Tem uma categoria de vídeos muito popular na internet chamada “o que como em um dia”. Me fascina ver o que outras pessoas veganas comem, pois a variedade de alimentos vegetais é quase infinita e me inspira ver pratos de outros lugares. Só que quando você começa a ver muitos vídeos “o que como em um dia” acaba descobrindo que os pratos estão cada vez mais parecidos e, o que mais me dá desgosto, que a galera anda obcecada com o consumo de proteínas. E se antes eu via isso entre pessoas que comem animais, agora eu vejo cada vez mais veganas caindo na armadilha da proteinomania.
Não vou falar por que acho isso uma armadilha hoje, mas fiquei com vontade de compartilhar o que aparece no meu prato no dia-a-dia, pois nem todo mundo está “medindo seus macronutrientes”, consumindo proteína concentrada em pó (de origem animal ou vegetal) todos os dias nem comendo os mesmos pré e pós treinos da moda. E como acho que um dia só não é representativo da maneira como nos alimentamos, resolvi compartilhar uma semana inteira de refeições. Acho que pra saber realmente como a gente se alimenta, teria que ser um mês inteiro, pois pelo menos pra mim pode ter bastante variação de uma semana pra outra, dependendo da quantidade de trabalho que tenho, se estou viajando ou em casa, se estou em Natal ou em Paris… Mas no final das contas, a semana que documentei aqui foi bem próxima do que seria uma semana típica na minha vida, atualmente, nesse época do ano (procure sempre comprar vegetais da estação).
Quarta-feira
Café da manhã: tapioca com hummus, tomate e manjericão fresco, banana da terra cozida, hummus + café. Almoço: feijão macaça, arroz da terra no leite de coco, couve refogada e jerimum com coco + pepino, beterraba crua ralada e melão. Lanche: batata doce cozida, hummus com jerimum e grude com melado + café. Jantar: cuscuz no leite de coco e carne de caju guisada. Ceia: aveia dormida com chia e leite de coco, banana (congelada), maracujá e 1 castanha do Pará.
Eu como maracujá assim, mastigando e engolindo as sementes (às vezes diretamente da casca) e adoro colocar rodelas de banana congelada na minha aveia (ela não fica totalmente dura). Eu janto cedo (por volta das 19h), e às vezes sinto fome antes de dormir e como algo leve. Não sou adepta de jejum nem de deitar com a barriga roncando. Aliás, seguindo o toque de uma amiga nutricionista e vegana, observei que quando deito com fome tenho pesadelos com mais frequência.
Quinta-feira
Café da manhã 1: tapioca com hummus com jerimum e couve refogada + café. Café da manhã 2: batata doce cozida, hummus, meio mamão papaia com 1 castanha do Pará + café. Almoço: feijão macaça, arroz da terra no leite de coco, farofa de carne de caju, chuchu refogado e banana da terra grelhada + salada de folhas (alface lisa, alface americana, alface roxa e rúcula), pepino e abacaxi. Lanche da tarde: arepa de carimã (mandioca puba) misturada com hummus (na massa), tomate e manjericão fresco, café com leite de coco (sempre caseiro) e goiaba. Jantar: cará cozido, tofu mexido e caju. Ceia: meio mamão papaya com aveia dormida com chia e leite de coco.
Nas quintas vou à feira, então tomo café cedo, vou pra feira, carrego peso embaixo do sol e quando volto pra casa já estou faminta novamente. Por isso nas quintas tomo dois cafés da manhã. Eu nunca adoço meu café (nem com açúcar, nem com adoçante – gosto amargo). Leite de coco aqui em casa é sempre fresco, ou seja, caseiro, feito com o coco seco que compro na feira. Também compro carimã na feira. Carimã é a macaxeira (mandioca) fermentada na água por 15 dias, um ingrediente típico da cultura alimentar indígena, que já foi mais popular aqui no Nordeste, mas que hoje pouca gente conhece. Sou apaixonada por carimã e desde que descobri que podia comprar na feira, diretamente do produtor, nunca mais faltou na minha geladeira. Cará, pra quem não sabe, é bem parecido com inhame. Compro sempre cará porque é bem mais barato que inhame e tem praticamente o mesmo sabor.
Sexta-feira
Café da manhã: tapioca com hummus com jerimum, meio mamão papaya com 1 castanha do Pará + café. Lanches da manhã: meio copo de lama de coco (polpa de coco verde) e 1 grude com mel de engenho (melado). Almoço: fava com tomate, resto da farofa de carne de caju, farinha e beterraba cozida no vapor + salada de folhas, pepino e abacaxi. Lanche 1: batata doce cozida, hummus com jerimum e café. Lanche 2 (compartilhado com a família): pipoca (de panela). Lanche 3: vitamina de banana com leite de soja, pasta de amendoim e cacau. Jantar: macaxeira cozida, tofu mexido e antepasto de berinjela. Ceia: lama de coco e goiaba.
