Almoços

É uma história que aconteceu há muitos anos, mas nunca esqueci. Eu estava no Sertão, visitando uma tia. Eu tinha me tornado vegana há pouco tempo e comer na casa de familiares ainda causava uma certa tensão. Não do meu lado, mas do lado da família, que não sabia mais o que cozinhar pra mim. Eu repetia que bastava fazer o de sempre: feijão, arroz, macaxeira, tapioca, cuscuz, batata doce… Sempre repito que o Nordeste é o melhor lugar do mundo pra ser vegana, pois a base da nossa cultura alimentar é vegetal. Mas lá estava eu, na cozinha da tia, na hora do almoço, depois dela ter me dito, mais uma vez, que não sabia o que cozinhar pra mim. Ela tinha preparado feijão verde, arroz, batata doce e macaxeira cozidas, salada crua e maxixe. Também tinha preparado uma galinha. Quando terminei de encher o meu prato, que estava abarrotado de comida e lindamente colorido, minha tia olhou pra ele com cara de tristeza, suspirou e disse: “Achou alguma coisa pra colocar no prato, minha filha?” 

A única diferença entre o meu prato (que estava mais cheio do que o dela, diga-se de passagem) e o dela era que o dela tinha, além de tudo que tinha no meu, uma coxa de galinha. Mas minha tia não viu nada ali. Ela nem sequer viu uma “refeição incompleta”, ela viu um prato vazio. Achei graça na hora, mas hoje acho uma pena a gente ter integrado que comida de verdade só pode ser animal. Que a comida que vem da terra, a nossa comida ancestral, não conta. Não enche a barriga nem o prato.

Sempre que estou aqui em Natal fico maravilhada com a riqueza da nossa comida. Com a imensa variedade do que sai da terra aqui. Com os sabores dos alimentos vegetais que crescem nesse território. Quando eu ainda usava Instagram o pessoal adorava quando eu postava fotos dos meus almoços potiguares. Quem era vegana encontrava inspiração pra variar as preparações do dia-a-dia. Quem não era, o que representava uma parte significativa das pessoas que acompanhavam meu trabalho por lá, ficava impressionada com a diversidade da minha alimentação, pois tinha a (falsa) impressão que ser vegana significava restringir a dieta. 

Hoje vim celebrar a abundância da comida da terra (a única comida, na verdade, já que animais não são comida pra mim) e da minha terra em especial.

(Em sentido horário) Feijão preto, abacaxi, arroz, salada de repolho e couve com molho de abacate, chucrute e purê de jerimum.

Feijão macaça, arroz, salada de folhas, pepino e abacaxi, batata doce cozida, quiabo grelhado e repolho refogado.

Feijão prato, farofa de restos, quiabo grelhado e banana da terra frita, mais folhas e abacaxi.

Feijão preto, abacaxi, macarrão com molho de tomate, couve refogada, purê de jerimum, repolho refogado e banana da terra frita (claramente um mix de restos dos dias anteriores).

Feijão verde, farofa de banana e couve e moqueca de caju.

8 comentários em “Almoços

  1. Menina linda, você está no Brasil e eu aqui no sudeste, tão longe de ti. Partilharia todos os seus pratos,quanta delícia!…bjks

  2. Depois dessa receita, da forma como ela foi deliciosamente apresentada, tenho certeza de vou aceitar o convite pra dançar outros ritmos com o
    caju pois com ele so apreciava o suco.
    Gratidao, Sandra, querida.
    Ate breve!

  3. Curiosamente, passei pela mesma situação ontem. Fui almoçar na casa de uma tia e, por mais que nosso prato (meu e da minha mãe) estivesse cheio, ela continuava pedindo para botarmos mais e dizia que ainda faltava alguma coisa! Kkkkkkkkkk
    É engraçado, mas também um pouco triste e cultural.

  4. Sandra, que delícia de comidas! Fiquei com vontade de comer com vocês.
    Reparei nas suas pequeninhas porções de arroz também hehehe

    Como é esse molho de abacate que você preparou com a couve? Deve ter ficado super gostoso!!!

    1. Eu não gosto muito desse arroz, acho bem sem graça (heresia, eu sei ;). O único que gosto é o vermelho. O molho de abacate foi feito pela minha irmã. Mas ela só fez bater uma banda de abacate maduro com limão, um pouco de azeite, sal e pimenta. Fica parecendo uma maionese mais leve (e verde).

  5. Meu companheiro também sofre desse mal, acha que se não tiver mistura (atualmente ovo frito) não tem comida no prato. É difícil se livrar do que aprendemos numa vida inteira. Mas não impossível.

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