O Rubacão de Fran

Quem leu meu último post sabe que falei de pratos completos como uma maneira de sair da estrutra culinária especista (carne animal + vegetais como acompanhamentos). Apesar de ser a maneira que cozinho no dia-a-dia há muitos anos, porque é mais prático, rápido e suja menos louça, além de reciclar os restos da geladeira, percebi que tem poucas receitas de pratos completos aqui no blog. Vim engrossar a lista com mais uma e não é qualquer uma, não! Hoje vou compartilhar a receita do famoso rubacão de Fran. 

Conheci Fran através de uma amiga de Recife, Camila, que é uma das leitoras mais antigas do blog. E além de ser uma pessoa maravilhosa, Fran é cozinheira e vegana. Ela cresceu entre o Norte e o Nordeste, mas a família dela é da Paraíba. E na Paraíba tem o quê? Rubacão.

Se você nunca ouviu falar nesse prato emblemático da Paraíba, deixa eu começar dizendo que ele é bem controverso. Algumas pessoas pensam que “rubacão” é sinônimo de “baião de dois”, mas são pratos distintos, apesar de parecidos. Enquanto o baião de dois é composto por arroz, feijão verde, carnes e, opcionalmente, queijo, o rubacão tem tudo isso mais uma dose obscena de nata. Ou seja, dá pra resumir dizendo que é um baião de dois cremoso. Mas aí tem gente que coloca nata no seu baião de dois e a coisa fica confusa. 

Outra informação importante sobre o rubacão: ele é feito com arroz da terra (arroz vermelho), um arroz típico da Paraíba. Esse é o meu arroz preferido e além de ter um sabor maravilhoso, ele é muito rico em amido e adquire uma textura ultra cremosa depois de cozido. É por essa razão que, no RN, sempre preparamos arroz da terra no leite (de vaca ou de coco). 

E como se faz um prato tão especista, com tantos pedaços de animais e suas secreções, em versão vegetal (“vegana”)? Fran tem o segredo. 

A cremosidade, que seria dada pela nata, fica por conta de uma mistura de leite de coco e de amendoim (ambos frescos). Como ela defuma o coco antes de fazer o leite, o prato tem um gostinho defumado que, na cozinha especista, é trazido por algumas carnes de animais. E, falando em carne, na versão vegetal tem cogumelos que, pra mim, é a verdadeira carne da terra, tanto pela textura quanto pelo sabor intenso. O resto segue igual: feijão verde, arroz da terra, coentro, cebola, alho…

Fran usa feijão verde, o que é tradicional no rubacão, mas ouso sugerir (que a deusa tape as oiças de Fran pra ela não ouvir isso!) que com feijão macaça fica ainda melhor.  Pra quem não tem acesso a feijão macaça nem ao feijão verde (que é o feijão macaça colhido antes de amadurecer), o fradinho pode ser usado aqui também. 

Rubacão é um dos meus pratos preferidos e uma riqueza da culinária nordestina. É uma receita elaborada, o que contradiz a declaração que fiz no início desse post (“pratos completas são mais simples e sujam menos louça”). Mas entenda que se trata de um prato pra comemorar ocasiões especiais. Como cada passo dado em direção ao fim do especismo e da supremacia humana.

O rubacão de Fran

Use uma proporção de 2/3 de feijão verde pra 1/3 de arroz cru. Ou, se tiver usando feijão macaça, que é seco, use 1 parte de feijão cru pra 1 parte de arroz cru. A diferença é que feijão verde não aumenta quase nada depois de cozido, contrariamente ao feijão macaça (que dobra de volume). No final queremos aproximadamente a mesma quantidade de feijão e de arroz cozidos. O resto vai sem medidas exatas, basta usar um pouco de bom senso culinário e se deixar guiar pelos seus gostos.

