“Hoje eu acho fácil ser vegano, o difícil mesmo é amar, respeitar e aceitar a minha própria espécie”

Em julho minha amiga Johanna contou as razões que a levaram a se tornar vegana e como a mudança aconteceu na sua vida e eu não imaginava que quatro meses passariam antes que outro post da série ‘Porque me tornei vegano’ aparecesse por aqui. Mas aqui estou com mais uma entrevista que vai inspirar e fazer refletir.

João Asfora Neto faz parte do grupo de amigos que conheci em Recife esse ano. Ele é um dos sócios do restaurante Papaya Verde, que oferece a melhor comida vegana que eu comi no Brasil. Ele também criou o Jornal Ganapati, que trata de vegetarianismo, ética, espiritualidade e meio ambiente. João e eu temos em comum, além da paixão por comida vegana, o envolvimento com a causa palestina. Então não precisa dizer que quando nos encontramos foi amizade a primeira vista. Admiro demais o trabalho que João faz no restaurante e fora dele (saiba mais sobre o Papaya Verde nesse post). Acho a iniciativa de servir comida vegana gourmet em um restaurante convencional extremamente louvável. É um dos maiores favores que alguém pode fazer aos veganos, além de oferecer a oportunidade aos onívoros de provar delícias vegetais sem precisar sair da sua zona de conforto. Quantos onívoros que nunca se aventurariam em um restaurante vegano provaram os maravilhosos pratos 100% vegetais de João? Por essas e outras ele é um dos meus heróis, um infatigável embaixador da culinária vegana, um ativista em vários campos e uma pessoa de uma generosidade sem fim. Senhoras e senhores, e aqueles que ainda não se decidiram, recebam com carinho o meu amigo João Asfora Neto.

Quando você se tornou vegano e o que te levou a adotar esse estilo de vida?

Faz 34 anos que me tornei vegetariano. O fato de comer animais mortos e vestir suas peles e couro sempre me pareceu inaceitável, porém não me incomodava muito que os outros não fossem vegetarianos, eu estava anestesiado. Até que um dia, quatro anos atrás, absolutamente por acaso, eu assisti o vídeo “Terráqueos”. Assisti de uma só vez e não consegui mais falar com ninguém durante alguns dias, era como se só agora eu tivesse despertado para a enormidade que era o crime que cometíamos contra os animais. Nesse dia tornei-me vegano e também nasceu a ideia do Jornal Ganapati. Sentia muito a necessidade de fazer alguma coisa. Pedi ao meu sócio para comprar a minha parte no restaurante, mas ele não aceitou. Negociei então 50 por cento do buffet vegano, e a liberdade de falar com as pessoas sobre o que significava o consumo de carnes e derivados, distribuindo os jornais e promovendo diálogos fraternos. O resultado foi bom, muitas pessoas começaram a mudar seus hábitos de consumo e até se tornaram veganas.

Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou durante a transição?

A maior dificuldade para mim foi o preconceito, envolvendo amigos, família e clientes do restaurante. O preconceito cresceu de tal forma que até os nomes dos alimentos tiveram que ser trocados e não pude mais pôr a classificação “vegana”. Resolvi então sinalizar se tinha ovo, carne, leite, e glúten (para enrolar). O resultado foi excelente e até os preconceituosos passaram a comer veganamente sem se dar conta.

Se pudesse voltar no tempo em que você ainda estava engatinhando no veganismo, que conselho daria a si mesmo? Quais foram os erros que você cometeu e que poderiam ter sido evitados?

Muitos e muitos erros… O pior foi tentar veganizar o mundo de um só golpe e agir com precipitação. Problemas de saúde não tive, aliás ela só melhorou depois que abandonei os laticínios e os ovos. Hoje eu vejo que ainda não sei nada e vivo a tentar consertar erros que cometo todos os dias. Mas os piores foram a falta de amor com que eu às vezes respondia as críticas e a falta de paciência com muitos onívoros. Hoje eu acho fácil ser vegano, o difícil mesmo é amar, respeitar e aceitar a minha própria espécie.

Que pessoas/organizações te inspiraram e continuam te inspirando no terreno do veganismo?

