Por que o movimento vegano deve apoiar o MST – parte III

Preciso começar dizendo que recebi várias mensagens de pessoas que leram os posts anteriores e , ao começarem a entender a atuação do MST, passaram a ver o Movimento com outros olhos. Nem sei dizer o quanto isso conta pra mim. São essas mensagens que me fazem acreditar que é possível quebrar preconceitos e que o meu trabalho, apesar de no momento ser uma militância de sofá, é capaz de produzir uma mudança positiva na sociedade. Continuemos lutando de punho erguido.

O terceiro post da série é, provavelmente, o mais esperado. Sabe aqueles mitos que você cresceu ouvindo? Aqueles comentários feitos pelo seu tio ou pai (ou professora, ou apresentador do jornal) que fizeram com que você sempre visse o MST com maus olhos? Vim aqui desmistificar isso tudo e também reponder as perguntas que me fazem com mais frequência.

Mitos e Perguntas sobre o MST

1- Os sem terra são vagabundos que invadem as terras de cidadãos de bem que trabalharam muito pra conquistar seu patrimônio. Propriedade privada é sagrada. Invadiu? Merece bala!

Difícil não ter uma atitude extremamente hostil com relação ao MST quando o próprio presidente eleito do nosso país vomita preconceito e incentiva a violência em rede nacional, né? Mas vamos lá.

O MST não “invade” terras, o termo apropriado é “ocupar”.

O direito à propriedade privada está garantido pela nossa Constituição, mas essa mesma Constituição também diz que toda terra deve cumprir a função social, ou seja, deve estar produzindo dentro da sua capacidade, respeitando o meio ambiente e sem trabalho análogo à escravidão. Caso contrário ela pode ser desapropriada pelo Incra e utilizada pra reforma agrária. Trabalhadores e trabalhadoras sem terra ocupam somente grandes propriedades improdutivas, que não cumprem a função social.

Mas se você concorda que invadir terras é um crime terrível que justificaria uma resposta tão violenta quanto a sugerida pelo presidente eleito, então vamos falar de invasão. Sabe quem realmente invade terras? Os grandes latifundiários que praticam grilagem. “Grilagem” é quando um proprietário privado invade terras de terceiros, geralmente terras públicas, criando documentos falsos pra se apropriar das mesmas. O maior latifúndio que já existiu no Brasil tinha 4,7 milhões de hectares e fazia parte do grupo C.R. Almeida. A fazenda Curuá, em Altamira (PA), tinha trechos que pertenciam ao Estado, outros à União e alguns faziam parte de territórios indígenas. O título da fazenda foi cancelado pela Justiça Federal em 2011 e ela foi considerada pelo Iterpa (Instituto de Terras do Pará) como a maior área grilada do país.

Um estudo de 2006 realizado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Museu Emílio Goeldi, a pedido do Ministério do Meio Ambiente, descobriu 30 milhões de hectares grilados somente no estado do Pará. Mas espera, por que esses invasores aí não merecem bala? Será que tem alguma coisa a ver com o fato desses grandes latifundiários/grileiros se organizarem na maior bancada do Congresso, a Bancada Ruralista, e apoiarem o novo governo?

Os 10 maiores latifundiários do país, de acordo com dados do INCRA, tem juntos 16.694.648 hectares de terra. Sim, mais de 16,6 milhões de hectares na mãos de um pequeno punhado de pessoas. Você acha justo ter tanta terra nas mão de tão pouca gente, enquanto ali do lado milhões de camponeses e camponesas se vêem sem acesso à terra e sem a possibilidade de sustentar suas famílias?

É revoltante ver pessoas desejarem a morte de agricultoras e agricultores sem terra, principalmente quando sabemos que essa violência é uma realidade. Pessoas sem terra são frequentemente vítimas das balas dos grandes latifundiários, muitas vezes com o apoio de políticos e da polícia. O massacre mais sangrento que se tem conhecimento foi no acampamento do MST em Eldorado dos Carajás (PA), não por acaso o estado com os maiores latifúndios do país. Em 1996, enquanto 3500 famílias esperavam pra serem assentadas, 155 policiais participaram da ação, sem identificação no uniforme e com armas e munições que não tinham sido anotadas nas fichas que comprovam quem estava no local. O resultado foi 21 sem terras assassinados e outros 56 feridos/mutilados. Segundo o médico legista Nelson Massini, houve tiros na nuca e na testa, indicando o assassinato premeditado de sete vítimas. Os culpados pelo massacre seguem impunes. E esse foi somente um dos muitos massacres e assassinatos de lideranças sofridos pelo MST desde que o Movimento foi criando, no início dos anos 80.

