Foi isso que fiz essa semana. Eu já falei em algum post que tenho uma vizinha américo-palestina que visita o país duas vezes por ano pra fazer shows (ela faz “stand-up comedy”) e que sempre me contrata pra preparar todas as suas refeições durante a estada. Ela está aqui no momento, mas dessa vez está hospedada em Ramalla (cidade no norte da Cisjordânia) por isso tive que preparar todas as suas refeições de uma vez. Coloquei a comida em marmitas de alumínio e ela congelou tudo pra ir comendo aos poucos. Maysoon adora os pratos que invento e a coisa que mais gosto na minha profissão, se é que posso me considerar uma profissional da cozinha, é encher a barriga das pessoas de alegria, mas que trabalheira danada! Ainda não consegui dar cabo da louça suja e mesmo depois de uma boa noite de sono e três canecas de café me sinto completamente esgotada. Além do trabalho intenso e das intermináveis horas em pé, a maratona culinária contou com a participação de dois blocos de tofu podres que empestaram a casa durante dias, uma batata malcheirosa supurante que se escondeu embaixo da cesta de frutas e me vez achar que tinha um rato morto na cozinha, até eu descobrir a origem do bodum, gatos pulando na pia em busca de comida e derrubando minhas preparações no chão, algumas micro varizes e muito mau humor. Sobrevivi, mas não aconselho ninguém a aceitar uma missão dessas.
O lado positivo é que meu congelador está cheio de restos e não precisarei cozinhar novamente durante vários dias. E, apesar do caos, consegui criar novas receitas de cair pra trás! Gostaria de dividir vários pratos com vocês, mas no meio da confusão não pude fotografar nada. E os restos que dormem no congelador vão sair de lá tão feinhos que vai ser difícil convencer vocês que aquilo é gostoso. Mas consegui guardar um pedaço de bolo salgado de lentilha na geladeira e ele ainda está atraente o suficiente pra aparecer nas fotos.
Esse bolo salgado foi improvisado ontem à tarde, como solução pra um problema que encontro com frequência aqui: falta de ingredientes. Eu queria fazer croquetes de lentilha com chutney de manga, mas as mangas ainda não chegaram na feira e tive que adaptar a receita. Como eu nunca tinha feito bolo salgado de lentilha, decidi me aventurar por esse território desconhecido. Sem receita, porque gosto de viver perigosamente. Felizmente deu tudo certo e aqui estou pra dividir a receita com vocês.
Meu bolo, além de delicioso e extremamente nutritivo, pode ser servido de várias maneiras. Ele faz papel de prato principal, pode se transformar em recheio pra sanduíche, em aperitivo (nesse caso corte em cubinhos e sirva espetado em um palito)… Acabo de comer três fatias geladas, com um café forte. Talvez eu tenha gostos estranhos (sempre gostei de comer pizza fria com café no café da manhã), ou talvez meu bolo seja tão gostoso que fique bom de qualquer maneira, em qualquer temperatura, a qualquer hora.
Bolo salgado Assado de lentilha
Use as oleaginosas que tiver em casa, de preferência uma mistura. Usei nozes e sementes de abóbora, mas imagino que castanhas do Pará e sementes de girassol também fiquem uma delícia aqui. Se puder preparar esse bolo na véspera, melhor ainda, pois os sabores ficarão mais intensos e a textura mais firme. #Uma leitora chamou o bolo de assado e achei o nome tão melhor que decidi rebatizar a receita. Obrigada pela inspiração, Márcia.
