenos momentos de alegria que passam por nós e a gente esquece quase que instantaneamente. O cantinho, no caso, é esse blog. O mês de maio foi rico em emoções e atividades. Muita alegria, pontuada por alguns momentos intensos de tristeza. Ou seja, a vida sendo a vida. Vou reunir aqui os melhores momentos do mês e, quem sabe, começo uma tradição no blog.

O mês começou com uma viagem a outra cidade pra comprar composto pro lote que cultivamos coletivamente nos Jardins Operários (nós = nosso coletivo de solidariedade popular). Nesse lugar você pega a pá e enche os sacos de composto (100% vegetal) com o suor do próprio rosto. O carro é pesado na chegada e em seguida na saída, depois de colocar os sacos de composto dentro, e assim sabemos quantos quilos levamos pra casa (o composto é vendido na tonelada). Éramos três mulheres e em uma hora carregamos a van (emprestada) com 750 kg de composto. O funcionário do local ficou impressionado com a nossa força (ele tinha olhado pra nossa cara na chegada e nos julgou fraquinhas). Respondemos: “Normal, somos lésbicas” e deixamos ele lá sem entender. (Segundo a minha melhor amiga, somos “lésbicas de sítio”. Ela diz que é uma categoria real: a lésbica que tem força no muque, entende de motor de carro a encanamento de cozinha e te tira de qualquer sufoco.)

Comecei a plantar a horta que cultivo no quintal. Sim, sou lavradora de quintal e isso me deixa profundamente feliz. Acontece que no início de maio ainda chovia um pouco e as lesmas sempre invadiam tudo depois da chuva. Eu plantava à tarde, chovia à noite e na manhã seguinte eu encontrava meu brotinho devorado pelas lesmas. (À esquerda: girassol. À direita: tagete). Nesse ponto eu só estava plantando flores e deixei pra plantar os legumes mais tarde, quando as chuvas tivessem parado.

Enquanto isso eu ia protegendo minhas flores como dava, com garrafas PET e outros recipientes de plástico. Felizmente a maior parte sobreviveu.

Plantei dois pezinhos de morango na horta e a primeira rosa do ano desabrochou no jardim.

Pascu seguiu representando sua categoria com orgulho e dormindo em todas as minhas roupas lavadas. As danadinhas das lesmas conseguiram, não sei como, entrar dentro de casa e comer meus brotinhos de couve. Acordei um dia e flagrei essa sapeca com a boquinha cheia de couve (juro!). Eu passei um sermão nela e a coloquei de volta no jardim, explicando que ela podia comer aquilo tudo ali.

Anne foi pra Palestina no início do mês e só volta em junho. Pela primeira vez pude desfrutar da casa só pra mim. Quer dizer, pra mim, Pascu e Satã, os gatos que moram com a gente (na primeira foto Pascu está dormindo no sofá-almofada, Satã está dormindo na poltrona). Faço parte do grupo de pessoas que adora morar sozinha e que curte momentos de solidão, então foi uma delícia. Também faço parte de um outro grupo, o grupo de pessoas casadas que acha que o segredo de uma relação duradoura é ter muitos momentos longe da esposa. Adoro. Aproveitei o tempo extra esse mês pra começar (finalmente!!!) a escrever o manifesto antiespecista que venho prometendo há anos (sim, na foto o computador está com o whatsapp aberto, mas juro que sentei a bunda nessa cadeira e trabalhei assiduamente no manifesto).

A luta pra salvar os Jardins Operários de Aubervilliers da destruição continua (contei tudo no podcast “Jardins da Comuna” e se você ainda não ouviu, corre lá) e dia 8 de maio fizemos a “Festa dos Jardins em Luta”. Nosso coletivo de solidariedade popular (BSP = Brigadas de Solidariedade Popular) tem uma cozinha solidária (que em Francês chamamos de “cantina solidária”) desde o ano passado e fomos nós que cozinhamos toda a comida pra festa, que reuniu cerca de 200 pessoas. Nossa cozinha é 100% vegetal e fui eu mesma que escrevi a mensagem acima (“Em solidariedade política com os animais, nossa cantina é vegana”). Usamos legumes de descarte (é assim que nossa cozinha solidária funciona) e legumes dos lotes, compartilhados pelas próprias operárias e operários que cultivam ali. Foi lindo demais.

Como parte da programação da festa dos jardins, nosso coletivo propos uma oficina de horta em lasanha (técnica pra plantar em camadas, que aprendi com uma das mulheres incríveis que cultivam nos Jardins Operários), pra compartilhar o conhecimento com a galera. Várias pessoas do bairro vieram aprender com a gente e aproveitamos a mão de obra voluntária pra fazer as lasanhas do nosso lote.

