3 de janeiro

Eu não sei como foi o ano pra vocês, mas 2021 me deixou sentindo como se eu tivesse caído de um caminhão em movimento. Detalhe: a queda foi no meio de um cruzamento movimentado, então nem deu tempo de parar e conferir se estava tudo bem. Já tive que levantar, bater a poeira da bunda e correr pra não ser atropelada. Porque apesar dos meus pedidos encarecidos, 2022 não quis esperar e já está aqui. Eu não estou pronta, mas bora lá.

Em 2021 a situação de saúde da minha mãe, que tem Alzheimer, piorou e estive no Brasil duas vezes. Foram muitas horas com uma máscara FFP2 na cara, atravessando o oceano de cá pra lá e de lá pra cá. Quarentenas em cada ponto de chegada. E impossibilidade de visitar as amizades e familiares que moram em outras cidades. Daqui a um mês estarei no Brasil novamente, mas fico, mais uma vez, só em Natal. Dependendo da situação, quem sabe chego até Recife? 

Continuar lendo “3 de janeiro”

Um dia de militância

Em março fiz um post mostrando com a militância pode adquirir formas diversas, ao alcance de todo mundo, e pra ficar bem didático relatei as tarefas que fiz durante um fim de semana. Dias atrás repeti o exercício, mas compartilhando minhas tarefas, em um único dia, no grupo Papacapim do Telegram (é um grupo exclusivo pras pessoas que apoiam o meu trabalho lá no Apoia-se). 

Como fazer nascer o desejo de militar nas pessoas é uma das minhas missões, e como também gosto de mostrar o que acontece desse lado da tela quando não estou cozinhando e escrevendo aqui, vim compartilhar esse dia de militância com vocês.

Continuar lendo “Um dia de militância”

A fórmula do arroz de forno

Eu acredito cada vez menos em receitas e mais em “fórmulas”. Já compartilhei a fórmula da sopa e da salada-refeição aqui, mas como a gente não ganha amigues com salada (quem viu os Simpsons vai entender), hoje vim falar de uma fórmula quase mágica que vai limpar sua geladeira, produzir uma refeição nutritiva em pouco tempo e impressionar as gatinhas (e amigues). 

Não é segredo nessa internet que eu não sou a fã mais entusiasmada de arroz. Já me recomendaram inclusive procurar ajuda psicológica por causa disso (ah, as coisas estranhas que me escreviam no IG…). A verdade é que acho o bichinho sem graça. Não por acaso eu adoro risotto e arroz de forno, pois são versões “com graça” desse cereal. Quando misturo arroz com legumes e um molho, a cuíca muda o tom.

Como falei, não se trata exatamente de uma receita, mas de uma fórmula. Não se deixe intimidar pelo número de frases nas instruções. O processo é extremamente simples e juro que você só vai precisar ler tudo uma única vez. Ao entender o princípio, nunca mais será necessário voltar aqui pra seguir as instruções. E esse é um dos objetivos principais do meu trabalho no blog: ensinar a cozinhar de uma maneira emancipatória e incentivar a autonomia alimentar de vocês. 

Continuar lendo “A fórmula do arroz de forno”

Pra se organizar e fortalecer o movimento

Hoje a pauta é: como fortalecer o veganismo popular e se organizar dentro do movimento vegano. Bora lá. 

Vocês sabiam que nos dias 27 e 28 de novembro aconteceu o segundo ENUVA, o Encontro Nacional da União Vegana de Ativismo? Foi todo on-line (a pandemia nos obrigou) e gratuito, reuniu pessoas de diferentes países e renovou nossa esperança. Bem no espírito da UVA. Se você perdeu as mesas/conversas, ou se viu e quer rever, tá tudo no nosso canal do YouTube

Continuar lendo “Pra se organizar e fortalecer o movimento”

O que não dizer pras mães

Acabo de voltar do aeroporto, onde fui deixar minha amiga Mariana, que estava me visitando aqui em Paris. Ela é a minha amiga mais antiga, além da primeira lá de Natal a vir me visitar aqui na França e essa foi a razão do meu sumiço aqui do blog nas últimas duas semanas. Eu estava levando ela pra conhecer Paris, mas também compartilhando um pouco da minha vida aqui. Logo no primeiro dia levei a bichinha pra uma ocupação, onde eu tinha uma reunião pra escrever (a muitas mãos) um livreto sobre antiespecismo e luta decolonial com um coletivo antispecista e anarquista aqui da periferia. À partir daí foi só aventuras! 

