Xerém de milho

Tem uma comida que anda fazendo sucesso aqui em casa. É comida do passado, esquecida dos paladares atuais, mas, fazendo parte do que Câmara Cascudo chamou de “complexo alimentar do milho”, foi presença garantida nas mesas sertanejas por muito tempo. Xerém de milho nada mais é do que o milho maduro, seco, quebrado. “Xerém”, pra gente aqui nessa esquina do Nordeste, é coisa quebradinha. Dizemos também “xerém de castanha” (de caju) e “xerém de amendoim”.

O xerém de milho é preparado da mesma maneira que fazemos mungunzá , afinal se trata do mesmo ingrediente, mas em versão diminuta. A vantagem é que, justamente por ser menor, xerém cozinha mais rápido. E tem mais um detalhe que o deixa interessante. Quando frio, ele se solidifica e pode ser cortado em fatias e grelhado, como uma polenta. Uma polenta mais granulada, o que acho ainda mais saboroso.

Eu nunca vi nem comi, mas ouvi dizer que tem quem faça xerém doce, do mesmo jeito que tem gente que prefere mungunzá doce. Gosto dos dois salgados e essa é a versão que quero compartilhar com vocês. Também vi receitas nessa vasta rede mundial que misturavam xerém com creme de leite de vaca. Olha o colonialismo alimentar dando as caras novamente! O irmão do xerém sofre do mesmo mal e hoje se tornou quase obrigatório enfiar leite condensado no mungunzá doce. Heresia! Se no Sertão usavam leite de gado com frequência (mas nem condensado nem creme de leite!), aqui pelo litoral sempre se usou leite de coco.

Se ainda não te convenci a cozinhar xerém de milho em casa, saiba que, além de saboroso, ele é muito barato e versátil. No dia que preparo essa receita, comemos morno e cremoso. O que sobra, colocamos na geladeira, onde ele se conserva por vários dias, e vamos tirando fatias e grelhando com um pouco de azeite (eu gosto de azeite de babaçu, mas sou a única por aqui). Acompanho as fatias do que encontrar: hummus, queijo de castanha, requeijão de amendoim, pasta de feijão, tofu mexido, feijão… É gostoso a qualquer hora do dia: no café da manhã, no jantar, como lanche e até no almoço. Então com xerém cozido na geladeira tem sempre um começo de refeição pronta em casa.

Me apaixonei de uma maneira pelo xerém que decidi usar como base de sobremesas. Estou há semanas desenvolvendo receitas doces com gosto da nossa terra e não vejo a hora de compartilhar essas preciosidades aqui. Mas antes de complicar, bora aprender o simples.

Como preparar xerém de milho

Como xerém rende bastante depois de cozido, use uma quantidade pequena. Mas, como expliquei no texto acima, xerém se mantém alguns dias na geladeira. Já tentei congelar, mas não recomendo. A textura fica muito ruim depois.

Xerém de milho

Água

Leite de coco fresco (receita aqui)

Sal

Parte 1- Demolha. Deixe o xerém de molho na água fria por pelo menos 4 horas, mas o ideal é deixar de um dia pro outro (12 horas).

Parte 2- Cozimento. Depois desse tempo, escorra e cozinhe na água com sal (a gosto). A medida é aproximadamente 1 parte de xerém pra 4 partes de água. Você pode cozinhar numa panela comum ou na panela de pressão, que acelera muito o processo. Cozinhe, mexendo de vez em quando (se estiver usando panela comum, claro), até ficar cozido e bem macio. Se decidir cozinhar na panela de pressão, conte 10 minutos depois que começar a apitar. Desligue o fogo.

Parte 3- Finalização. Depois de cozido, o xerém vai ficar bem grosso e talvez grude um pouco no fundo da panela, principalmente se você cozinhou na pressão. Junte leite de coco (fresco) suficiente pra que a mistura fique líquida novamente, mexa bem com uma colher de pau pra incorporar e pra descolar o que ficou preso no fundo da panela e leve ao fogo novamente até ferver. Desligue, prove e corrija o sal.

Sirva quente/morno, como um mingau espesso. Ou coloque (ainda quente) em uma travessa de vidro, deixe esfriar (ele vai endurecer) e coma em fatias. O que sobrar pode ser guardado na geladeira e (terceira opção), consumido fatiado e grelhado num fio de óleo/azeite (na frigideira, mesmo).

Feijão de mãe

Esse texto é sobre duas coisas diferentes, mas que se encontram no final. 