Fiz panquecas “americanas” pra minha namorada e o sucesso foi tamanho que repetimos a receita mais duas vezes esse mês. Fiz essa receita gringa aqui, mas adaptada (troquei o “cream cheese” por iogurte de coco e deixei o sal de fora). Ela gosta de comer coisas doces no café da manhã e até eu, que não gosto, adorei essas panquecas. Tanto que um dia fiz só pra mim, pro lanche da tarde. Comi no jardim, lendo o melhor livro que li esse ano. Se chama “As impacientes”, da escritora feminista camaronesa Djaïli Amadou Amal).

A raiva que sinto quando vejo frutas do Brasil pra vender aqui… E algumas vêm de avião! (Certo, isso não faz parte dos melhores momentos de maio, mas eu não queria passar raiva sozinha.) Entenda a minha raiva lendo essa reportagem do Joio e o Trigo. E o melão, que está secando a água no meu estado?

Tem que cuidar muito do mental e do físico pra aguentar o tranco. Então esse mês voltei pra terapia (tinha interrompido no final do ano passado) e passei a praticar ioga com mais regularidade. Isso quando Pascu deixa, claro. Por que gatos adoram tapetes de ioga? Nunca saberemos. Outro grande momento de alegria do meu mês foi descobrir que só tem duas pessoas entre eu e Brigitte Vasallo. Uma grande amiga minha tá namorando um boy que é unha e cutícula da escritora. Ela é o maior crush da minha vida, então imagina aí a minha emoção.

Participei de uma conversa com Nanda e Efe, junto com Ellen, transmitida pela rádio do MST, durante a feira de reforma agrária em São Paulo. Não ficou gravada, porque é rádio, mas foi muito bacana. Fico feliz demais com essa aproximação com o MST. (Não sabe o que o MST tem a ver com veganismo? Descubra aqui)

Na parte doída-triste-alegre-bonita, passei muito tempo com a minha namorada, de quem estou me separando. Nossa relação durou dois anos e o fim está sendo um processo. É um momento de reflexão e de crescimento, mas com muito, muito amor. Um dia escrevo mais sobre isso. Cozinhei bastante pra ela esse mês e essa torta de cebola roxa com azeitona foi um dos pratos que apareceu na nossa mesa em maio. Enquanto navegamos sem bússola pelas águas do fim de um tipo de relação -e começo de outra-, alheios a tudo isso, os morangos crescem na horta.

E falando em horta, lá pelo dia 20 plantei todos os pés de tomate (14 variedades!), jerimum, couve, couve-flor, brócolis, beterraba… Felizmente as lesmas estão se contentando das folhas que coloco ao redor das mudas pra elas e tá tudo indo muito bem.

Na mesma semana plantamos os pés de tomate no nosso lote, nos Jardins Operários. Lá também plantamos abobrinha e berinjela. A gente se reveza, entre camaradas, pra aguar as mudas e pelo menos uma vez por semana nos encontramos lá pra cuidar da manutenção do lote. Queríamos um lote coletivo pra plantar comida pra nós, claro, mas também pra poder compartilhar a alegria de trabalhar a terra com as pessoas que participam das nossas atividades (migrantes em situação de rua, menores refugiados, famílias em situação de vulnerabilidade econômica). Está sendo incrível e olha que ainda nem deu tomate!

Pausa pra admirar as rosas que uma camarada de coletivo, e vizinha, me deu (do jardim dela). Porque queremos pão, mas queremos rosas também. Outra pausa pra admirar o fato de eu estar em processo de fazer as pazes com meu melasma. Tirei essa foto pra mandar pra uma prima, que também tem melasma (temos um grupo de apoio só com nós duas). Repare que estou com protetor solar com cor aqui, então sem essa camada aí as manchas são bem mais escuras. Mas estou aprendendo a aceitar que é isso, mesmo. Processos, processos. A vida é feita de processos. (Por favor, não me recomende tratamentos pra melasma. Eu já tentei vários e estou numa fase em que só quero me amar e ser feliz. Tire o seu ácido do caminho que eu quero passar com a minha pele de mulher de 41 anos que nem sempre se protegeu do sol. Tô bem, me acho top pra minha idade, beijo, tchau.)

Mais pro final do mês, quando a temperatura já tinha aumentado o suficiente, plantei as mudinhas de berinjelas palestinas que minha amiga Draguitsa me mandou de presente (ela mandou as sementes). É uma semente crioula, selecionada pra suportar o calor da Palestina, então não sei se ela vai gostar de crescer na Europa. Estou torcendo que sim. A segunda rosa do meu jardim se abriu e à partir daí foram rosas e mais rosas todos os dias. A primeira coisa que faço quando acordo é ir até a roseira e cheirar uma rosa. Recomendo.