1x de lentilha crua
1 cebola grande, picada
4 dentes de alho, ralados/amassados
1 cenoura, ralada
1 maçã, picada
1/2x de salsão (talo e um pouco das folhas), picado
1x de oleaginosas (usei 2/3 de nozes e 1/3 de sementes de abóbora descascadas)
2cs de linhaça moída
2cs de shoyu (ou a gosto)
1 1/2x de farinha de aveia, mais um pouco pra polvilhar a forma (trituro aveia em flocos no liquidificador)
Azeite, sal e pimenta do reino
1/2x de molho de tomate bem temperado* (opcional)
Cozinhe a lentilha em bastante água, com um pouquinho de sal. Quando estiver bem macia escorra e reserve. Toste as oleaginosas em uma frigideira (a seco) e passe no processador até obter uma farinha grossa. Você também pode picar tudo bem miúdo com uma faca. Refogue a cebola em um pouco de azeite. Junte o alho, a cenoura, a maçã e o salsão e deixe cozinhar coberto até os vegetais amolecerem. Desligue o fogo e junte a lentilha cozida, as oleaginosas trituradas, a linhaça, o shoyu, a farinha de aveia e uma pitada generosa de pimenta do reino. Misture bem, prove e corrija o tempero (provavelmente será necessário acrescentar um pouco de sal e sinta-se à vontade pra juntar mais pimenta ou mais shoyu, até ficar perfeito pro seu gosto). Passe 2/3 da mistura no liquidificador. Não precisa triturar até ficar homogêneo, alguns pedacinhos devem permanecer inteiros. Misture com o resto da massa (a parte que não foi triturada). Unte uma forma estreita e comprida (dessas com o formato de um pão de forma) com azeite e polvilhe com farinha de aveia. Despeje a massa na forma, alisando a superfície com uma espátula (ou as costas de uma colher). Por cima espalhe metade do molho de tomate, se estiver usando. Asse em forno médio, pré-aquecido, durante aproximadamente 1 hora, ou até ficar bem dourado e os lados começarem e se despregar da forma (verifique o cozimento regularmente pra não deixar queimar). Você pode esperar o bolo amornar, desenformar e servir, ou fazer como fiz: desenforme o bolo ainda quente (cuidadosamente pra não despedaçar) sobre uma placa (dessas de assar biscoito), espalhe o resto do molho de tomate sobre o bolo e coloque de volta no forno até ele ficar bem dourado de todos os lados. Assim o bolo fica mais sequinho por fora e com uma cor mais atraente. Nos dois casos espere amornar antes de servir, pois a textura vai ficando mais firme conforme ele esfria. Rende aproximadamente 6 porções (ou várias fatias, dependendo da espessura que você cortar).
*Usei um resto de molho de tomate caseiro que bati no liquidificador com alguns tomates secos, um tiquinho de vinagre balsâmico e uma tâmara pra criar um ketchup natural e melhorado, que realçou o sabor do bolo.
Isso de fazer 17 pratos deve ser cá um desafio… No outro dia fiz sobremesa, prato principal e uma saladinha bem arranjada para a mesma refeição e já estava tão cansada e com dores de cabeça, nem imagino como é que deve ser fazer 17 pratos diferentes!
E humm , um assado de lentilhas 🙂 ficou bem apetitoso o bolo , mais uma receita para eu fazer ao domingo (lá em casa é tradição comer assado ao domingo, mas acho que agora já sei o que comer com as batatas assadas da minha mãe) :p
Adorei o nome que você deu ao bolo! Assado!!!! Por que não pensei nisso antes? Fiquei matutando um tempão procurando um nome que traduzisse esse prato e não pensei em nada melhor do que “bolo”, mas fiquei muito insatisfeita… Agora já sei como chamar esse tipo de criação. Obrigada (mais uma vez) pela inspiração, Márcia.
carambaaaaaa!!! 17 pratos!! sozinha?!!! eu tinha tido um ataque, começado a chorar e jogado tudo fora… só de stress!! rsrs
parece bom mesmo esse bolo ein?sou meu chata com algumas coisas de manhã… mas o resto do dia ia muitíssimo bem!! bjs
Sozinha, Luciana. Quer dizer, com os gatos atrapalhando. Mas Anne lavou muita louça pra me ajudar.
os gatos vegetarianos são um barato, rsrsrs… Só vc pra dar polenta pros bichanos. Em casa temos uma que adora mato, quando chega a caixa de orgânicos ela corre pra cheirar as folhas.