Uns dias atrás eu estava reunida com boa parte da minha família, numa casa de praia aqui do lado de Natal. Eu estava preparando o almoço com a minha cunhada e discutíamos sobre o que nós consideramos como essencial em termos de conhecimento culinário. Concordamos que qualquer pessoa no nosso território (o Nordeste) deveria saber preparar o essencial da nossa cultura alimentar: 1- feijão, 2- arroz, 3- cuscuz e 4- tapioca. Assim a pessoa garante sua autonomia alimentar no café, almoço e jantar. O resto (legumes refogados, salada, uma pasta pra passar na tapioca) também é importante, tanto pra ter uma alimentação diversificada quanto pra garantir refeições saborosas, mas deve ser construído em cima dessa base. Isso deve ser adaptado em função da sua cultura alimentar, obviamente. Tapioca não faz sentido pra todo mundo e talvez aí onde você mora o seu “essencial” seja diferente. 

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Como preparar pudim de chia

Percebi recentemente que pudim de chia pode ser uma decepção pra algumas pessoas, principalmente pessoas que cresceram no Brasil e que associam a palavra “pudim” com uma sobremesa ultra doce e gordurosa. Então deixa eu começar explicando que o “pudim” aqui faz referência à consistência dessa preparação, um creme levemente gelatinoso, não àquela sobremesa feita com leite condensado e ovos, tão apreciada pelo nosso povo. Uma coisa não podia estar mais longe da outra.

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Como preparar sarraceno

“O sarraceno mudou a minha vida!” Eu declarei isso no IG dias desses e outras pessoas vieram me dizer a mesma coisa. Não entendo como um alimento tão maravilhoso, versátil e nutritivo não é mais popular. Mas tenho certeza que é só uma questão de tempo. Por isso vim aqui dar a minha contribuição pra fazer isso acontecer.

Olá. Você tem um minuto pra ouvir a palavra do sarraceno?

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Como fazer manteiga de coco

Você já provou manteiga de coco? Óleo de coco já é bem conhecido e parece estar por todos os lados hoje em dia, mesmo fora dos trópicos. Mas ano passado, quando estava no Brasil, vi  algo chamado “manteiga de coco” em uma loja de produtos orgânicos e fiquei intrigada. Como o preço chegava a ser ridículo de tão caro, coloquei o potinho de volta na prateleira e continuei o meu caminho.

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Sobre a expectativa de reconquistar uma ex com comida ou Como preparar alcachofra

Quando provei alcachofra pela primeira vez eu já era adulta e morava em Paris. Nunca tinha visto esse vegetal em Natal, minha cidade de origem. Mas eu fui apresentada a coração de alcachofra em conserva, não a versão fresca. Embora eu tenha visto muitas alcachofras nos mercados parisienses, eu me sentia extremamente intimidada por ela. “Como preparar essa flor em casa?” eu me perguntava, mas não me dava o trabalho de perguntar a alguém que conhecesse a resposta. Durante anos me convenci, mais uma vez, sem nunca ter me dado o trabalho de verificar se minhas suspeitas tinham fundamento, que era extremamente complicado preparar aquilo em casa.

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Como preparar kale

Faz tanto tempo que não escrevo um post da série ‘Como preparar…’ que acredito que o pessoal que chegou aqui há pouco tempo nem sabe que essa série existe. Um episódio que aconteceu no início de 2011 me mostrou, mais uma vez, que a maioria das pessoas que conheço não tem a menor ideia de como preparar legumes. Por isso resolvi escrever artigos explicando como preparar vegetais da maneira mais simples e saborosa possível. Desde então expliquei como preparar vários legumes, mas também quinoa, chia, missô, como fazer uma salada-refeição, como fermentar legumes e muito mais. Clique na página ‘Receitas‘ pra ver a lista completa de posts dessa categoria.

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Como preparar beterraba

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Salada de repolho, beterraba e maçã
salada de beterraba e nozes3
salada beterraba e laranja2
Salada de beterraba e rúcula
salada beterraba endro

Por alguma razão incompreensível pra mim beterraba parece ser um dos vegetais menos apreciados, principalmente pelo pessoal menor de 12 anos. Meu amor por beterraba pode ser medido pela quantidade de receitas à base desse legume que apareceu aqui no blog, então se você não sabe o que fazer com ela, aqui vão algumas dicas.