2- O MST rouba as terras dos fazendeiros.

O MST não rouba a terra de ninguém. Quem faz a desapropriação da grande propriedade improdutiva é o Incra e vale repetir que o Incra não toma a terra do fazendeiro. Na desapropriação, o Incra tem que pagar uma indenização ao proprietário em valores de mercado, determinados pela vistoria de avaliação.

3- Reforma Agrária tudo bem, mas ela deve ser controlada pelo governo, não feita por um bando de criminosos como o MST.

O Incra, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, é um órgão federal da Administração Pública brasileira.

É o Incra, não o MST, que determina se uma terra cumpre ou não a função social, ou seja, se é improdutiva e pode ser usada na reforma agrária. O MST tem o direito, no entanto, de indicar terras improdutivas pra serem vistoriadas pelo Incra. O Incra explica: “A participação das entidades representativas dos movimentos sociais de luta pela terra na indicação de áreas é prevista pelo Decreto 2.250/97, que também garante a presença de representante técnico dos movimentos durante a realização da vistoria.”

Também é o Incra, não o MST, que desapropria terras improdutivas (depois de pagar a indenização ao proprietário da terra em valores do mercado) e instala os assentamentos. Ou seja, absolutamente todos os assentamentos do MST foram criados pelo Governo. Se coubesse aos agricultores e agricultoras sem terra fazer a reforma agrária o campo já teria sido democratizado há muito tempo.

4- Tem “sem terra” rico, cheio de imóveis, que continua invadindo terras!

O mito de que tem pessoas ricas que fingem ser sem terras pra ganhar terras do governo é absurdo! E impossível. Somente agricultores e agricultoras sem terra, posseiros, assalariados ou arrendatários podem entrar pro cadastro das famílias do Incra e ter, eventualmente, acesso a um lote em um assentamento. E só é possível ser assentada(o) UMA VEZ!

Pra se inscrever no Programa Nacional da Reforma Agrária, agricultores devem entrar no cadastro das famílias do Incra, um banco de dados com informações sobre candidatos que se inscreveram pra serem beneficiados com lotes em assentamentos. Ao adquirir um imóvel rural, o Incra utiliza o cadastro pra selecionar as famílias que poderão ser assentadas no local. O cadastro por si só não não dá direito a ser assentada nem é garantia de que a candidata receberá de fato a terra. A inscrição e cadastro destinam-se a identificar e quantificar a real demanda por terra.

Não pode ser assentada(o):

1 – Funcionário público federal, estadual ou municipal – a regra também se aplica ao cônjuge ou parceiro (ou seja, cônjuge de funcionário público não pode ser assentado);

2 –  Candidato com renda familiar proveniente de atividade não agrícola superior a três salários mínimos mensais;

3 – Agricultor que for dono, sócio ou cotista de empresa ou indústria – a proibição também se aplica a cônjuge ou companheiro;

4 – Qualquer pessoa que já foi assentada anteriormente – regra vale para o cônjuge ou companheiro;

5 – Proprietário de imóvel rural superior a 01 módulo rural do município – o mesmo vale para o cônjuge;

6 – Portador de doença física ou mental, cuja incapacidade o impossibilite totalmente para o trabalho agrícola – afora os casos em que um laudo médico garante que a deficiência apresentada não prejudique o exercício da atividade agrícola;

7 – Estrangeiro não naturalizado;

8 – Aposentado por invalidez -não se aplica a cônjuge ou parceiro;

9 –  Condenado pela Justiça ( por sentença final definitiva transitado em julgado ) com pena pendente de cumprimento ou não prescrita.

As famílias selecionadas passam por um processo de classificação assim que surgem vagas em terras recém adquiridas pelo Incra. Entre os critérios pra classificação das famílias cadastradas, estão: tamanho da família, força de trabalho da família, idade da candidata(o), tempo de atividade agrícola, moradia no imóvel desapropriado,  moradia no município, tempo de residência no imóvel e a renda anual familiar. Se a pessoa tem uma renda alta, se  é rica, ela NÃO tem direito a um lote em um assentamento, minha gente!

