De amor e revolta

Outro dia eu encontrei esse texto, que escrevi há uns dois anos pra postar no meu perfil no Instagram, hoje defunto. Está mais atual do que nunca e veja que eu estava tentando fazer a minha raiva caber nos poucos caracteres permitidos nas legendas do Instagram…

Nosso sistema político e econômico é estruturalmente injusto: ele foi criado pra ser assim. Não é um erro de cálculo que pode ser consertado com uma versão “consciente” ou “verde”. Exploração (humana, não-humana e da terra) está no DNA do capitalismo. Desigualdade social é a condição pra que ele exista, beneficiando o 1% enquanto os outros 99% são esmagados. Na sua lógica irracional de expansão infinita e lucro acima de tudo/todos o capitalismo destrói as condições pra que a vida, como conhecemos hoje, continue existindo. Sair do capitalismo é uma questão de sobrevivência.

Diante dessa urgência sentir raiva é uma reação natural. Desconfio de quem demoniza a raiva e prega o “vamos amar a todos em qualquer circunstância / você é a única responsável pelo que sente, então escolha sentimentos bons”. Esse discurso serve dois propósitos. 1- Controlar a narrativa e taxar de radical, enraivado e irracional quem milita por uma mudança sistêmica e não se contenta com migalhas na forma de reformas superficiais. Só eles, que fecham com o capital e vendem seus princípios, tem uma postura “sensata”. Nós somos, na melhor das hipóteses, ingênuas, na pior, impedimos o suposto avanço que eles estão negociando por nós. 2- Suprimir nossa revolta e nos manter dóceis e obedientes, sendo exploradas e massacradas enquanto internamente cultivamos o amor e a compaixão pelos nossos opressores. Assim o sistema injusto se mantém protegido.

Só quem se beneficia da desigualdade social não tem motivos pra estar com raiva. Não, eu não mando coraçãozinho pra quem explora trabalhadores até que eles caiam de exaustão, enquanto sua fortuna se multiplica. Não faço parceria com quem abre fogo contra camponeses e grila território indígena pra expandir seu latifúndio. Não dialogo com quem mata milhões de animais por ano. Pra essas pessoas só tenho um recado: estamos em guerra.

E a minha raiva não vem de uma suposta falta de evolução espiritual ou de estratégia. Ela vem do amor. Amor pelo povo, tão sofrido. Pelos animais, assassinados aos bilhões todo ano. Amor pela natureza, que grita socorro. Amor pela justiça. 

Com amor, revolta e ira, sigo na luta.  

(Tradução pro cartaz na foto acima: “Fichado, com raiva, sem grana, mas fascista, não! Estamos aqui.” Veja que em francês essas palavras são bem próximas.)

Macarronada com berinjela e casca de banana

Eu acredito que as pessoas cozinham errado com casca de banana. Sabe esse negócio de usar casca de banana na culinária (“carne de casca de banana”, como algumas pessoas falam)? A ideia de reduzir o desperdício é ótima. A vontade de expandir a categoria de “carnes vegetais” também. Pra quem ainda tem apego pela ideia de “mistura”, parece ser uma opção extremamente acessível, afinal se trata de transformar algo que iria pro lixo em prato principal. Mas é exatamente aqui que a coisa desanda, na minha opinião. 

Sou a favor de usar todas as partes comestíveis dos vegetais. Mas quando essas partes comestíveis não são muito apetitosas, como é o caso da casca da banana, devemos colocar isso em prática de maneira inteligente. A lição aqui é algo que vi minha mãe fazer durante toda a minha infância: usar um ingrediente barato pra aumentar o volume do prato. O erro, ao meu ver, é achar que “carne de casca de banana” pode ser o ingrediente principal, ou que pode ser usada sozinha como recheios. Seria incrível se a casca da banana fosse, além de barata (na verdade, gratuita, já que ela acabaria no lixo), deliciosa. Mas sejamos honestas aqui: ela não é e vai precisar da ajuda de vários outros ingredientes pra se tornar interessante.