Feijão verde (ou macaça ou fradinho)

Arroz da terra (vermelho)

Amendoim cru

Coco seco

Cogumelo shimeji fresco

Cogumelo shitake seco

Cebola

Tomate

Coentro

Alho

Óleo

Sal e pimenta preta

Na véspera: 

– Coloque o amendoim (descascado, mas com a película) de molho em bastante água fria. Ele deve ficar de molho por pelo menos 12 horas. 

-Coloque o feijão macaça, ou fradinho, de molho (Não precisa fazer isso se estiver usando feijão verde).

-Coloque o arroz da terra de molho (Fran não faz isso, mas eu acho importante pro arroz cozinhar mais rápido e de maneira mais homogênea).

No dia seguinte:

Escorra a água da demolha e bata o amendoim com água limpa. Use aproximadamente 1 medida de amendoim (escorrido) pra 2 medidas de água. Deixe o liquidificador funcionando até a mistura ficar bem macia. Coe o leite de amendoim (idealmente usando um voal, mas pode usar uma peneira de metal fina, se não tiver) e leve ao fogo até ferver (essencial, pois esse amendoim aí tá cru!). Você vai perceber que o leite vai engrossar, o que é normal (e desejável). Reserve.

Faça o leite de coco como ensinei aqui. Se quiser fazer como Fran, coloque o coco seco (depois de ter feito um furo pra retirar a água – procure o olho do coco) diretamente na chama do fogão até ele ficar levemente chamuscado. Isso vai perfumar o coco e seu leite vai ficar com um gostinho de defumado. Depois é só seguir as instruções da receita de leite de coco.

Escorra o feijão macaça (ou fradinho) e cozinhe na pressão com um pouco de sal. Se estiver usando feijão verde, cozinhe em bastante água salgada, mas em uma panela comum (feijão verde  é fresco cozinha muito mais rápido que feijão seco). 

Em outra panela, cozinhe o arroz da terra (pode ser na água do molho) com um pouco de sal até ficar macio. 

Ferva um pouco de água e jogue por cima do cogumelo shitake seco (o suficiente pra cobrir tudo). Deixe hidratar, coberto, por pelo menos 20 minutos. Não precisa usar muito shitake, um punhado já é suficiente pra perfumar uma panela de rubacão.

Enquanto o feijão cozinha e o shitake hidrata, prepare os outros ingredientes. Pique a cebola, o tomate (em quantidades iguais) e o alho e reserve em recipientes separados. Corte (ou rasque) o shimeji em pedaços grandes. Escorra o shitake que estava de molho (reserve o caldo) e corte em pedaços miúdos.

Agora você tem todos os elementos do rubacão (feijão cozido, arroz cozido, leite de amendoim, leite de coco, shitake hidratado e verduras picadas) e só falta juntar tudo e finalizar.

Em uma panela grande e, idealmente, com o fundo grosso, refogue o cogumelo shimeji em um pouco de óleo até ficar bem dourado. Retire da panela e reserve. 

Na mesma panela (não precisa lavar), junte um pouco mais de óleo e refogue a cebola. Quando estiver começando a dourar, junte o alho e refogue por mais alguns segundos. Acrescente o tomate e deixe cozinhar no fogo alto, mexendo de vez em quando, até se tornar um molho espesso. 

Despeje o arroz cozido, o feijão cozido, o shimeji salteado, o shitake hidratado e o caldo do shitake nessa panela, sobre o molho de ceboa/tomate e misture bem. Junte partes iguais de leite de amendoim e de coco, tempere com sal e pimenta preta a gosto e cozinhe em fogo baixo, até tudo ficar borbulhante e bem espesso. Se preciso, vá acrescentando mais leite de coco e de amendoim aos poucos. O rubacão deve ficar bem cremoso, como um risoto. Prove e corrija o sal/pimenta, se necessário. 

Por último junte bastante coentro picado, mexa uma última vez, apague o fogo e deixe descansar, coberto, por uns 15 minutos antes de servir. O sabor fica ainda mais apurado depois do descanso.

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