Um breve curso sobre fazer feira, comer bem e evitar desperdícios na cozinha – parte 2

Se você leu o último post, já descobriu meu método pra comprar comida fresca na feira (frutas, verduras, temperos) e alimentar uma casa com muitas bocas. Agora vou falar sobre o que acontece quando volto da feira e como organizo as refeições da semana.

1- Higienizar os vegetais e guardar

Assim que chego da feira começo o processo de limpar e guardar os vegetais. Coloco as folhas (alface, rúcula, couve) e as ervas/temperos (cebolinha, coentro, manjericão) em uma bacia com água e algumas gotas de hipoclorito. Deixo de molho por meia hora, enquanto guardo o resto dos vegetais.

Como aqui em Natal faz muito calor, principalmente nessa época do ano, guardo muita coisa na geladeira. Dedico a maior gaveta da geladeira pras verduras (abobrinha, jerimum, quiabo, berinjela, tomate, batata…) e as frutas maduras vão pra uma gaveta menor. As frutas que não estão maduras vão pra fruteira, assim como os tubérculos (batata-doce e cará), a cebola e o alho.

A macaxeira, apesar de também ser um tubérculo, vai direto pro congelador, pois compro ela já descascada e cortada em pedaços, em sacos de 1kg. Quando queremos comer macaxeira, não precisa descongelar. Colocamos ela congelada na água e levamos ao fogo. Metade da goma fresca também vai pro congelador. A outra metade vai pra água (a maneira certa de guardar goma fresca) e começará a ser consumida no dia seguinte. Também aproveito pra colocar feijão de molho pro dia seguinte.

Depois que as folhas ficaram meia hora na água, a gente enxágua, escorre e armazena num recipiente plástico grande e com tampa, enroladas em panos de prato limpos. Assim elas ficam frescas por vários dias e quando queremos fazer salada, é só abrir e pegar. É prático e economiza o tempo de preparação das refeições durante a semana. Guardar as categorias de vegetais no mesmo lugar também ajuda a reduzir o desperdício: não corremos o risco de achar uma ou outra verdura apodrecendo no fundo da geladeira, escondida atrás de outras coisas.

Resumindo:

Geladeira: folhas e ervas frescas (lavadas) dentro de uma vasilha de plástico fechada, enrolada em um pano de prato limpo + Verduras (gaveta) + Frutas maduras (gaveta)

Fruteira: tubérculos, frutas verdes, limão, cebola e alho

Congelador: macaxeira (descascada), goma e frutas maduras demais (porções pequenas, pra fazer vitamina ou suco)

2- Fazer um cardápio

Como sei o que tem na geladeira, o que precisa ser preparado logo, o que aguenta ainda alguns dias, vou cozinhando seguindo essa ordem. Mas recentemente resolvi fazer um cardápio (começando na quinta, que é o dia da feira do meu bairro) pois, durante a semana, a maior parte do almoço é feita pela cuidadora da minha mãe, e isso dá mais autonomia pra ela. E o pessoal da casa estava com o hábito de me perguntar, no início da noite, “O que tem pro jantar?”. Às vezes eu estava fazendo algo e tinha que parar e pensar: “O que vou fazer pro jantar? O que comemos ontem, pra não repetir hoje?” Eu estava ficando chateada com isso. Agora todo mundo sabe o que é o jantar todo dia, não precisa mais me incomodar com perguntas, e quem não gostar do cardápio pode já começar a fazer outra coisa assim que a noite cai.

Também faço isso na minha casa, mesmo sabendo o que quero preparar todos os dias, pra facilitar o repasse. Nos dias em que Anne cozinha, ela sabe o que cozinhar (sempre seguindo a lógica do que está maduro/precisa ser consumido primeiro) sem precisar me perguntar. Mesmo se você mora sozinha, escrever um cardápio simples ajuda em vários sentidos. Além de reduzir o desperdício, tem dias que a gente está cansada demais pra criar um prato com o que tem na geladeira e precisa ser cozinhado naquela noite, aí acabamos comendo algo pronto e/ou deixando alguns vegetais estragarem.

O cardápio que fiz aqui é muito simples e segue o padrão alimentar da nossa casa (falei sobre isso no último post). Na verdade é mais um lembrete da ordem em que devemos comer os vegetais do que um cardápio com receitas. Mas eu acho que ter uma estrutura simples, que corresponda ao seu padrão alimentar, acaba reduzindo o tempo que você passa cozinhando.

Se o objetivo for diversificar a sua alimentação, ou deixá-la mais vegetal, dê uma olhada na página Receitas aqui do blog pra ter ideias de receitas pra incorporar no seu dia-a-dia. Mas antes de escolher uma lista de receitas diferentes pra testar a cada semana, uma dica importante: simplifique, não complique. Talvez incorporar uma salada crua com vários ingredientes ao seu almoço atual e comer uma fruta no lanche sejam os primeiros passos a serem tomados. Com certeza são os mais simples e que exigem menos esforços.

3- Preparações de base pra semana

Tem coisas que a gente pode preparar com antecedência e comer durante a semana inteira. Como sempre, vai depender do seu padrão alimentar, mas acho que quase todo mundo come feijão todo dia (se não come, deveria comer!). É possível fazer feijão, e arroz, pra semana e congelar porções que correspondam ao consumo diário da sua casa. E se você gosta de jantar sopa com frequência, pode fazer a mesma coisa.