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Como preparar abobrinha

abobrinha

Abobrinha está longe de ser o meu legume preferido. Na verdade é um dos que menos gosto. Acho o sabor sem graça e por ser um legume que tem muita água (o que faz com que o sabor seja tão suave) a textura depois de cozida quase nunca me agrada. Mas existem maneiras de se livrar de uma parte da água e concentrar o sabor da abobrinha. A minha preferida é corta-la me fatias finas, regar com sal e azeite e assar no forno médio-alto até ficar ligeiramente caramelizada.

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Como preparar batata

batatas

Faz tempo que não publico um post da série “Como preparar…”. Por um momento eu achei que esses posts eram simples demais pra interessar vocês. Mas algumas pessoas mencionaram a utilidade dessa série quando perguntei o que vocês gostariam de ver aqui em 2013, então ela está de volta. Meu leitores têm níveis diferentes de habilidade na cozinha, alguns são super avançados e outros são debutantes, então vou continuar misturando receitas elaboradas com algumas bem simples, pra que o Papacapim seja interessante pra todos.

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Como preparar vagem

Vagem refogada

Vagem é um dos meus legumes preferidos, mas infelizmente é um dos que são mais mal tratados nas cozinhas que visitei. Na França, onde eles comem muita vagem, esse legume é cozinhado (na água ou no vapor) até ficar tão mole que até uma pessoa sem dente consegue mastiga-lo. Além da textura ser desagradável quando ele é cozinhado dessa maneira, a maior parte do sabor vai embora (sem falar nas vitaminas perdidas).

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Como secar ervas aromáticas

Em sentido horário, começando por baixo: camomila, alecrim, sálvia, verbena e tomilho. Tudo desidratado na minha cozinha.

Talvez algumas pessoas não saibam, mas é muito fácil secar ervas aromáticas e medicinais em casa. Tenho potinhos de alecrim e manjericão no pátio e a vizinha cultiva algumas ervas medicinais no jardim que divide conosco. Além disso, o mercado de Belém, com toda a sua abundância de sálvia e tomilho, entre outras ervas, fica pertinho de casa e vez ou outra trago lindos buquês verdes de lá. Aqui na Palestina a bebida tradicional é uma mistura de chá preto e sálvia (às vezes chá preto e hortelã), por isso os buquês vendidos na feira são bem grandes. Por mais que eu adore ervas frescas, às vezes minha cozinha fica inundada de ervas (buquês comprados na feira, presentes da vizinha, ramos das minhas plantinhas que precisaram ser podados…) e é impossível usar aquilo tudo nas minhas receitas antes que elas apodreçam na geladeira. A solução é transformá-las em ervas secas, pois assim elas se conservam por muito mais tempo.

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Como preparar milho

Hoje é oficialmente o último dia do verão nessa parte do mundo onde moro e é com tristeza que vejo a época do milho ir embora.  Nas últimas duas semanas eu trouxe pra casa todo o milho que meus braços podiam carregar e estou encantada com a versatilidade desse vegetal.  Ele pode ser preparado de várias maneiras, pode ser comido doce ou salgado, combina com inúmeros outros legumes… O milho seco se transforma em comidas que adoro (cuscuz, farinha, polenta, pipoca), mas é o milho fresco que ocupa um lugar especial no meu coração e é dele que quero falar hoje.

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Como preparar repolho

A série “Como preparar…” voltou. Escrevo esses posts pra ensinar o pessoal que não tem muita intimidade com legumes (ou com panelas, ou ambos), como preparar vegetais de maneira simples e saborosa.  Sei que tem muita gente precisando comer mais verduras e essa série é a minha contribuição pra deixar a sua dieta mais colorida.

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Como preparar algas marinhas

Em sentido horário, a partir da mais escura: wakame, alface do mar e nori em flocos, dulse em pedaços e dulse em flocos.

Até algum tempo atrás eu só conhecia um tipo de alga, a nori, e uma utilização, enrolar maki. Um dia, quando eu ainda morava com minha grande amiga Johanna, ela chegou em casa com um pacote de wakame. Fiquei olhando aquilo com desconfiança, mas ela me garantiu que era uma delícia.  Depois de deixar o wakame de molho, ela preparou uma salada com a alga e outros ingredientes dos quais não me lembro. Minha memória só registrou a enorme montanha de alga sobre a mesa e a impressão de estar comendo um pedaço do mar. Pra grande decepção de Johanna, não aprovei sua amada alga marinha, mas a experiência serviu pra alguma coisa. Descobri que existiam outros tipos de algas e outras maneiras de degustá-las. E decidi que eu ia gostar daquilo, pois Johanna parecia tão incrivelmente descolada comendo sua pratada de wakame com todos aqueles dreadlocks ruivos ao redor da cabeça! Eu também queria ser descolada e era mais fácil comer alga do que colocar dreads nos cabelos. Quatro anos se passaram e hoje, pra minha grande felicidade, eu adoro o sabor dos legumes do mar.