Segui trabalhando no manifesto, com a ajuda de Satã. E colhi minhas primeiras ervilhas tortas (na verdade a primeira colheita da horta esse ano). Elas foram plantadas no final do ano passado, junto com as favas.

Outro grande momento do mês: o lançamento do nosso coletivo antiespecista aqui na periferia. Começamos a nos reunir em setembro do ano passado, uma vez por mês, e dia 27 fizemos o lançamento público em grande estilo. Foi na ocupação onde mora a minha namorada, que também é uma camarada do coletivo, e teve brunch (cozinhado por nós, com comida de descarte), sessão de filmes sobre o antiespecismo e três mesas redondas. Uma sobre antiespecismo e feminismo, outra sobre antiespecismo e ecologia e uma terceira sobre antiespecismo decolonial (eu que organizei essa mesa). Nossa intenção era mostrar que as lutas da esquerda (e a esquerda radical em si) não podem mais se dar o luxo de ignorar a luta antiespecista. Por isso o título: “Nossas lutas não são desertos antiespecistas”. O evento foi um sucesso e fiquei impressionada com a quantidade de pessoas antiespecistas que moram na nossa periferia. Mês que vem vai rolar o segundo encontro e acho que esse é o começo de algo muito importante. (No prato tem: bolo de pera e chocolate, bolo-pudim de damasco e abacaxi, pepino com hortelã, pão, brócolis confitado e tofu mexido com creme de castanha.)

Depois de uma semana inteira preparando o evento de lançamento do coletivo antiespecista, você pensa que descansei? No dia seguinte nossa cozinha solidária tinha que preparar mais uma refeição pra uma atividade nos jardins: o encontro da coalizão nacional dos jardins operários em luta. Nosso grupo recebe muitos pedidos pra cozinhar em eventos militantes e, apesar de estarmos sempre cansadas e ocupadas, quase sempre aceitamos porque é uma oportunidade pra falar de antiespecismo com outros movimentos. Passei a noite do sábado (depois do evento antiespecista) e a manhã do domingo cozinhando com uma camarada do coletivo (que acontece de ser também a minha namorada. Por isso tiramos onda nos chamando reciprocamente de “camarada meu amor”. Porque anarquistas não se levam a sério, mesmo). O almoço foi um sucesso, mas como não tirei foto nem da comida nem do evento, deixo vocês com fotos dos Jardins Operários, suas cabanas de madeira, suas rosas magníficas e as framboesas do nosso lote, que tinham acabado de aparecer.

Já no finalzinho do mês fui levar minha solidariedade pros nossos amigos afegãos, que são entregadores de aplicativo (de bicicleta). Conheci vários quando trabalhei em uma mercearia chique em Paris, ano passado, e como muitos moravam na minha periferia, acabamos nos aproximando. Eles estavam precisando de ajuda pra resolver uns perrengues administrativos e como não falam Francês, fui lá ajudar os companheiros. Que aflição ser refugiada indocumentada, sem falar a língua do país, e com problemas pra resolver no telefone. Depois de horas no telefone com uma ruma de gente que não queria ajudar, fui recompensada com uma refeição preparada por eles (delícia!), toda vegetal, e com um chá de açafrão que um dos companheiros trouxe do Afeganistão. Imagina atravessar meio mundo com essa preciosidade. Ele guarda a garrafinha no quarto e só compartilha com visitas especiais. Me senti realmente muito especial. E o chá é muito gostoso!

A primeira colheita de favas da horta. Comi temperada com um punhadinho de coentro, também da minha horta. Eu amo favas. Profundamente.

Comi os primeiros morangos da horta. Segui colhendo as folhas plantadas (acelga e alface) e as que nascem de maneira espontânea no jardim (dente-de-leão, hortelã) a cada refeição. As primeiras flores que plantei pras abelhas se abriram. Coloquei urtigas (do nosso lote, nos jardins operários) em uma quantidade enorme de pratos. E tiveram mais momentos de alegria, outros de tristeza. Coisas mais ou menos íntimas, mas esse post já está longo demais. Espero que o mês de maio tenha sido florido e gostoso pra você também.

2 comentários em “O melhor de maio

  1. Oi, Sandra! Lendo o seu melhor de maio me dei conta que nesse mês fiz sua receita de arroz com legumes e molho de amendoim duas vezes: no almoco de 1° de maio com minha mãe e, depois, no dia 21, numa marmitinha enviada para minha melhor amiga que assim como eu ficou comovida pela potência do poema e da receita.

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