Tapioca, pra mim, é essencial pra começar o dia feliz. Grude é uma iguaria do meu território, feita com goma (a que usamos pra fazer tapioca), coco seco ralado e sal. Não sei fazer, então quando alguém traz grude pra casa (vende em alguns lugares específicos da cidade – e esse é bem pequenininho) eu faço a festa. Gosto muito de comer com um fio de mel de engenho, contrastando com o sal do grude. Fica uma delícia! No almoço procuro comer uma salada crua com alguma fruta e gosto das minhas saladas sem tempero nenhum (nem molho nem azeite). Os leites que consumo no dia-a-dia são de coco ou castanha, feitos por mim. Não gosto de leite de soja, mas nesse dia era o que tinha pronto na geladeira (de caixa, sem açúcar) e foi o que usei.
Sábado
Café da manhã: tapioca com hummus com jerimum e tofu mexido, meio mamão papaya com aveia dormida (aveia, chia e leite vegetal) e 1 castanha do Pará + café. Almoço: fava, macarrão com molho de tomate (caseiro) e grão de bico, batata doce e beterraba cozidas + banana e mexerica. Lanche: banana. Jantar: cará cozido, grude, queijo de castanha fermentado, café + salada de frutas (banana, mamão, abacaxi e laranja).
Aos sábados dou aula o dia inteiro, em um cursinho popular em um bairro bem afastado de onde moro. Dou aula das 9h às 16h, mas como preciso pegar dois ônibus pra ir e dois pra voltar, saio de casa por volta das 7h e chego em casa depois das 18h. Por isso o café da manhã tem que ser reforçado e levo a minha marmita pro almoço, que é compartilhado com as outras professoras e alunas. Eu não gosto de macarrão, mas sempre faço uma porção grande pra compartilhar com as alunas, que adoram. Também compartilhei a fava, que eu tinha feito no dia anterior. Quando chego em casa, depois de um dia cansativo e 2 horas dentro de um ônibus, geralmente sinto mais enjoo do que fome, por isso o jantar foi leve. Esses pratos são bem pequenos, do tamanho “sobremesa” e as cumbucas que uso também são pequenas.
Domingo
Café da manhã: duas tapiocas com queijo de castanha fermentado e tomate, mamão + café. Almoço: feijão macaça misturado com farinha, arroz com cenoura e espinafre com creme de castanha e grão de bico + salada de folhas, pepino e abacaxi. Jantar: pizza com massa de fermentação lenta, tomate seco e rúcula. Ceia: mamão com abacate, linhaça moída e 1 castanha do Pará.
Minha sobrinha, que também é vegana, estava desejando uma pizza, então fiz algo que não faço quase nunca: pedi uma e comi um pouco com ela. Eu não gosto muito de pizza, mas como essa massa era de fermentação lenta, achei saborosa. Porém o queijo vegetal era industrializado e não gostei nem um pouco do sabor. Eu tento comer uma castanha do Pará por dia pra garantir a dose diária de selênio. Adoro o sabor, então se fosse mais barata aqui em Natal, eu comeria uma quantidade maior.
Segunda
Café da manhã: uma tapioca com queijo de castanha fermentado e outra com abacate amassado com limão e coentro + café. Lanche da manhã: mamão com 1 castanha do Pará. Almoço: feijão carioca com quiabo grelhado, farofa de cenoura + salada de folhas, pepino, beterraba crua ralada e abacaxi. Lanche: arepa de carimã (mandioca puba) com queijo de castanha fermentado (na massa), com guacamole (abacate amassado com limão e coentro), café e um docinho de tâmara com castanha de caju, pasta de amendoim e cacau (feito pela minha irmã). Jantar: sopa de feijão carioca, beterraba, berinjela e coentro + batata doce cozida. Ceia: mexerica e caju.
O que chamo de “arepa” são panquecas salgadas com carimã e algum outro ingrediente pra dar liga (às vezes hummus, às vezes queijo de castanha, mas vezes batata doce cozida e amassada, às vezes feijão amassado). Não sou muito fã de doces e raramente como açúcar. Por questão de gosto, mesmo. Quando como algo doce, geralmente é adoçado com frutas frescas ou secas, e mesmo assim como só um pedacinho. Esse doce que minha irmã faz é uma delícia e gosto de comer antes de me exercitar, pra me dar mais energia. Atualmente faço natação uma ou duas vezes por semana (nem sempre dá pra ir duas vezes) e faço sessões curtas de calistenia no meu quintal nos outros dias.
