Em março fiz um post mostrando com a militância pode adquirir formas diversas, ao alcance de todo mundo, e pra ficar bem didático relatei as tarefas que fiz durante um fim de semana. Dias atrás repeti o exercício, mas compartilhando minhas tarefas, em um único dia, no grupo Papacapim do Telegram (é um grupo exclusivo pras pessoas que apoiam o meu trabalho lá no Apoia-se).
Como fazer nascer o desejo de militar nas pessoas é uma das minhas missões, e como também gosto de mostrar o que acontece desse lado da tela quando não estou cozinhando e escrevendo aqui, vim compartilhar esse dia de militância com vocês.
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Acordei às 4:30 porque tinha uma ação prevista com o Coletivo de Defesa dos Jardins Operários, do qual faço parte. As obras pra construir uma piscina olímpica pras Olimpíadas de Paris em 2024 começaram e as terras que alimentaram a classe operária aqui na periferia durante séculos estão desaparecendo embaixo do concreto. Chegamos no canteiro de obras (que fica a 5 minutos a pé da minha casa) às 5:30 pra impedir as escavações (os caminhões chegam às 6h). Conseguimos bloquear a obra das 6h às 7h30, momento em que a polícia chegou e fomos obrigadas a partir.
Foi simbólico, mas a ideia era mostrar que a resistência continua e também testar a reação do chefe da obra, pra preparar ações maiores nas próximas semanas. Levamos café e chá pra compartilhar com os trabalhadores que iam chegando (e não podiam entrar pra trabalhar) e conversamos com cada um deles pra explicar por que estávamos ali. Pra nossa surpresa, eles reagiram muito bem e disseram nos apoiar. Éramos 14 pessoas do coletivo e cantamos « Concreto, Olimpíadas, Gentrificação, não queremos nada disso na nossa periferia ». Tô morta? Tô! Mas que bem faz bloquear, mesmo por pouco tempo, a destruição da natureza.
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O reconforto depois da ação foi o café da manhã com pão argelino/marroquino (oferecido gratuitamente pelo padeiro marroquino que alimentou a ocupação nos jardins durante meses com os pães não vendidos no final do dia), cogumelos salteados e queijo azul (de amêndoas, feito por uma família da Venezuela, que tem uma queijaria vegetal em Paris). Um pouco de doçura nesse dia que será puxado.
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Eu mentiria se dissesse que não rolou um cochilo pela manhã. Nossas forças não são inesgotáveis e a luta precisa que a gente tenha energia pra resistir. Depois teve sessão de e-mails (atenção especial pro Grupo de Estudos sobre Direitos Animais e Interseccionalidades- GEDAI, da UNESP, que me chamou pra dar uma palestra nessa segunda. O tema será “Mercantilização de vidas” e o público será a galera de Veterinária. Estou bem ansiosa pela troca.) Depois liguei pra amiga/camarada/jardineira que criou o coletivo de defesa dos jardins pra saber se ela saía hoje do hospital. Ela fez uma cirurgia (simples) há dois dias e volta pra casa agora no início da tarde. Propus levar uma sopa pra ela, o que ela aceitou de muito bom grado. Fui pra cozinha fazer a famosa sopa de aveia de tio Bernard, que é suíço e tem uma relação muito mais amorosa com a aveia do que o povo francês. Alimentar a luta e as camaradas é uma parte importante da militância.
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Apesar da luz horrível na minha cozinha, essa sopa é deliciosa e é a coisa mais reconfortante que existe (depois do meu caldo da caridade ;). Se interessou pela receita? Ela aparecerá em breve aqui.
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Sopa entregue (a bicicleta é o meu principal modo de transporte) e fui direto pra ocupação que é também a base do nosso coletivo, pra preparar a oficina de culinária pra mulheres refugiadas/migrantes (sem documentos). Essa semana a ocupação organizou diversas atividades (gratuitas) pras mulheres refugiadas que frequentam o lugar (tem distribuição de alimentos de descarte e aulas de Francês -dadas por mim- uma vez por semana). Teve massagens e diversas oficinas, incluindo a oficina de culinária comigo.
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Na oficina fizemos panquecas de abacaxi e maçã, porque era o que tinha na ocupação (a comida é toda de descarte). Improvisei a receita na hora e não anotei nada, mas deu muito certo. Compartilhamos as panquecas com as moradoras da ocupação e todo mundo adorou.
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Na hora de ir embora da ocupação ganhei uma caixa de alimentos, porque hoje era dia de pegar comida de descarte. Como o descarte vinha de uma loja de produtos orgânicos chique, teve muitos sucos, “smoothies”, cookies e oleaginosas. Tinha muito mais coisas, porém quase nada (além do que tinha na minha caixa) era 100% vegetal. Essa ocupação tem uma política de privilegiar a alimentação vegetal, mas a maioria das moradores consome produtos de origem animal se vier de descarte (ou seja, se não forem comprados).
Depois fui direto pra outra ocupação, que fica a poucas pedaladas da primeira. Nas quintas essa ocupação, que também foi criada por amigas/amigos e camaradas do coletivo, tem uma cozinha solidária aberta ao público. Apesar da galera dessa ocupação não ser toda vegana (só uma pessoa é vegana, outras são vegetarianas e outras consomem animais) a cozinha solidária é sempre 100% vegetal. Fui ajudar a preparar a comida, que é oferecida a preço livre pro pessoal do bairro e camaradas de passagem.
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Depois do jantar tinha uma oficina muito especial. O título era “Imaginar um mundo sem especismo” e foi o pessoal da ocupação que me convidou pra fazer o evento. Estamos organizando essa oficina há semanas e veio gente até da cidade vizinha pra participar.
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O jantar na cozinha solidária na ocupação foi: curry de lentilha e batata, salada crua de beterraba e rabanete, pão marroquino e tortas de maçã e banana. Tudo preparado com alimentos de descarte e oferecidos, como expliquei, a preço livre pra quem quiser. É um momento de troca muito bacana, onde na mesma mesa podemos encontrar as mulheres árabes do bairro, suas crianças, militantes de coletivos diversos, amigues de passagem…
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E a última atividade do dia: oficina pra imaginar coletivamente um mundo sem especismo. Foi incrível e tenho planos de escrever sobre esse exercício em breve aqui no blog.
O meu dia começou às 4:30 e acabou (oficialmente) às 23:30. Passei a noite na ocupação, que é onde minha namorada (e também camarada do coletivo) mora. Mais um dia cheio de aprendizados, trocas, partilha de afeto e alimentos e pequenas vitórias. E amanhã a luta continua.
Parabéns, papacapim por sua luta!!!
voce atingiu o objetivo de cultivar o desejo de militar nas pessoas – pelo menos em mim. sempre penso em me envolver mais com minha comunidade mas acho que ta na hora de sair do pensamento e ir pra pratica.