Estamos atravessando tempos difíceis e a fome está batendo na porte de milhões de pessoas no Brasil. Saber usar a totalidade dos vegetais, da casca à semente, é uma competência que precisa ser adquirida. E isso significa aprender que em muitos casos as partes que costumam ser descartadas dos vegetais são tão deliciosas, ou mais, do que a parte que costumamos comer (o talo do brócolis, as folhas da couve-flor…), e que podem inclusive ser consumidas sozinhas e apreciadas pelo seu sabor. Enquanto que em outros casos devemos aceitar que a maior contribuição da parte que seria descartada será a de “aumentar o pouco” (casca de banana, presente!).

Tudo isso pra dizer que na última vez que estive em Natal fiz uma macarronada que tinha casca de banana como um dos ingredientes e ficou supimpa. “A casca de banana deixou a receita supimpa?”, a pessoa que ainda acredita no potencial gustativo da casca de banana pergunta. Não e afirmo, sem medo de fazer inimizades no campo das empolgadas da “carne de casca”, que a receita teria ficado igualmente supimpa sem ela. A contribuição dela foi, como expliquei acima, aumentar o pouco. No caso, o pouco era a berinjela. 

Comecei falando de receitas pra enfrentar tempos de carestia e sei que alguns olhos vão revirar ao ver que tem castanha na receita, um ingrediente caro. Berinjela também não é o legume mais acessível em todos os lugares do Brasil. Sem falar que visto o preço do gás, usar o forno se tornou algo impensável pra muita gente no momento. Mas se você não puder fazer esse prato do jeitinho que eu explico aqui, espero que pelo menos a receita te ensine a preparar casca de banana e sirva de inspiração pra futuras comidas que sairão do sua cozinha. 

Macarronada com berinjela e casca de banana

Essa é mais uma daquelas receitas sem medidas, porque cozinha de panela e do dia-a-dia não precisa de medidas exatas pra dar certo. Use seu paladar, e o que estiver disponível, como guia que não tem erro. Pode usar casca de banana madura ou verde, caso você tenha cozinhado banana verde pra fazer biomassa, por exemplo. 

Casca de banana (qualquer banana – usei casca de banana da terra que eu tinha cozinhado pro café da manhã), picada miúdo

Cebola, picada

Tomates bem maduros, picados

Berinjela, em cubos pequenos

Alho, picado/amassado

Castanha de caju (qualquer tipo)

Molho de soja (shoyu)

Óleo ou azeite

Temperos: páprica defumada, pimenta preta, orégano desidratado

Sal 

Macarrão (usei conchas, mas qualquer um serve)

Cubra as castanhas de caju com água quente e deixe descansando enquanto prepara a receita.

Em uma panela pequena, despeje óleo (ou azeite) suficiente pra cobrir o fundo e frite a casca até ficar marrom-dourado. Tempere com bastante molho de soja e páprica defumada, se tiver, e reserve.

Em outra panela, maior, refogue a cebola em um pouco de óleo. Junte o alho e a berinjela, tempere com sal, refogue mais alguns segundos, baixe o fogo e deixe cozinhar, coberto, até a berinjela ficar macia. Não precisa acrescentar água, basta manter o fogo baixo, a panela coberta e mexer com uma colher de pau de vez em quando. Junte o tomate picado em quantidade (aproximadamente quatro vezes o volume da berinjela), junte mais um pouco de sal e deixe cozinhar, sempre coberto, até o tomate se desintegrar e se tornar um molho espesso. Junte a casca da banana frita, a pimenta preta e o orégano, prove e corrija o sal, se necessário. Capriche no tempero e deixe os sabores bem intensos, pois ainda vamos acrescentar creme de castanha e macarrão aqui.

Ferva uma quantidade grande de água salgada pra cozinhar o macarrão e enquanto espera ela ferver, finalize o molho.

Bata as castanhas (que ficaram descansando na água fervente) no liquidificador com água suficiente (a mesma) pra formar um creme ralo. Comece com pouca água e vá acrescentando mais até atingir a consistência de um leite espesso. Esse creme de castanha engrossa no calor, então não se preocupe se parecer ralo demais agora. Despeje o creme de castanha no molho de tomate-berinjela-casca de banana, misture bem e corrija o sal (vai precisar de mais depois de acrescentar as castanhas). A proporção de creme de castanha pra molho de tomate fica por sua conta, mas eu diria que o creme deve representar mais ou menos um terço do volume total.