Terça
Café da manhã: tapioca com queijo de castanha fermentado e tofu mexido, mamão com 1 castanha do Pará + café. Almoço: feijão macaça branco, farofa de cebola e purê de jerimum + salada de alface, pepino e beterraba crua ralada. Lanche 1: pão de fermentação natural com queijo de castanha fermentado, vitamina de abacate e banana (congelada) com leite de coco (caseiro). Lanche 2: pão de fermentação natural com queijo de castanha fermentado, café e um docinho de tâmara, castanha de caju, pasta de amendoim e cacau. Jantar: cuscuz no leite de coco, tofu mexido e uma goiaba.
Terça é dia de natação das 18h as 19h, então faço um lanche mais reforçado (ou dois lanches menores) e janto mais tarde, quando volto da natação. Eu só gosto de pão de fermentação natural, então como raramente, só quando minha irmã faz ou compra (como foi o caso ontem). E, sinceramente, prefiro tapioca, batata doce ou macaxeira.
Então aqui está tudo o que comi em uma semana (do 21 ao 27 de agosto). E como contexto importa, preciso dizer que sou nordestina, vegana, moro atualmente em Natal (RN), compro todas as verduras, frutas, tubérculos, goma (pra tapioca), feijão e alguns cereais (arroz da terra, milho pra canjica e pipoca) na feira livre do meu bairro e cozinho todos os dias, em todas as refeições. E, como disse, tenho um paladar que não gosta de doces, mas também não gosto muito de massas (pão, macarrão, pizza), nem de frituras.
Talvez seja importante concluir esse post dizendo que nunca me consultei com uma nutricionista, e não faço nenhum tipo de regime, nem pra perder peso, nem pra ganhar massa. Como essas coisas porque gosto, mesmo, e porque me sinto muito bem e feliz com a maneira como me alimento.
Sei que é muito trabalhoso, mas eu veria um post do que tu come toda semana!
Sempre me inspira a comer coisas frescas e gostosas!
Já que agradou, vou fazer outro mais pra frente 😉
Eu confesso que num post semelhante, já nesse teu período de agora em Natal, que você compartilha como se organizar pra feira da semana, eu fiquei com uma reação meio “poxa, ela se alimenta tão simples?”. Porque frustrou minhas (bobocas) expectativas de que uma cozinheira estupenda, que sempre compartilha receitas incríveis, jantaria um banquete e tanto todos os dias, não um tubérculo cozidinho. Mas essa era eu ignorando que o principal do seu blog e o que está por trás de todas as receitas incríveis sempre foi a acessibilidade e o sentido regional e cultural daqueles ingredientes. E o tagine (que das que eu reproduzi é minha receita favorita e com certeza estaria na minha última refeição) na verdade me soava fantástica por invocar sua estadia no Marrocos, perfumes e o gênio da lâmpada (alô, imaginário estereotipado), mas ela é até simples, barata e todo seu esplendor vem da paciência cozinhando com tempo e deixando tudo apurar. Achei suas refeições uma delícia!
Ps: eu era doida pra provar carimã, porque eu amo macaxeira, é meu bolo preferido e amo fermentação. Esses dias encontrei no Centro de Tradição Luiz Gonzaga aqui no rio e perguntei pra ter certeza que não tinha nada de origem animal. QUE DELÍCIA, NOSSA SENHORA. Agora meu novo sonho culinário é provar mingau de puba.
Achei esse seu comentário muito engraçado 😀 E me fez refletir sobre várias coisas. Se fizer o mingau, me conte o que achou.
Linda essa postagem, Sandra. Fotos idem. Te admiro demais. Seus argumentos já me ajudaram em conversas com pessoas não veganas. Que você tenha ainda muitas forças para lutar. Um grande abraço daqui de longe, de São Paulo. <3
Obrigada <3
Nossa, fiquei até emocionada com a riqueza dessa postagem e saio daqui, como sempre, muito inspirada em vários sentidos.
Pensar na alimentação como parte do contexto cultural e político foi algo que aprendi contigo lá no início do meu veganismo e fico muito feliz acompanhando teus textos até hoje!
Obrigada por compartilhar! Um abraço.
Outro pra você, Isadora <3
Atualização: assisti à aula na plataforma da UVA essa semana e tomei ainda mais noção de que além de “boboca”, minha percepção é colonizada. E que aula!!!
Fico feliz em saber que você participou, e gostou, da aula. Semana que vem tem mais 😉
Vivo uma vida baseada em entrar todos os dias no blog, atualizar a página e torcer pra ter texto novo. Você é água cristalina nos dias atuais, tipo nascente, onde a gente se nutre pra sair mais forte e seguir essa caminhada da vida. Muito fã, obrigada por tudo, e faz tempo
:’)