Incluo aqui coisas que levam algumas etapas pra serem preparadas. Como colocar feijão e/ou grão de bico de molho, colocar castanha de caju de molho (pra fazer leite como expliquei aqui), misturar farinha de grão de bico com água e deixar fermentar pra fazer grãomelete (receita aqui). São coisas que você faz uma vez e pode consumir durante toda a semana.

4- Preparar pastas/patês

Dando continuidade ao ponto 3, considero que pastas (pra passar na tapioca, no pão ou acompanhar cuscuz e tubérculos cozidos) é uma preparação de base pra semana. Principalmente numa casa onde tem pessoas veganas, ou seja, que não acompanham seus cafés da manhã e lanches do trio manteiga/requeijão/queijo.

Escolho uma ou duas pastas, preparo em quantidade e durante o resto da semana tem acompanhamento pronto pros cafés da manhã, lanches e jantares da família. Precisa de um pouco de organização e tempo, mas é bem menos complicado do que imaginam. E muito mais saudável, barato e saboroso do que comprar uma pastinha pronta (ultraprocessada ou artesanal, animal ou vegetal).

Hummus pra semana, mais duas porções de grão de bico cozido que foram congeladas e entrarão em outros pratos na semana seguinte.

Tem muitas receitas de pastas no blog, só clicar aqui pra ver. Mas já deixo algumas sugestões. Pra quem está no Nordeste, esse queijo cremoso de castanha é melhor que requeijão. Outra opção no mesmo estilo é o creme fermentado de amendoim. Pra quem tem uma loja de produtos árabes por perto, hummus é o clássico que não dá pra enjoar nunca. Pra quem não tem acesso a tahina (pasta de gergelim) de qualidade, mas gosta da ideia de hummus, esse hummus cubano é perfeito. E ainda mais acessível pra nós, no Brasil, é a minha pasta de feijão macaça (ou fradinho) com amendoim. Baratinha, nutritiva e deliciosa.

Termino com a opção mais simples de todas, que nem precisa preparar com antecedência, pois fica pronta em segundos: abacate (maduro) amassado, temperado com sal e limão. Se puder acrescentar um fio de azeite e alguma erva (fresca ou seca), fica melhor ainda.

5- Dividir tarefas

Alimentação é responsabilidade de todo mundo. Se você mora sozinha a história é diferente, mas se divide a casa com uma ou várias pessoas, as tarefas relacionadas a alimentação devem ser divididas. Apesar de ser a pessoa responsável por fazer a feira na casa da minha mãe, tem a participação de outras pessoas nas diferentes etapas que envolvem comprar e preparar a comida, além das tarefas de limpeza na cozinha.

Uma das minhas irmãs me levava pra feira e ajudava a carregar tudo. Agora que o horário de trabalho dela mudou, é um irmão (que não mora com a gente) que está fazendo isso. Minha irmã caçula se responsabiliza por comprar uma parte da comida de mercearia da casa. Nossa irmã mais velha compra a outra parte. A cuidadora da minha mãe divide a tarefa de higienizar e guardar os vegetais comigo, além de preparar a base do almoço (feijão e arroz) durante a semana. Eu cozinho as verduras do almoço, além de fazer sopa ou cozinhar tubérculos pro jantar. Antes de almoçar, separo a marmita da minha prima, que é técnica em enfermagem e trabalha numa UBS, pra ela levar no dia seguinte. Quando essa mesma prima faz cuscuz pro jantar, ela faz em quantidade pra sobrar pro nosso próximo café da manhã (e o dela). Se ela fizer uma feijoada (vegetal) no sábado pra levar nas marmitas dela da semana, ela faz bastante pra gente almoçar feijoada no domingo. Minha irmã mais velha geralmente cozinha pra gente nos fins de semana. Durante a semana, a irmã do meio geralmente lava a louça do jantar e, às vezes, a do almoço também. Já a prima lava a louça nos fins de semana. E por aí vai. Semana passada até meu irmão caçula e meu pai, que não moram na casa com a gente, participaram. Meu irmão descascou uma ruma de coco seco que ele trouxe pra gente (nem lembro de onde) e no dia seguinte meu pai rapou tudo. Depois congelei o coco em porções pequenas pra fazer leite durante as próximas semanas.

Não é uma divisão perfeitamente igualitária e algumas pessoas têm muito mais responsabilidades do que outras na nossa casa. Mas achei importante contar como fazemos na minha família justamente por isso. Não poder ter uma divisão de tarefas perfeita não é desculpa pra não contribuir com o que está ao alcance de cada uma hoje. Qualquer responsabilidade que você tomar pra si, mesmo que pareça pequena (digamos, lavar apenas a louça do jantar aos sábados, ou preparar o almoço do domingo), alivia um pouco a carga da pessoa que, no momento, faz tudo sozinha na sua casa. Todo mundo tem que comer, não é? Então deixa eu repetir mais uma vez: ALIMENTAÇÃO É RESPONSABILIDADE DE TODO MUNDO.

Espero que essas dicas tenham sido úteis. Fazia tempo que eu não escrevia um post nesse estilo, mas agora deu vontade de escrever outros. Talvez até propor cursos sobre organização e divisão de tarefas alimentares dentro de uma casa, quem sabe…

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