Primeiramente você e o blog Papacapim, pois você junta as duas causas mais caras ao meu coração: o veganismo e a causa Palestina e o seu exemplo de vida desprendida e suas receitas são o que há de melhor na internet. O Vista-se, com de Fábio Chaves (onde encontrei o vídeo por acaso e tantas e tantas informações veganas). A determinação incansável de Marly Winckler na direção da SVB nacional. O trabalho maravilhoso de Nina Rosa na causa animal e muitos outros…

Não é fácil ser vegano em uma sociedade extremamente carnívora como a nossa. O que te dá força/coragem/motivação pra seguir nesse caminho?

A única coisa capaz de nos mover em terreno tão inóspito é o ideal amoroso e libertário. E a certeza que essa fase negra da humanidade vai passar, pois não existe futuro para o planeta fora do veganismo.

Quais os conselhos que você daria pra quem está pensando em se tornar vegano?

Simplifique de imediato a sua alimentação, derrube os preconceitos com as frutas, verduras e hortaliças. Conheça um pouco de nutrição. Desenvolva a felicidade nessa opção de vida, nós devemos ser felizes por ser veganos e não ser amargos por ter a alimentação restringida. Já conheci muitos veganos amargos aqui no restaurante e isso é muito triste. São pessoas que não acham nada bom, pra quem tudo é insuficiente e que assustam os possíveis candidatos ao veganismo com esse perfil.

Divida uma receita simples e saborosa com a gente.

O bobó de grão de bico. Segue a receita. (Eu tive o privilégio de provar o bobó de João na última vez que estive em Recife e posso garantir que essa receita é absolutamente deliciosa. Vocês não imaginam a minha alegria quando ele decidiu dividi-la conosco!)

papaya verde2

* A foto de abertura foi feita por Romero Morais, que aceitou que eu a publicasse aqui no blog. Mais uma vez obrigada pela gentileza, Romero.

Bobó de grão de bico

Quando João me mandou a receita não incluiu as algas, mas depois de verificar se era assim mesmo ou se tinha sido esquecimento, ele me escreveu “sim, uso algas para temperar e dar o gostinho do mar. Uso nori tostada picada ou wakame quando acabo o preparo e, quando tenho, uso kombo, aquela dos nozinhos, para fazer o molho.” João não indicou a quantidade das algas e suspeito que ele é um cozinheiro como eu, que vai acrescentando ingredientes de maneira intuitiva, provando e corrigindo o tempero durante o processo. Então use um punhadinho de algas, prove e decida se você quer usar mais. E não deixe de conferir as dicas de João no final da receita. Na foto acima o bobó está no canto superior esquerdo (peço perdão pela foto, ela não faz justiça a esse prato maravilhoso).

5 ou mais xícaras de grão de bico cozido

1 kg de macaxeira

1 garrafinha (1/4 litro) de leite de coco

azeite de dendê a gosto

1 kg de tomates maduros sem pele (pode ser em lata)

3 cebolas batidinhas na faca

2 dentes de alho amassados

azeite de oliva a gosto

2 colheres de sopa de coentro picado

2 colheres de sopa de cebolinha picada

sal

pimenta do reino

pimenta vermelha

algas (nori tostada e picada, wakame ou kombu)

MODO DE PREPARO

Cozinhe a macaxeira. Leve ao fogo os tomates pelados e picados até virar um molho espesso (ponha água, se necessário). Numa panela grande coloque o azeite de oliva, o alho e leve ao fogo até dourar. Em seguida coloque a cebola e deixe ficar transparente.

Misture a cebolinha verde, o coentro fresco, os tomates cozidos, o grão de bico cozido, sal, pimenta do reino, pimenta vermelha e jogue tudo na panela em que está a cebola. Deixe levantar fervura. Faça um purê com a macaxeira cozida e o leite de coco (use um pouco de água se for preciso). Quando a mistura de grão de bico e verduras estiver fervendo junte o purê de macaxeira e deixe cozinhar mais um pouco. Tire do fogo e coloque o azeite de dendê, as algas e mexa bem. Leve ao fogo novamente. Prove o sal e corrija.

Dicas de João:

-Essa foi a receita inicial e já mudou bastante, pois aqui eu nunca faço do mesmo jeito. Normalmente uso mais leite de coco e gosto também de botar uma misturinha de tempero seco que existe aqui chamado ‘tempero baiano’. Quando quero mais espesso bato um pouco alguns grãos de bico no liquidificador.