Continuar lendo “O que não dizer pras mães”

Bolo de chocolate intenso

Eu ia falar sobre os eventos das últimas semanas, que me mantiveram afastadas desse blog… Mas aí pensei que seria melhor oferecer um bolo de chocolate. Eu sou aquela amiga que, quando passa um tempo ausente, prepara um bolo pra se desculpar. E como faz umas semanas que quero compartilhar essa receita com vocês, ó, toma um bolinho aqui:)

A origem desse bolo precisa ser explicada. Nigella Lawson, uma autora de livros de culinária inglesa, é famosa por usar quilos de manteiga e litros de creme de leite nas suas receitas, além de pedaços de animais em quase tudo que faz. Está a muitas léguas de ser uma pessoa antiespecista. Mas ela tem algumas (pouquíssimas) receitas vegetais e o “dark and sumptuous chocolate cake” é uma delas. Um dia vou contar por que adoro Nigella, apesar da sua obsessão em cozinhar animais, mas é história pra outro dia.

Continuar lendo “Bolo de chocolate intenso”

Tofu com berinjela e pimentão

Minha mãe era uma mestra em fazer render a mistura. Ela juntava vegetais à pequena porção de animal disponível, fazendo o conteúdo da panela triplicar de volume, pra poder alimentar todas as bocas ao redor dela. 

Tenho opinões fortes (impopulares?) sobre trazer a noção de mistura pra alimentação vegetal e escrevi sobre elas nesse post. Mas, assim como minha mãe e muita gente que cresceu empobrecida, carrego comigo a prática de “fazer render a mistura”.

A dica é simples e útil pra quem quer utilizar ingredientes especiais sem gastar o salário do mês numa refeição. (AVISO: Não precisa de ingrediente raro e gringo pra cozinhar pratos vegetais deliciosos. Mas é divertido expandir nossos horizontes gastronômicos de vez em quando, se o bolso permitir.)

Continuar lendo “Tofu com berinjela e pimentão”

Não existe comida “vegana”

Essa reflexão surgiu do lado de cá da tela há um certo tempo. E leitoras atentivas desse blog já devem ter percebido que mencionei isso algumas vezes nos posts dos últimos meses. Acho que foi no ano passado que decidi parar de usar o termo “comida vegana” pra descrever comida de origem vegetal. Mas foi o episódio do chocolate oferecido por uma amiga francesa que fez com que eu compreendesse que chegou a hora de escrever sobre o assunto.

Aconteceu meses atrás. A amiga, que não é vegana, me deu “um chocolate vegano” de presente. Era um chocolate com coco (leite e açúcar de coco, além de coco seco), mas tinha um selo “Vegano” na embalagem. “Provei com a minha irmã, mas não gostamos de chocolate vegano”, ela disse. Respondi: “Você não gostou de chocolate com coco. Chocolate ‘vegano’ é qualquer chocolate sem leite de mamífera” e ela insistiu: “É vegano, sim! Tá escrito na embalagem.” O selo fez com que minha amiga visse aquilo como “chocolate vegano”, não como o chocolate com coco que ele era, e quando percebeu que não gostava, ela não declarou: “Não gosto de chocolate com coco”, mas sim: “Não gosto de chocolate vegano”. 

Continuar lendo “Não existe comida “vegana””

Dá certo de qualquer jeito

Sabe como eu sempre digo que comida de panela é de Humanas e comida de forno (bolo, torta, biscoito) é de Exatas? Ou seja, que pra fazer comida de panela não precisa medir ingredientes com precisão, enquanto comida de forno exige mais rigor, caso contrário não dá certo (quem já fez bolo solado sabe do que estou falando). Esses biscoitos vieram jogar na minha cara que isso nem sempre é verdade. 

Era uma bela tarde de primavera no Hemisfério Norte e os passarinhos cantavam no meu jardim. Bateu um desejo de biscoito, pra acompanhar o chá da tarde. Eu tinha poucos ingredientes na dispensa e resolvi, ousadia suprema, não seguir receita nenhuma e misturar o que fui encontrando pelo caminho, deixando a textura da mistura guiar as proporções. Poucos minutos depois eu tinha um punhado de biscoitos quentinhos e deliciosos. Repeti a experiência várias vezes nos últimos meses, sempre decidida a não medir nada e mudando um pouco os ingredientes a cada fornada, e todas as vezes fui recompensada com biscoitos saborosos. 