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Como germinar sementes

Eu detesto o termo “natureba”, pois ele é geralmente usado pra mostrar um certo desprezo pelo alimento, ou a pessoa, em questão. Como tenho consciência que o assunto que vou tratar hoje é inevitavelmente associado a esse termo, é melhor deixar bem claro que sementes germinadas são simples de fazer, gostosas e podem ser consumidas por todos, independente do seu grau de aproximação com a natureza.

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Como preparar couve-flor

Já aconteceu de você achar que não gosta de uma coisa, até descobrir que na verdade a coisa em questão é gostosa, mas tinha sido preparado da maneira errada todas as vezes que você provou? Couve-flor pra mim sempre foi a irmã anêmica do brócolis: insípida e sem graça. Mas um dia resolvi assar uma enorme cabeça de couve-flor que, por causa do meu desprezo, já estava murchando na geladeira e nunca mais a vi com os mesmos olhos. Tem uma receita tradicional palestina onde a couve-flor é cortada em pequenos buquês, frita até ficar bem dourada e servida pura ou com um molho de iogurte de ovelha ou tahina. Eu tinha provado o prato (sem o molho) algumas vezes nas casas dos amigos palestinos, mas comia por educação pois detesto fritura. Como parece que couve-flor cresce quase o ano inteiro nesse país, pensei que tinha que achar uma maneira de incluir esse legume no cardápio com mais frequência. Daí veio a idéia de assá-la. Eu queria o dourado do prato palestino, mas sem o óleo da fritura. Quando peguei um buquezinho recém saído do forno, dourado nos cantos, ligeiramente caramelizado, e ele quase derreteu na minha boca pensei: “Que injusta eu fui com você!” Descobri que se você assar a couve-flor o sabor se concentra, fica apurado e quase adocicado. Já se você fizer como a maioria das pessoas e cozinhá-la na água ou no vapor, o sabor se dissolve, se dissipa e você acaba com um legume totalmente insípido no prato.

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Como preparar sementes de chia

Faz muito tempo que quero falar sobre sementes de chia aqui, mas não conseguia me decidir se era uma boa ou má idéia. Muita gente acha que comida vegana é diferente, exótica, cara e difícil de encontrar (o que chamo de “comida esotérica”) e falar desse alimento que pouca gente conhece só reforçaria esse mito. Mas, por outro lado, eu gosto de mostrar a imensa variedade de produtos que a natureza nos oferece, o que ajuda a acabar com um outro mito, o de que veganos não podem comer nada. Antes de começar a falar desse super alimento, que está na moda em alguns países do hemisfério norte, gostaria de avisar que feijão com arroz também é vegano e que ninguém precisa de comida esotérica pra adotar uma dieta 100% vegetal.

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Como preparar tomate

Outro dia vi uma chef vegetariana de Nova York dizer “Qualquer um consegue preparar um hamburguer, mas deixem os legumes pros profissionais”. Já escrevi sobre o assunto aqui e como acredito que todos deveriam saber preparar vegetais de maneira a extrair o máximo de sabor de cada um deles, continuo a série de posts “Como preparar…”.

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Como preparar quinoa/quinua

Quinoa: vermelha e amarela

Tem um grande amigo meu de passagem na cidade e antes de sair do seu habitat (as florestas do norte da França) pro meu (os confins do Oriente Médio), ele teve a gentileza de me perguntar se eu queria que ele trouxesse algo pra mim, algo que eu não encontro aqui. Adoro quando me fazem essa pergunta e tratei logo de preparar uma lista, o que obrigou meu amigo a fazer sua primeira visita à uma loja de produtos orgânicos. Ele chegou aqui dizendo que descobriu um mundo novo, exatamente como aconteceu comigo alguns anos atrás. Só tem um problema: ele não sabe como preparar nada desse mundo novo. Depois dessa conversa tive uma ideia: incluir outros produtos, além de vegetais, na série “Como preparar…”.

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