Cozinhe o macarrão, mas escorra antes de ficar completamente cozido (80%, eu diria), já que ele ainda vai pro forno e vai continuar o cozimento lá. Misture o macarrão com o molho, coloque numa forma e leve ao forno quente pra terminar de cozinhar e gratinar um pouco (coloque no modo “grill”, se seu forno tiver essa opção). 

Retire do forno e deixe descansar alguns minutos antes de servir.

Como cozinhar pra semana inteira

A minha linguagem do amor primária é “palavras de afirmação” (eu convido todo mundo na minha vida a fazer o teste e te incentivo a fazê-lo também). Mas a segunda é “atos de serviço” e é aqui que entra a minha maneira preferida de mostrar amor por alguém: cozinhando. Eu cozinho quando quero levar reconforto pra alguém sofrendo de males do corpo ou da alma, pra aliviar a dor de um pé na bunda, pra alegrar alguém no final de um dia longo e exaustivo, pra conquistar o coração da mulher que decidiu habitar os meus pensamentos… E ontem passei a tarde cozinhando pra uma camarada de coletivo que torceu o tornozelo e está acamada há dias. 

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Beba a minha terra

Quando a busca por pertencimento passa por ervas selvagens ou a história de refugiadas palestinas conectando-se às suas terras ancestrais por meio de um xícara de chá de ervas.

Para refugiados e refugiadas palestinas, o chá de ervas representa mais, muito mais, do que uma mistura de plantas e água quente. Elas bebem o “Balad”, a terra ancestral da qual foram expulsas. Elas bebem as lembranças da infância, as canções e as histórias das gerações que vieram antes delas. Elas bebem as colinas e vales proibidos que aparecem nos olhos úmidos de suas avós. E no caso de Sidra* e sua família, também bebem o suor, a ansiedade e o sorriso cauteloso de um camponês que atravessa muros, fronteiras e o poder colonial que entrincheira o povo palestino para trazer-lhes um pedaço daquela terra proibida, presente em um punhado de ervas.

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Panquecas de milho e grão de bico

É domingo e eu não vou tomar muito o tempo de vocês.

Sabe meu grãomelete fermentado? Quando estou no Brasil e quero variar os prazeres, ou comer algo diferente no lanche, mas que seja prático e rápido, misturo um pouco de fubá na massa já fermentada, deixo hidratando um momento (ou, melhor ainda, de um dia pro outro) e faço panquecas de milho e grão de bico. Dá pra comer pura, acompanhada de um recheio salgado ou doce, e é uma delícia.

Se vocé não sabe o que é grãomelete, é como chamo o “omelete” feito com farinha de grão de bico e água. As instruções de como fazer essa receita coringa da culinária vegetal, e do por que e como fermentar seu grãomelete, estão nesse post.

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Onde o meu coração se sente em casa

Ontem foi o aniversário de 74 anos da Nakba (catástrofe” em Árabe), a triste data que lembra o momento em que 2/3 da população palestina foi expulsa de suas terras e se tornou refugiada. Quando a maior parte da Palestina histórica foi ocupada e colonizada. Mas eu não queria falar sobre isso hoje. Gostaria de trazer um post dos arquivos Papacapim que é muito pessoal e fala sobre Jerusalém, a minha cidade preferida no mundo. A que me fez me apaixonar pela Palestina, sua comida, seu povo e sua cultura. O lugar onde, quando meus pés tocam a terra, minhas narinas sentem o cheiro do pão com gergelim assado dentro dos muros da cidade antiga, e meus olhos encontram as pedras douradas das construções históricas, meu coração se sente em casa.

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Só pela subversão

Continuando a série “requentando posts antigos porque esse blog tem mais de 12 anos e a maior parte das pessoas me lendo agora não tem ideia das coisas bacanas que já postei aqui”, vou seguir no tema “Palestina” porque, como expliquei no último post, em breve será mais um triste aniversário da ocupação israelense naquelas terras. Gostaria que a Palestina não aparecesse na timeline de vocês apenas quando a violência da colonização israelense chega em picos tão elevados que volta a ser manchete. E sobre os posts que escrevi na Palestina, o de hoje é, até hoje, o que mais deu o que falar na história do blog.