Continuar lendo “Dá certo de qualquer jeito”

Biodiversidade e produtos vegetais ultraprocessados


Essa semana a ocupação que também serve de base pro nosso coletivo anarco recebeu caixas e mais caixas de hambúrguer vegetal que iriam pro descarte. Falei sobre comida de descarte, e como isso alimenta não só as camaradas do coletivo, mas também as pessoas ao nosso redor, nesse post. Além da comida que pegamos regularmente (frutas e verduras da feira, todo tipo de alimento transformado que pegamos do descarte de supermercados) duas vezes por semana, de vez em quando uma montanha de alguma coisa que acabaria no lixo chega até nós. Umas semanas atrás foram 2 toneladas (sim, literalmente) de cogumelo orgânico congelado. Semana passada foram centenas de quilos de hambúrgueres vegetais, também congelados. Eram hambúrgueres feitos de proteína de soja com beterraba, temperos e alguns aditivos. Provei pela primeira vez ontem e o sabor é tão ruim que agora não sei o que fazer com o enorme saco de hambúrguer no congelador. 


Enquanto eu tentava tragar o intragável (pra que o jantar não acabasse no lixo), me vi pensando, mais uma vez, na obsessão geral com hambúrgueres vegetais e no mantra do veganismo liberal (“Quanto mais produtos veganos industrializados, melhor pros animais.”). Já escrevi longamente sobre como essa visão liberal do veganismo vai contra os objetivos do movimento antiespecista nesse post e nesse post . Mas hoje eu queria chamar a sua atenção pra algo que é frequentemente ignorado nessa discussão: a questão da biodiversidade.

Moqueca de caju, arroz da terra, feijão verde, farofa de couve e bolinho de macaxeira
Continuar lendo “Biodiversidade e produtos vegetais ultraprocessados”

Comida como ferramenta de ‘conversão’

Durante os primeiros anos de veganismo, acreditei que oferecer pratos veganos deliciosos pras pessoas ao meu redor seria a porta de entrada delas pra causa animal. Talvez eu tenha sentido essa responsabilidade ainda mais forte porque cozinho profissionalmente. Então não perdia nenhuma oportunidade (aniversários, reuniões de família) de passar horas (às vezes dias) preparando menus, comprando ingredientes e cozinhando pra impressionar as não-veganas. Nos jantares onde cada convidada leva um prato, eu levava 4 e era sempre a mais cansada, a que trabalhava mais, a que gastava mais com ingredientes… As pessoas comiam minha comida, sim, e adoravam. Porém minhas preparações vegetais dividiam espaço nos seus pratos com animais e seus derivados. Nunca ninguém deixou de comer o animal assado, ou a sobremesa entupida de leite condensado, porque tinha pratos veganos deliciosos na mesa.

Quiche de cogumelo e espinafre, usando esse método
Continuar lendo “Comida como ferramenta de ‘conversão’”

Reabilitar a fava

Gosto de me dar missões difíceis. Como, por exemplo, reabilitar a fava. Poucos alimentos do reino vegetal são tão mal-amados e mal-afamados como a fava. Eu já defendi publicamente o quiabo e o maxixe. Um dia volto pra falar de jiló, que também aprecio. Mas hoje, vamos falar sobre ela, a rainha dos feijões.

Eu poderia falar das propriedades nutricionais da fava, mas não é o propósito do meu trabalho. Minha ambição é fazer você se apaixonar pela comida que vem da terra porque ela é deliciosa e porque ela conta a historia do nosso povo e nos conecta ao nosso território. E é justamente no meu território, o Nordeste, que o apreço pela fava ainda resiste. Mas até lá as coisas mudaram e esse alimento tão nutritivo e saboroso se tornou comida de antigos e de pobres. Triste isso de ver a que ponto a comida que vem da terra é constantemente categorizada como “comida de pobre” (coisa “de rico” é consumir animais) e em seguida desprezada. O próximo passo é parar de cultivar esse alimento, já que ninguém mais quer comê-lo e aos poucos vamos perdendo biodiversidade no campo e variedade na mesa. E deixando pra trás a nossa cultura alimentar. Não somos mais o povo que come fava, somos o povo que come frango congelado e, pra quem tem mais dinheiro na conta, sushi de salmão geneticamente modificado e alimentado com soja transgênica, vinda da monocultura, da grilagem de terras e manchada com sangue indígena.  

Continuar lendo “Reabilitar a fava”

Sabemos construir também. E plantar.

No último dia em que eu estive na ocupação dos Jardins Operários de Aubervillers teve uma reunião do coletivo de defesa dos jardins.  Eu saí da reunião frustrada pela maneira como a pauta principal da reunião tinha sido conduzida e, principalmente, pelas dificuldades constantes que enfrentamos quando construímos uma luta com um grupo de pessoas vindas de horizontes tão diferentes. Eu viajaria pro Brasil dali a dois dias e ao me despedir das camaradas pedia a todas que seguissem resistindo, pois eu queria ver a ocupação de pé quando voltasse. Foi a última vez que eu vi aquela terra coberta de árvores, legumes e frutas.

