Junho

Mês passado fiz um post que chamei de “o melhor de maio” e disse que talvez virasse uma tradição mensal nesse blog. Redes sociais acostumaram o pessoal a ver tudo que todo mundo faz (e pensa) em tempo real. Embora eu não queira mais isso pra minha vida, compartilhar momentos do meu dia-a-dia uma vez por mês é uma maneira de trazer as pessoas que leem o blog mais pra perto do meu cotidiano, mas de maneira menos invasiva (pra mim). Estou atrasada pra falar do mês passado, mas bora lá. Fazer um diário visual de um mês inteiro renderia um post longo demais e nem tudo que faço, eu desejo compartilhar. Então aqui estão alguns momentos (escolhidos) que vivi em junho.

Junho é o mês da transição entre primavera e verão e as flores, principalmente as rosas, causaram uma explosão de cores nos jardins (o daqui de casa e os Jardins Operários).

Anne voltou da Palestina, onde ela esteve trabalhando por um mês, e trouxe presentes das minhas amigas que moram lá. Melado de romã, feito por Dragiša e essa bolsinha zapatista, enviada por Tati. 

As cerejeiras dos jardins operários estavam carregadas, mas esse ano não foi um bom ano pra cerejas, e muitas apodreceram no pé. Mas um belo dia de junho, um coletivo amigo conseguiu uma quantidade imensa de cereja (orgânica) de descarte e voltei pra casa com uma caixa cheia dessa preciosidade. Cerejas são uma das frutas que você só consegue comprar na estação e são bem caras. É fruta de gente rica, por isso não compro quase nunca. Então aquela caixa era um tesouro pra mim. Fartura. Agora é esperar até o ano que vem pra comer cereja novamente.

Degustei, feliz da vida, as favas que plantamos no quintal. Adoro fava e esse ano descobri, graças à uma amiga que também tem uma horta nos Jardins Operários, que quando elas são bem jovens dá pra comer com casca e tudo, sem debulhar, como uma vagem. Aqui fiz um macarrão com molho de urtiga e favas frescas, mais salsinha. E uma salada de folhas de beterraba, alface e dente de leão. Tudo, com excessão do macarrão, veio da nossa horta. 

Também foi o mês das framboesas. No lote que o nosso coletivo cultiva nos jardins operários tem vários pés. Nunca comi framboesas tão deliciosas, e tão grandes, na minha vida. Comi até no café da manhã, em cima da aveia dormida (mais amêndoas de cacau e castanha do Pará, que trouxe do Brasil).

A okupa que nos servia de base foi fechada e foi um momento triste pra todos os coletivos do território, pois era um lugar estratégico pra organizar as lutas aqui. Mas a gente sabe que ocupações são efêmeras e essa conseguiu sobreviver por três anos, o que é um milagre. Felizmente, as pessoas dessa okupa já encontraram outro imóvel pra fazer uma nova ocupação e passamos o mês inteiro fazendo a mudança (todos os coletivos ajudaram). Puxei, pela primeira vez, uma carrocinha na bicicleta, pra ir buscar comida de descarte pro pessoal de lá. Preciso dizer que caí no primeiro dia. Mas no segundo consegui fazer a viagem sem problemas, apesar da carga ser ainda mais pesada do que no dia anterior. Quando a gente diz que a militância é uma escola, acho que muita gente não imagina a imensa variedade de coisas que aprendemos nela.

Tomamos café da manhã todos os dias no jardim e isso, pra mim, é a definição de luxo.

Descobri que a borragem é rosa quando desabrocha, mas em poucas horas ela fica azul. (Observar o jardim e a horta são minhas atividades preferidas no momento.) Plantamos várias borragens na horta dos tomates porque as abelhas amam essa flor. E a gente ama as abelhas. Sabia que a borragem é comestível e tem um leve sabor iodado que algumas pessoas acham parecido com ostra? Não posso confirmar, nunca comi ostra na vida, mas adoro o sabor dessa flor. Só não como tudo na salada porque elas são mais importantes pras abelhas do que pra mim. 

Pelo segundo ano consecutivo organizamos uma festa pras crianças do CoHab onde fazemos, todo domingo, atividades de educação popular. Levamos um forno de pizza (emprestado) pra lá e cada criança pode fazer sua pizza com a massa, molho e legumes que tínhamos preparado. Como nosso coletivo se comprometeu com a luta antiespecista, toda a comida que preparamos/oferecemos é vegetal. Talvez surpreenda algumas pessoas me lendo, mas nenhuma criança estranhou a falta de produtos de origem animal e, mais uma vez, as pizzas foram um grande sucesso. Foi um dia inteiro de trabalho, sem contar o trabalho na semana anterior pra preparar a festa, que também teve muitas atividades lúdicas, e muitos braços pra acompanhar as crianças no preparo de 40 pizzas, além de cuidar do forno. Mas como esses momentos de partilha com a nossa comunidade são preciosos! A luta não é só uma lista de tarefas e sacrifícios: ela também oferece alguns dos momentos de maior alegria da minha vida. 

Umo, um dos habitantes da nossa casa, resolveu voltar. Ele decidiu sair de casa há uns três anos, e passou a morar na rua e a nos visitar somente de vez em quando. Mas parece que ele cansou da vida itinerante, pois umas semanas atrás ele se instalou no minúsculo jardim na frente da casa. Ele se recusa a entrar em casa, porque não se entende com os outros gatos moradores daqui, mas a gente coloca água e comida pra ele lá fora e pelo menos uma vez por dia saímos pra dar carinho pra ele. Apesar de preferir a liberdade da rua e de ter se emancipado das humanas que viviam com ele, Umo adora carinho e ainda pede nossa companhia de vez em quando. 