Mas de dez anos depois, ainda tem gente comentando esse post. Já encontrei até gente que estudou ele na faculdade!! Não sei que professora levou meu texto pras suas estudantes (em que curso?), mas agradeço de coração. A história de hoje foi só uma das aventuras lindas que vivi, ou testemunhei, por lá, mas segue sendo um dos meus posts preferidos do Papacapim, no top 5. Foi a primeira vez que escrevi sobre a Palestina no blog e como o retorno das leitoras foi extremamente positivo, à partir daí passei a falar regularmente da luta do povo palestino aqui. Esse post foi um marco e um divisor de águas pro blog.

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Sobre resistência

Porque hoje é um dia difícil aqui na França e o risco do domingo terminar com a eleição de uma neofascista como a próxima presidente do país é grande…

Porque comecei um trabalho novo no início do mês e desde então tenho jornadas de trabalho de 10h30 e já não consigo mais manter o antigo ritmo de posts aqui…

Porque estamos atravessando mais uma onda de crimes do colonialismo israelense na Palestina (apesar da violência colonial nunca dar trégua pro povo palestino, só quando ela atinge picos altos a mídia se interessa e isso vira notícia)…

Porque o pessoal que chegou no blog nos últimos tempos não costuma ler os posts antigos e tem muito material interessante, emocionante e inspirador nos arquivos do Papacapim e acho uma pena que ele não chegue a mais pessoas…

Gostaria de repostar a história de três amigas palestinas, que postei separadamente anos atrás, numa série que chamei de “Histórias Palestinas”. Peguem um café, um chá, se instalem confortavelmente no sofá, respirem fundo e se preparem pra revolta, a emoção e, espero, a inspiração que vocês sentirão ao longo dos próximos parágrafos. Estamos atravessando tempos difíceis, mas não podemos abandonar a luta. Sempre que o desespero quer tomar conta de mim lembro das pessoas palestinas, que seguem resistindo apesar de tudo. Se elas ainda estão de pé, lutando, quem sou eu pra baixar os braços e me deixar invadir pela desesperança?

Khoulud, de véu rosa, com a mãe, a avó e duas filhas. Foto Anne Paq.
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A feijoada vegetal que você sempre quis

Seria mais acertado se o título desse post fosse “a feijoada vegetal que eu sempre quis”. Mas se você é uma pessoa que, como eu, adora feijoada, provavelmente você também queria muito essa receita.  

Veja, feijoada “vegana” tem muitas por aí. (Escrevo “vegana” entre aspas porque acredito que apenas pessoas são veganas, comida é “vegetal”.) Provei inúmeras feijoadas vegetais desde que me tornei vegana mas nenhuma era o que eu procurava. Teve feijoadas com verduras (pra mim o nome disso é sopa de feijão), com as caríssimas linguiças vegetais industrializadas (quase sempre acho esses sabores artificiais demais) e as que incluem ingredientes bacanas -tofu, cogumelos- mas sem o sabor marcante e característico de uma boa feijoada. Eu cresci comendo a feijoada de uma pessoa próxima da família que era um desbunde, então meus critérios de avaliação são altos. 

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Uma crepioca pra minha mãe

Quando eu estava em Natal, cuidando da minha mãe, frequentemente me perguntava o que podia fazer pra variar o lanche dela. Minha mãe, que tem Alzheimer, acabou desenvolvendo fortes preferências gastronômicas, um eufemismo pra dizer que ela gosta de comer sempre as mesmas coisas. No café da manhã ela gosta de Aveia dormida com chia, no leite de coco, servida com banana e mamão. Feijão (de preferência não o preto, pois ela tomou implicância com toda comida escura: ela acha que é algo podre e acaba jogando fora do prato) com arroz e algum legume cozido (jerimum é um dos preferidos dela). E um tubérculo cozido (macaxeira, inhame ou batata doce) com ovo no jantar (de vez em quando rola um cuscuz no coco com ovo). Toda noite eu fazia um ovo mexido pra ela e minha sobrinha ameaçava me filmar e me expor nas redes sociais (“Olha aí Sandra Guimarães, que se diz vegana, preparando ovo!”). Felizmente não uso redes sociais.