Continuar lendo “Sabemos construir também. E plantar.”

Creme de tapioca e coco com abacaxi caramelizado

É verdade que na cozinha as coisas mais simples podem ser as mais difíceis de fazer. Tapioca, por exemplo, é uma delas. Depois que você aprende, se torna a coisa mais natural do mundo, mas até chegar nesse ponto você vai precisar suar um pouco. Repare que se a receita for extremamente simples (no caso da tapioca, com apenas um ingrediente), cada detalhe faz diferença. Nessa categoria de receitas, é mais sobre técnica. E prática é tudo que você precisa pra dominar a técnica. Infelizmente essa parte (a prática) não pode ser terceirizada.

Já a receita de hoje faz parte de uma categoria diferente. Sim, leva tapioca. Não a comida de café da manhã à base de goma fresca (ou polvilho hidratado) e feita na frigideira, mas sim os pequenos grãos irregulares de polvilho que também chamamos de “tapioca” (veja a foto mais abaixo). E também tem uma lista de ingredientes enxuta, com apenas três elementos (no máximo 4). Mas a parte complicada dessa receita foi encontrar as proporções exatas e o modo de preparo pra atingir a textura que eu procurava. E a boa notícia é que quem fez a parte difícil desse trabalho foi essa que te escreve, logo você não terá que fazer esforço nenhum.

Continuar lendo “Creme de tapioca e coco com abacaxi caramelizado”

Maxixada

Há muitos anos declamei aqui o meu amor por maxixe na forma de pirão. Maxixe é um legume um pouco esquecido e que aparece mais em feiras do que em supermercados (mais um motivo pra não frequentar supermercados). O pirão ainda é um dos meus pratos preferidos, mas descobri recentemente (graças à minha irmã Lu) que maxixe com leite de coco também é um desbunde!

Repare que tudo com leite de coco fica melhor. Repare também que a receita do que a gente começou a chamar de “maxixada” (tradução: maxixe no coco) lá em casa é mais uma versão da fórmula “legumes + leite de coco + coentro”. Que você use banana da terra ou caju (e chame de “moqueca”), quiabo ou maxixe, os ingredientes da base e o preparo são os mesmos. Mas apesar de compartilhar os elementos, o resultado final é sempre distinto, já que o ingrediente principal muda. E digo mais. Se estamos repetindo essa fórmula, mudando somente o ingrediente principal, é por uma razão: é sempre uma delícia!

Continuar lendo “Maxixada”

Os últimos dois meses

Voltei. Leva sempre alguns dias pra que eu possa chegar completamente. O que me lembrou agora daquela cena do filme “O homem que enganou o diabo”, quando o diabo quer aparecer pro herói do filme e ameaça dizendo: “Eu vou cair”, aí o herói responde: “Então caia!” e o diabo começa a cair, do teto, aos pedaços… primeiro um braço, depois uma perna. Nisso o herói perde paciência e diz: “Caia logo todo!” Essa sou eu, chegando aos pedaços e perdendo paciência, querendo chegar logo toda, inteira, de uma vez. Mas não dá pra apressar essas coisas. Tem a mudança de fuso horário, sim, mas é algo muito mais complexo. No momento o corpo parece estar aqui, mas a cabeça está tardando a chegar.

Continuar lendo “Os últimos dois meses”

Ela pode ficar ainda melhor

Estou escrevendo essas linhas diretamente do aeroporto de Guarulhos, onde espero a conexão que me levará de volta pra casa, em Paris. A estada natalense acabou e antes de fazer um post mais detalhado sobre os dois meses que passei em terras potiguares, aqui vai a continuação do último post. Sabe aquela tapioca com coco deliciosa que ensinei? Ela pode ficar ainda melhor. Seguem as explicações.

Continuar lendo “Ela pode ficar ainda melhor”

Tapioca com coco

Quantas tapiocas posso comer antes de voltar pra França? Volto pra casa daqui a alguns dias e quando o momento de ir embora se aproxima minha obsessão com comida tradicional, aquela que cresce por aqui e que faz parte da minha cultura alimentar, só aumenta. Tenho que comer todos os mamões e mangas que passar pela minha frente. Cuscuz com leite de coco toda noite. Pãozinho de macaxeira no lanche. E tapioca, muita tapioca!

Continuar lendo “Tapioca com coco”