Rapaz, são eles que se jogam na minha comida. Juro que sou inocente nesse processo de veganização de felinos.(Sandra)
Mas que maratona culinária! Só fico com pena de não ver os dezassete pratos cozinhados. Este bolo de lentilha tem um ótimo aspecto, vou experimentar sem dúvida 🙂
Foto não tem, mas posso te contar o que preparei. Dos pratos que já apareceram aqui no blog fiz: ensopado senegalês, minha lasanha preferida, makis veganos, makis crus, macarrão gratinado com brócolis, sopa de jerimum (abóbora) com gengibre, ensopado de legumes indiano, gnocchi, ensopado marinho, aloo masala, yakisoba de legumes e esse bolo de lentilha. Os pratos inéditos: curry parsi, sopa cremosa de milho e couve-flor, sopa de lentilha vermelha, batata doce e leite de coco, tajine de jerimum e grão de bico e… esqueci o último:-(
Sandra não resito a pedir para você publicar a receita de batata doce e leite de côco e tajine de jerimum e grão, a primeira por adorar os ingredientes e a segunda por querer experimentar e ainda não ter encontrado uma boa receita 🙂
Paula, você foi direto nas duas invenções de mais sucesso da maratona (na minha opinião). Mas serei obrigada a ser malvada e manter as receitas na gaveta, pois elas vão entrar no livro Natural e Vegetal e por isso não posso dividi-las (por enquanto) com você. Desculpa, mas você vai ter que esperar alguns meses antes de degustar essas maravilhas. Espero que não fique brava…
Parece bom… uma tortinha bem nutritiva. Sandra, agora aqui não temos salsão. Os que temos, na verdade, são bem frufrus. E ai? Como faço? Coloco só as folhas mesmos? Qual o objetivo do salsão nessa torta? Umedecer?
Assim q eu terminar de cozinhar as 6 receitas (em 1 dia) para o aniversário de Lenita eu vou fazer a torta de lentilha. Tenho certeza que laurinho irá amar!
O salsão serve pra dar gosto, mas tenho certeza que o salsão frufru de Natal vai dar certo nessa receita.
Nossa! Tô com água na boca!!!
Bem que eu queria encomendar um mês de marmitas suas!!!! Mas vou me contentando com receitas!!
Não ligo pra fotos feias não! Eu acredito na sua palavra! Até agora tudo que fiz daqui é maravilhoso e já apareceu várias vezes na mesa!
Nossa, fiquei sem fôlego só de ler o post! Desejei morar pertinho de você, pois eu iria de bom grado lavar toda a louça, espantar (carinhosamente) os bichanos e, de quebra, sorver um pouco de tanta sabedoria gastronômica. Fiquei feliz ao ler a receita e ver que tinha quase todos os ingredientes. Só me faltava o salsão, ingrediente não muito comum nessas bandas das Gerais. Como boa discípula do Papacapim não me intimidei: resolvi o problema substituindo o salsão por um refogado de milho com abobrinha que eu havia preparado pro almoço. O sabor ficou ótimo, mas a textura pareceu-me excessivamente úmida. Talvez eu devesse ter assado mais, ou seria culpa do meu refogado? rsrsrs… De qualquer forma valeu e não sobrará nenhuma migalha, estou certa disso. Abraços
Acho que seu refogado deve ser o culpado do excesso de umidade… Mas o problema é fácil de corrigir, basta acrescentar mais farinha de aveia da próxima vez. Claro que o tempo de cozimento também influencia a textura do assado. E, como expliquei no post, ele fica mais sequinho se for assado duas vezes (uma na forma e outra na placa). Mas mesmo assim ele fica bem suculento. Se quiser um assado menos úmido use um pouco mais de aveia e deixe assando na placa (em forno baixo pra não queimar) durante mais tempo. Outra opção seria fatiar o assado depois de desenformado, colocar as fatias na placa e deixar mais uns minutos no forno.