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Os últimos dias

Volto pra França daqui a alguns dias e tenho muita coisa pra contar sobre a passagem pelo Brasil. As duas últimas semanas foram cheias de encontros e projetos com potencial de fazer grandes transformações mas será necessário algum tempo antes de conseguir compartilhar tudo. Os dias aqui em Natal seguem cheios de tarefas, a principal sendo cuidar da minha mãe, e por isso me sinto exausta em permanência. Tô aqui economizando forças pra segurar as pontas até o momento do embarque e como a longa travessia entre Natal e minha casa, em Paris, levará quase 24 horas, com certeza vou precisar de uns dias de descanso quando chegar do outro lado. Então hoje deixo vocês com alguns momentos de alegria que vivi entre Natal, São Paulo e Recife, antes de voltar à nossa programação normal de receitas e reflexões.

O bolo dos meus sonhos

Meu problema com bolos é que, na maioria das vezes, quando coloco um pedaço na boca, minhas papilas detectam um engrolado de farinha de trigo, açúcar e óleo (o que realmente eles são) e não consigo achar isso gostoso. Sei que essa é uma das minhas muitas opiniões impopulares mas bolos não entram na categoria “comida” pra mim. É guloseima, e tudo bem comer guloseimas… se elas te trazem prazer. O negócio é que essa guloseima aí não me traz prazer. 

Veja que, no meu trabalho, eu já defendi a posição de que tentar fazer bolos “saudáveis” é meio absurdo. Bolo é só pra ser gostoso, mesmo, e apreciado com moderação. “Saudável” é um prato de feijão com arroz e couve. Já coloquei abobrinha em um bolo, delicioso, por sinal! Mas não fiz isso pra deixar o danado mais saudável. Se trata de uma receita interessante pra aproveitar um excesso de abobrinha que tenha na geladeira e a textura do bolo realmente é melhorada pelo acréscimo desse vegetal. 

Então não acho que eu deva fazer o esforço de desenvolver bolos “saudáveis” e “nutritivos” pra que se tornem interessantes pra mim. Eu simplesmente deixo os bolos pra quem gosta deles e vou bater meu prato de feijão e comer frutas frescas, feliz da vida. Mais uma vez: não porque fruta é saudável mas porque troco qualquer sobremesa por fruta.

E falando em fruta, os únicos bolos tradicionais (entenda: que usam uma mistura de farinha de trigo, açúcar e óleo) que eu gosto, embora um pedaço pequeno seja o suficiente pra me deixar satisfeita, são o bolo de laranja e, principalmente, o de maracujá que minha irmã Lu e eu fazemos. 

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Creme fermentado de amendoim

A tarefa de descolonizar a alimentação se torna mais importante pra mim a cada dia que passa. Ao ponto de ser hoje um dos pilares principais da minha militância antiespecista e a minha maior inspiração na cozinha. Por isso que a receita de hoje é um verdadeiro tesouro! 

Lembra quando eu falei sobre nós sermos o povo do amendoim? Agora imagine se essa leguminosa (sim, é da família do feijão) pudesse se transformar em algo cremoso e nutritivo, barato e delicioso, pra usar em todos os lugares que você usaria um, digamos, requeijão? Se ao invés de usar um produto ultraprocessado (quase sempre), vindo da exploração e sofrimento animal (sempre) e que é uma das principais marcas da colonização dos nossos hábitos alimentares (as vacas foram levadas pro Brasil pelos invasores europeus durante a colonização) a gente acompanhasse nossas tapiocas matinais com um creme delicioso feito com o amado amendoim?

Fruta-pão cozida, quiabada, tapioca com creme fermentando de amendoim e café com leite de coco
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Farofa d’água

Estou aproveitando que minha mãe está tirando um cochilo pra compartilhar essa receita com vocês, então serei breve. (A vida de quem tem māe idosa e doente em casa é assim: só posso trabalhar aqui no blog nos intervalos do outro trabalho, o de cuidadora.)

Conhecem farofa d’água? É bem popular aqui no RN, mas pesquisei rapidamente e descobri que ela é apreciada em outros estados do Nordeste.

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Chuchu com tucupi preto

Eu já defendi o chuchu nessa receita de tostada. Se você é uma das pessoas que daria o troféu do vegetal mais sem graça ao chuchu, recomendo que faça a receita de tostada, que leva tomate e manjericão, pra começar a mudar sua opinião sobre esse legume tão injustiçado. Por que injustiçado? Porque, como eu já repeti muitas vezes por aqui, “não existe vegetal ruim, você que não está preparando direito” (frase do maravilhoso Ruan Félix). Mas se quiser ir um pouco mais longe na expansão do seu horizonte culinário, chega mais. 