-Quando faço em casa passo o coentro, a cebolinha e os tomates no liquidificador.

-Fica ótimo com arroz integral simples e um vinagrete bem azedinho com coentro, cebolinha, cebola e tomate.

21 comentários em ““Hoje eu acho fácil ser vegano, o difícil mesmo é amar, respeitar e aceitar a minha própria espécie”

  1. demais… essa receita parece ser ótima! o preconceito contra veganos e até vegetarianos existe sim, e muito, mas é realmente duro se dar conta de que “o resto da população” acha piada a sua decisão. É vamos vivendo, vamos aprendendo… parabéns!

  2. Que maravilha ver a receita do Bobó de grão de bico por aqui. Eu já comi várias vezes o bobó no Papaya Verde e tinha muita vontade de fazer em casa, mas nunca tive coragem de pedir a receita.
    O jornal Ganapati é uma excelente inciativa, eu conheci o seu blog através de uma entrevista sua que li no jornal. Na época eu era vegetariana, mas depois de conhecer seu blog eu finalmente decidi ser vegana. Essa foi uma das decisões mais importantes da minha vida, muita coisa mudou depois disso. Hoje sou mais consciente do meu papel aqui nesse plano e também sou mais compassiva com os meus semelhantes ( não apenas com os animais)
    João, Parabéns pelo Ganapati e obrigada por compatilhar suas receitas.
    Desejo muita luz no caminho de você Sandra e de João! Continuem inspirando as pessoas.Abraço

  3. Oi Sandra! Já fiquei babando na receita do bobó!! Pensei em vc hj pq queria dividir um site super legal que descobri aqui na nossa vizinhança. Não sei onde vc costuma fazer suas compras, ja deve ter encontrado seus hot spots, mas mesmo assim achei a ideia genial. são caixas de frutas e legumes organicos que a gente pode encomendar pelo site e são entregues em casa, vc ja viu? Dá pra pedir a caixa pronta da semana ou montar vc mesma, além dos vegetais tem chás, pastas, geléias… Varias coisas legais. Recebi uma caixa deles hj mesmo e adorei, entregaram no horario combinado e os vegetais, claro, são de ótima qualidade. Se te interessar, ai vai o link. Beijo e obrigada por partilhar coisas tão gostosas conosco.

    https://www.reason2.be/

  4. Hum que delícia! Com certeza vou incluir este prato na minha “lista de desejos gastronômicos”, mas confesso que também fiquei de olho no Vatapá de banana da terra da foto. Que invejinha boa de quem está em Recife para poder provar estas delícias!

  5. Adorei a entrevista e a receita!

    Recentemente fui a um encontro no qual o cardápio teve que ser rearranjado às pressas, pra se adequar aos vegetarianos presentes no evento. Aí que a responsável pelo local me diz que tava pensando em fazer bobó com cenoura (oi?) e eu disse que ficaria muito melhor com grão de bico, apesar de nunca ter comido desse do Papaya (apesar de morar em Recife) nem ter visto nenhuma receita assim (tenho “mania” de usar grão de bico como substituto de carne branca e sempre dá certo. Então, por que não? hehehe).

    O bobó foi sucesso entre vegetarianos e onívoros e, desde então, tenho pedido pra que minha mãe faça aqui em casa também (frutos do mar sempre estiveram nos meus pratos favoritos e ainda são meu calo). O que acho mais legal de tudo é ver como os onívoros se deliciam com esse prato totalmente vegano.

    Parabéns a Sandra e a João. Sei que a pergunta não foi feita a mim, mas vocês são duas pessoas que me inspiram no terreno do veganismo =) Gratidão!

  6. Que presenta esta entrevista. Realmente inspiradora.
    Gostei de ver que não sou a única a ver o grão de bico como um ótimo candidato para bobó.
    Fiz uma receita no natal passado de bobó de grão de bico com castanhas de caju que foi um absoluto sucesso.
    O problema foi que foi tudo de olho e a quatro mãos( as minhas e a da moça que trabalha para minha família e nenhuma de nós duas se lembrou de anotar a receita).
    Tentei fazer outras vezes mas nunca ficaram tão boas quanto o do natal e já tinha desistido de fazer bobó de grão a de bico, e aí, eis que me deparo no blog com esta delícia de novo. Que alegria! Agora vou poder fazer bobó de grão de bico sem erro. 🙂
    Obrigada Sandra e joão.

