Pirão de maxixe – ainda melhor

No ano de nascimento desse blog, 2010, publiquei uma das minhas receitas preferidas: pirão de maxixe. Há anos faço esse prato pra minha família e ele até já esteve no cardápio de um restaurante vegano em João Pessoa, o Papoula Culinária Saudável. A história de como criei essa receita foi assim.

Pirão é um prato muito afetivo pra mim e pra boa parte das pessoas no meu território (Nordeste). Mas por aqui ele é sempre feito com peixe ou vaca. Quando me tornei vegana, decidi que não deixaria essa parte da minha cultura alimentar pra trás e criar um pirão gostoso, feito com vegetais, virou uma missão. Veja como são as coisas. Eu nunca tinha comido pirão de maxixe, mas lembrei que algum dia, em algum lugar, alguém tinha falado dele. Perguntei ao meu redor e ninguém lembrava de ter comido, mas teve quem disse: “Já ouvi falar”. Então não posso dizer que a ideia nasceu na minha cabeça mas, por falta de referência concreta, tive que inventar a receita. Não foi difícil, bastou seguir a cartilha do pirão: primeiro faz um caldo saboroso, depois junta farinha de mandioca e coloca no fogo pra dar o ponto.

Mas aí que entra o pulo do gato. No caso, da gata. Caldo de animais é feito cozinhando pedaços do animal em questão (peixe ou vaca) na água pra extrair o máximo de sabor deles. Pirão é conhecido entre as pessoas empobrecidas da minha região como uma maniera de esticar mais um pouquinho a comida animal. Num dia se come os músculos do animal, no outro se ferve os ossos ou a cabeça (se for peixe) pra extrair mais uma refeição. Só que maxixe já tem muita água, então decidi que ao invés de cozinha-lo na água pra fazer um caldo, o que deixaria a mistura sem muito sabor, eu cozinharia o maxixe sem acrescentar água nenhuma e ele se tornaria o próprio caldo. Basta bater o maxixe cozido no liquidificador e pronto: temos um líquido espesso e saboroso pra ser a base do pirão.

Um pirão que usa um vegetal que cresce em toda roça aqui, sem exigir muito de quem lavra a terra. Na verdade, escutei muitas agriculturas dizerem: “Maxixe nem precisa ser plantado, aparece sozinho nas roças.” Nesse canto do mundo que me viu nascer, ele é um alimento espontâneo, manifestação da generosidade da terra. Então fazer pirão com esse vegetal é muito simbólico pra mim, pois até o espírito do pirão, que é alimentar mais bocas quando a comida é pouca, foi mantido aqui.

Um pirão que alimenta quem não tem quase nada graças à generosidade da terra, sem precisar derramar o sangue de um irmão de outra espécie. Isso é a nossa cultura alimentar evoluindo na direção certa. A direção do amor, da partilha dessa Terra com os outros seres e do cuidado com o vivente.

E por que voltei com uma receita publicada aqui há 13 anos, você pergunta? Porque essa receita foi evoluindo ao longo dos anos e eu precisava compartilhar com vocês a versão mais atual, que conseguiu a proeza de ser ainda melhor que a antiga. Um desbunde, minha gente, um desbunde!

Eu tenho o costume de perguntar às pessoas o que elas gostariam de comer na sua última refeição na Terra. Imaginando, claro, que você viveu uma vida longa e feliz e que ainda tem os dentes e o apetite intactos. Esse pirão seria a entrada que eu pediria na minha última refeição.

Pirão de maxixe (que eu pediria na minha última refeição)

Esse pirão tem dois segredos. O primeiro, como expliquei no texto acima, é cozinhar o maxixe sem água e bater tudo no liquidificador depois pra criar um caldo encorpado e saboroso. O segundo é usar leite de coco fresco. Foi esse ingrediente que trouxe a dose de gordura que faltava, já que maxixe praticamente tem zero gordura, e deixou o pirão untuoso, elevando esse prato a outro patamar. Outra dica importante: maxixe é melhor quando está verde. Os maduros tem sementes e casca bem mais duras, então se puder escolher, compre os maxixes mais jovens que encontrar (veja foto no final da receita). Também é importante usar farinha fina, sem caroço. Se preciso, peneire a sua pra eliminar os caroços.

Maxixes, jovens (pequenos e verdes)

Leite de coco fresco (receita aqui)

Farinha de mandioca (fina, sem caroço)

Cebola

Tomate

Alho

Coentro

Pimenta de cheiro

Óleo (usei de babaçu, mas qualquer óleo ou azeite serve)

Suco de limão (opcional)

Sal e pimenta preta

Eu compro os maxixes limpos na feira. Se não for o caso, raspe os pitocos do maxixe com uma faca (como se raspa a casca da cenoura), pra tirar a maior parte deles, e corte os rabinhos. Em uma panela grande e, idealmente, de fundo espesso aqueça um pouco de óleo e refogue a cebola picada junto com os maxixes cortados em pedaços pequenos. Refogue, mexendo de vez em quando, até o maxixe começar a grelhar em alguns lugares e pegar um pouco de cor. Isso é importante pra aumentar o sabor.

Quando estiver como na foto acima, junte o alho (picado ou pilado) e os tomates. Tempere com um pouco e sal. Veja as fotos pra ter uma ideia da proporção maxixe/cebola/tomate. O alho e os outros temperos você coloca a gosto. Cozinhe os vegetais em fogo médio, coberto, sem acrescentar água, até o tomate desfazer completamente.

Deixe esfriar um pouco, cubra tudo com leite de coco (melhor se for fresco, feito em casa) e triture no liquidificador. Tudo bem se ficar não ficar completamente homogêneo.

Coloque a mistura de maxixe batido com leite de coco de volta na panela, junte uma pitada generosa de pimenta preta, um pouco de pimenta de cheiro picada e, ainda com o fogo apagado, alguns punhados de farinha de mandioca, juntando aos poucos e mexendo bem com uma colher de pau antes de acrescentar mais. Aqui você vai adaptar de acordo com a quantidade de maxixe que você tiver usado e com a textura de pirão que você prefere. Eu gosto de pirão mais fino, mas tem quem goste de pirão grosso. Junte farinha suficiente (fora do fogo!) até ficar mais líquido do que o desejado, já que o pirão ainda vai pro fogo e a farinha vai engrossar com o calor.

Cozinhe o pirão, mexendo sempre, até ferver e encorpar. A gente sabe quando o pirão tá cozido porque ele perde a cor esbranquiçada (dada pela farinha) e fica mais escuro. Se ficou mais fino do que o desejado, junte mais farinha, polvilhando aos poucos e mexendo bem pra não emboloar. Desligue o fogo e junte coentro picado e, se gostar, umas gotinhas de limão. Prove a corrija o sal (e a acidez), se necessário. Se gostar de pimenta, sirva acompanhado de um bom molho de pimenta (meu pai tem uma receita maravilhosa).

O maxixe à esquerda está bem jovem e isso é o ideal. O da direita já está maduro, com sementes maiores e mais duras e pele mais espessa. Dá pra fazer pirão com maxixes maduros (o pirão da foto foi feito com uma mistura de maxixes verdes e maduros) mas se puder, escolha sempre os mais jovens, pois são mais saborosos e tenros.

Deixe uma resposta