Cresci comendo chuchu refogado, feito pela minha mãe. Na minha casa começamos a cozinhar cedo e logo era eu a encarregada dos legumes refogados do almoço, que durante muito tempo variavam entre batata e chuchu. Pra mim chuchu refogado tem gosto de casa e reconforto. 

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E também tem maracujá

Estou mais uma vez em terras potiguares. É o meu terceiro dia aqui e meu corpo ainda não se acostumou com a temperatura do nosso verão. O choque térmico foi grande e lembrarei de evitar, no futuro, passar do inverno francês pro verão brasileiro. Mas o motivo das minhas vindas ao Brasil terem se tornado mais frequentes é porque preciso cuidar da minha mãe, então passei a planejar essas viagens de acordo com as necessidades daqui e as possibilidades de lá, não com o período do ano em que a temperatura é mais agradável.

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Feijão acebolado

Feijão é bom. Feijão é a base da alimentação da vegana. Feijão é a proteína do proletariado. Feijão (leguminosas em geral) é a solução pra que comer animais se torne obsoleto. E tem mais.

-Ele fixa nitrogênio no solo. Plantado em rotação melhora o rendimento das outras culturas e diminui a necessidade de fertilizantes.

-Pra produzir 1kg de lentilhas são necessários 1250 L de água. Pra produzir 1kg de carne de frango: 4325 L. 1kg de carne de vaca: 13 mil L (fonte: FAO)

-Ele absorve carbono, reduzindo o efeito estufa.

-É rico em proteínas de qualidade, de fácil digestão, pobre em gordura e cheio de fibras.

-Essas fibras controlam o nível de açúcar no sangue, apesar dele ser rico em carboidratos, dando sensação de saciedade por mais tempo (ótimo parceiro pra diabéticas).

-É a proteína mais acessível economicamente. Em períodos de crise, quando a população não consegue mais comprar animais, o feijão continua no prato. Junto com o fiel arroz, é uma proteína completa, com todos os aminoácidos essenciais.

-É o alimento que pode tratar ao mesmo tempo a subnutrição e os problemas de saúde ligados a dietas pobres. É um guerreiro na luta contra a fome e a fome oculta.

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O povo da paçoquita

Não era a minha intenção. Eu só queria testar uma ideia. Levar um agrado comestível pro grupo de apoio entre militantes que acabamos de criar aqui. Preparar um lanchinho pras crianças que frequentam a oficina do domingo, organizada pelo meu coletivo. Mas sabe o que aconteceu? Descobri algo que talvez, talvez mude sua vida. 

Aconteceu assim. Eu estava lendo um blog de comida que sigo há mais de uma década e achei uma receita de biscoito de amendoim. Ela me intrigou. A receita usa ovo e no próprio texto a autora explica que dá pra substituí-lo por uma mistura de linhaça triturada e água (ela até chama isso de “ovo de linhaça”). Decidi fazer a receita sem tentar substituir o ovo, por duas razões.

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Veganismo e feminismo

Em 2020 fui convidada pelo podcast Sapataria pra participar de um episódio sobre veganismo. Foi durante o mês da visibilidade lésbica e tive a honra de dividir o episódio com mais duas lésbicas veganas que admiro: Carla Candace e Luciene Santos. O post de hoje é a transcrição da minha fala, que tratou sobre feminismo e veganismo. São pautas centrais na minha militância e fazia tempos que eu pensava em abordar esses temas, expondo suas conexões, aqui. Mas recomendo muito que você não pare nessa leitura e escute o episódio inteiro (Especial Mês da Visibilidade: Veganismo), pois Carla e Luciene falaram coisas extremamente importantes, que não abordei aqui.

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Depois que ela se foi

Ontem eu estava limpando meu computador, que não para de me enviar mensagens dizendo que não tem mais espaço pra nada por aqui, quando achei essa foto feita há exatamente um ano.

Eu sempre tive medo de cachorros. Um velho trauma de infância, nada grave, mas suficiente pra ter me feito temer aproximação com cães durante quase toda a minha vida. Até que Nina entrou pra família. A história de como ela chegou até nós é bonita, então vou contar.

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