Esse mês também levei várias turmas de crianças de dois jardins de infância do bairro pra visitas as hortas dos Jardins Operários. Guiar turmas de escola nos jardins é uma das minhas tarefas no Coletivo de Defesa dos Jardins. É uma delícia ver as crianças se maravilharem diante das flores, das borboletas e descobrirem os legumes crescendo nos pés. Aproveito pra conversar com as crianças sobre comida vegetal e até provamos algumas coisas pelo caminho.

Mais pro final do mês aconteceu um encontro militante no interior da França, organizado pelo nosso coletivo de solidariedade popular. Convidamos alguns coletivos de outros territórios e foram 3 dias de muita troca e banho de rio. Eu organizei uma oficina chamada: “O lugar do antiespecismo nas nossas lutas” e fiquei muito feliz em ver a quantidade de pessoa que participou. Foi o primeiro encontro inter-coletivos que organizamos depois de termos decidido colocar a luta antiespecista na nossa declaração de princípios e, pela primeira vez, a comida foi totalmente vegetal e só recebemos elogios.

Mas teve um problema. Um problema de 14kg. Preparamos uma parte da comida antes de pegar a estrada, no dia anterior, e todo o hummus que eu tinha preparado fermentou. Sete potes de 2kg cada, ou seja, 14kg de hummus!!! Eu cheirei e provei tudo e decidi que dava pra comer um dos potes que tinha fermentado menos que os outros. Fomos na fé e todo mundo sobreviveu sem nem mesmo uma dor de barriga. Infelizmente tivemos que jogar o resto fora e isso me partiu o coração. 

Na volta pra minha periferia, no norte de Paris, fui cuidar da horta. Os pés de favas estavam secando (todas as favas tinhas sido comidas por nós). Arranquei tudo, agradeci pela comida oferecida e pelo nitrogênio que elas levaram pra terra, que vai beneficiar todas as outras plantas que crescem ali e coloquei na composteira. Ali os pés de favas vão virar terra novamente e o ciclo se fechará.  Olha que coisa mais linda as raízes das leguminosas. Repare nesses pequenos nódulos. São ali que elas hospedam as bactérias que capturam o nitrogênio (N2) do ar e o converte em uma forma utilizável pelas plantas. Por isso leguminosas são o verdadeiro adubo verde. Eu fico abestalhada diante da sofisticação e tecnologia das plantas.

O primeiro tomate brotou. Ainda vai demorar semanas pra gente poder comer tomates maduros e esperar pacientemente por esse momento só contribui pra que eles sejam ainda mais saborosos pra mim.

O lote do nosso coletivo está cada dia mais luxuriante. Plantamos tomate, abobrinha, couve, berinjela, manjericão, alecrim, cebolinha e azedinha. Tem também um pé de damasco (a safra foi curta e já comemos todos) e uma cerejeira jovem. A primeira abobrinha foi colhida (e comida) e outras já vieram depois. Cultivar a terra com camaradas me enche tanto de felicidade que nem consigo colocar em palavras. E cultivar a terra com as crianças dos camaradas, que estão sempre por ali se maravilhando com os bichinhos que moram naquela terra ou procurando framboesas pra comer, é gostoso demais.

Fiz meu primeiro arranjo floral, com flores do lote, pra receber uma grande amiga de 80 anos que veio jantar com a gente. De sobremesa, fiz o creme-mousse de chocolate branco, gergelim e missô que criei no ano passado e que é um sucesso total. Parece absurdo, mas é absurdamente bom. Servi com as framboesas dos Jardins Operários e minha amiga ficou encantada.

Fiz seis bolos num dia, pras atividades de educação popular com as crianças (no CoHab) e pro almoço com jardineiras e jardineiros dos Jardins operários. Das tarefas da militância, cozinhar é uma das que faço com mais frequência. O almoço nos jardins teve churrasco, mas teve também uma abundância de pratos vegetais. Nem uma jardineira é vegetariana, muito menos vegana, mas vários trouxeram contribuições vegetais pra compartilhar com todo mundo. Quase beijo o jardineiro português que fez esse feijão fradinho, que estava uma delícia. 

Apareceu o primeiro jerimum do quintal. Esse pé cresceu sozinho (não foi semeado) e está se espalhando pelo quintal inteiro. Aliás, impressionada com a proeza e abundância desse pé de jerimum, fui pesquisar pra saber se as folhas eram comestíveis. São! Comi, pela primeira vez na vida, folha de jerimum refogada e adorei. A generosidade da natureza…

Rolou um date de rompimento definitivo de namoro. É conceito. E a comida estava ótima. Mas, falando sério, acho importante celebrar finais tanto quanto celebrar começos. 

Falando em ex namorada, a newsletter desse mês foi sobre isso. Mais especificamente, sobre ter uma ex mítica (quase todo mundo tem). A minha é aquela das alcachofras. Envio uma newsletter mensal falando de amor, em sua imensa pluralidade e com narrativas que vão contra a visão uniformizada que nos é imposta culturalmente, pra agradecer quem apoia financeiramente o meu trabalho

Eu tenho alguns problemas de saúde que são aliviados quando faço musculação e esse mês encontrei uma academia perto de casa e bem baratinha. Sempre gostei de musculação, porque além de aliviar minhas dores, aumentar minha força física faz bem pra minha autoestima, e estou feliz por ter voltado a puxar ferro. 

E pra terminar, os jardins operários em toda a sua glória no crepúsculo do final de junho. 

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