Nossa, que legal! Sabe que foi exatamente o que eu fiz, e funcionou. Eu pretendia seguir sua recomendação de terminar de assar na placa, mas estava em cima da hora de um compromisso e não pude esperar. Ontem, depois que enviei o comentário, resolvi fatiar o bolo, pincelar as fatias com molho de tomate e voltar pro forno. Ficou ótimo. Adorei hoje, quando vi que havia me antecipado à sua orientação. Beijos
Olá, Sandra!Que maratona! Só de pensar já ficaria intimidada, mas sei que quando fazemos algo que gostamos para alguém que aprecia o nosso trabalho também nos dá uma energia extra. Achei que o nome assado ficou bem apropriado, porque esse crostinha dourada faz lembrar mesmo um assado. Vou fazer esta receita em breve, tenho todos os ingredientes menos o salsão, que aqui em Portugal chama-se aipo. Mas não preciso de experimentar para saber que esta receita é ótima. Todas as suas receitas são!
Os gatinhos estão cada vez mais fofos e atrevidos 🙂
Tava procurando alguma receita de biscoito de aveia, sem aquele monte de doces e chocolate e sei lá mais o que e cheguei aqui. Que delícia achar esse blog! Deu vontade de aprender a cozinhar – com esse capricho todo, não só ‘me virar’, como eu faço.
Vou voltar sempre 🙂
Seja benvinda, Nice. Espero mesmo que volte mais vezes.
Nunca havia imaginado usar lentilha para fazer assado… será que fica com textura semelhante ao quibe assado?
Para as colegas que não tem bom salsão por perto: será que não daria certo usar ora-pro-nobis ou taioba picados? O aroma é diferente, mas pelo ponto de vista nutricional não fica nada a dever!
Com certeza. Eu gosto muito de salsão com lentilha e acho que ele vai muitíssimo bem com maçã, mas salsinha ou coentro também quebram o galho. Claro que com cada erva o gosto será diferente…
Acabei de descobrir seu site, de fazer o Assado de Lentilhas e a maionese de abacate, e estou deslumbrada !!! Parabéns !!!
Obrigada, Sheila. Seja benvinda!
Oi Sandra! Fiz o assado e ficou muito gostoso! Como não tinha semente de girassol, substitui por castanha do pará e caju. O salsão e a maçã fazem o sabor ficar especial : ) Vc é a maga das receitas vegetais, obrigada por compartilhar com a gente! Um abração!!
De nada, Miriam. Adoro compartilhar receitas vegetais saborosas, pode ter certeza que o prazer é todo meu:-)
Acabo de descobrir que a lentilha e a linhaça quando germinadas potencializam seus nutrientes especialmente a vitamina B12. O grão de trigo eu já sabia e o faço. A lentilha se faz da mesma maneira que o grão de trigo, 48 até 72 horas na água e 24 horas sem água e hidratadas, a linhaça lava-se e deixa-se germinando por 24 até 48 horas. Faz-se saladas, coloca-se na sopa, de preferência não as levamos ao fogo para não diminuir as propriedades benéficas.
acho que fiz algo errado, definitivamente…. 🙁 Hoje servi um jantar para 6 pessoas (2 vegans, 1 vegetariana), fiz o assado de lentilha e o molho de tomate, junto com abóbora e nozes assadas, salada verde (temperada com limão, acho que esse foi um dos erros), crackers e pão caseiro integral, queijo de castanhas fermentadas, “maionese” de abacate e manjericão. Sobremesa morango, uvas, gelato de chocolate e waffle de grão de bico. Tínhamos vinho tinto. Ok, praticamente tudo vindo do papacapim…
Tudo estava gostoso (eu achei, marido também, visitas não sei, não dá pra saber ao certo em se tratando de americanos). Mas, minha língua sentiu um pouco, como uma acidez, acho que misturar limão com vinho não deve ser muito esperto. Um dos convidados também sentiu isso.
Não sei… difícil saber depois de tanta mistura….
Feliz Natal querida Papacapim, a você e os seus leitores. Estou preparando o assado de lentilha para nossa ceia, como já fiz no ano passado. Um grande abraço, desejo muita inspiração e paz para que você possa continuar sendo esse elo tão bacana numa comunidade que mesmo sem se conhecer, acredita na força de uma comida carinhosa, saudável, sustentável.
Obrigada, Ivana. Muita luz pra você em 2016. E muita comida boa 🙂