  7. Excelente a reportagem. Sou advntista do sétimo dia e parei de comer carne desde a minha infância. Também reforcei as minhas convicções quando assisti o vídeo ” a carne é fraca”. Indico a todos: a perversa dominação humana sobre os animais é repugnante. Parabéns pelo espaço aberto na sociedade aos alienígenas que enxergam o mundo de uma outra forma. Graças a Deus por tudo isso!

  8. Ai ai! Resolvi ser vegetariana e to sofrendo pra conseguir adequar minha dieta; to virando uma bola de banha devido ao desequilibrio entre a ingesta de proteina e carboidratos.E olha que sou ovo lacto; ainda assim nao ingiro nem a metade da proteina que preciso! Nao tenho tempo e nem sei cozinhar, alem disso, vivo num ambiente totalmente carnivoro! Odeio soja e acho que nao é nem um pouco saudavel, principalmente devido a transgenia! Tentei a quinoa, ma, pra mim tem gosto de agua sanitaria(igual aquele tofu nojento!) Aqui nao vende algas e nem sei se ia gostar(mesmo qdo comia carne odiava comida japonesa) e cogumelos custam os 2 olhos da cara!
    Sera que vc pode me dar algumas dicas?

    1. Marci, eu vou tomar a liberdade de responder, tá? Tem um monte de delícias pra você testar neste blog, mas de cara você pode saber que dá pra ingerir bastante proteína comendo o bom e velho arroz com feijão e acrescentando outros grãos nas suas refeições, como ervilha, lentilha e grão de bico. Grão de bico é meu preferido porque pode ser transformado em várias coisas (como essa receita deliciosa aí em cima).

      Quinoa, amaranto e chia não têm muito gosto, daí a jogada é colocá-los na vitamina, na tigela de frutas e coisas assim. O bom é que além de serem ricos em proteína eles deixam a pessoa saciada por bastante tempo, então isso ajuda quem quer controlar o peso. Nesse sentido, trocar carne por queijo não é uma boa ideia porque tem muito mais gordura no queijo que na carne.

      De qualquer forma, o ideal realmente é consultar um nutricionista pra saber qual a tua necessidade de proteínas e afins (já que isso varia muito) e como adequar isso ao que você já gosta de comer, sem sofrimento.

      : )

  9. Muito legal a matéria. Quando me tornei sócio de um restaurante vegano, nunca tinha provado e aos poucos fui mudando meus hábitos alimentares. 12 anos depois saí daquele restaurante, mas abri outro tambem vegano no centro do Rio (Dona Vegana). Muitos entram aqui sem nem saber que é vegetariano e aos poucos vamos abrindo as “mentes”. abs

  10. Fiz a receita e realmente é maravilhosa. Ficou parecido com o bobó que tinha feito na natal passado no olhômetro, mas este ficou mais gostoso.Obrigada por dividir a receita.
    Façam: não vão se arrepender.

  11. Algumas modificacoes que fiz : usei umas 4 colheres de sopa de pimentao verde bem picadinho e refoguei depois junto com a cebola e alho ja dourados ; usei um pouco mais de 1quilo de tomates ( deu 1 quilo e meio) acrescentei umas 4 colheres de sopa bem cheias de molho de tomate pronto; cheiro verde dobrei a quantidade ( usei um maco de coentro e meio de cebolinha) ; coloquei umas 3 xicaras de agua e deixei ferver uns 20 minutos ate ficar igual uma moqueca, ai coloquei o aipim batido comleite de coco, omiti as algas e finalizei com 2 colheres de sopa cheias de dende. Ficou DIVINO. Fiz novamenteno ano novo e ainda ficou melhor do que o que fiz neste natal e ja tinha sido um sucesso. Se quer arrasar, esta e a receita. P.s: meu teclado ta com problemas, sem pontuacao. Desculpem os erros.
    Um feliz 2014 para todos!

Deixe uma resposta