Somente famílias sem terra, capazes de trabalhar na terra e sem condições de comprar terra podem se tornar assentadas. E, vou repetir, somente uma vez! (regra válida pro cônjuge do assentado, que não pode pedir outro lote de terra pra si).

5- Esses vagabundos dos sem terras só querem terras pra em seguida vende-las e ficar com o dinheiro, depois recomeçam o mesmo processo em outro lugar.

Lotes em assentamentos do Incra não podem ser vendidos, arrendados, alugados, emprestados ou cedidos por particulares. Não estou afirmando, no entanto, que nunca nenhum assentado negociou seu lote, mas essa é uma prática ilegal, combatida pelo próprio Movimento. O que acontece com mais frequência é o abandono dos lotes por falta de infraestrutura, pois nenhuma família quer ficar em um local onde ela não possa viver dignamente.

Após a criação do assentamento, o Incra inicia a fase de instalação das famílias no local. É o Incra que escolhe, através de sorteio, o lote que irá pra cada família. Isso garante as mesmas condições de participação de todos os beneficiários.

Em seguida os beneficiados assinam o Contrato de Concessão de Uso (CCU) com o Incra. Esse documento dá direito ao assentado de morar e explorar um pedaço de terra pelo tempo que ele desejar e de receber sua posse, se cumpridas todas as exigências constante na legislação. O CCU também é o documento que assegura o cumprimento das exigências legais pra que a família possa permanecer no assentamento. Esse documento tem caráter provisório e até que possuam a escritura do lote, os lotes nos assentamentos estão vinculados ao Incra, não pertencem aos assentados. Por isso não é impossível que famílias assentadas sejam expulsas das terras onde moram há vários anos. E enquanto o assentado ou assentada não tiver a escritura do lote em seu nome, a terra não pode ser vendida, alugada, doada, arrendada ou emprestada a terceiros. Por isso o mito de que os sem terras vendem as terras adquiridas assim que as recebem e vão “invadir” outra terra logo em seguida, e repetem isso várias vezes, não passa disso: um mito.

6- Querem terras? Pois deviam trabalhar honestamente e comprar terras com seus rendimentos, ao invés de roubarem terras alheias!

Os assentados pagam pela terra que receberam do Incra e pelos créditos contratados. Tá lá no site do Incra, pode conferir se não acredita em mim. A terra recebida não é um presente pros assentados, é a possibilidade de ter onde trabalhar pra ganhar seu sustento dignamente e pagar ao Incra pelo seu pedaço de terra no assentamento.

Só quando o Incra verifica que as cláusulas do CCU foram cumpridas e que o assentado ou assentada tem condições de cultivar a terra pode ser iniciado o processo de titulação. O título de domínio é o documento que transfere o imóvel rural ao beneficiário da reforma agrária (assentado) em caráter definitivo. O Incra estipula o valor do lote no assentamento, de acordo com os valores de mercado, e o assentado ou assentada paga esse valor em 20 parcelas anuais.

Mas sabe quem não paga pelas terras que ocupa? As 729 pessoas físicas e jurídicas que possuem propriedades rurais com dívidas acima de R$ 50 milhões cada e que juntas devem aproximadamente R$ 200 bilhões à União! (fonte: Incra).  A área total de suas propriedades é de mais de 6,5 milhões de hectares, o suficiente pra assentar quase 215 mil famílias cadastradas no Programa de Reforma Agrária. Em 2015, de acordo com o Incra, 120 mil famílias estavam acampadas demandando reforma agrária. Somente com as terras dos maiores devedores do Estado brasileiro seria possível assentar praticamente o dobro de famílias.

Mas ao invés de cobrar as dívidas desses grandes latifundiários, o governo Temer editou em 2016 a Medida Provisória nº 733, concedendo mais privilégios aos grande devedores, digo, proprietários. Essa MP permite que produtores rurais inscritos em Dívida Ativa da União e com débitos originários das operações de securitização e Programa Especial de Saneamento de Ativos liquidem o saldo devedor com bônus entre 60% a 95%. Por exemplo, dívidas acima de 1 milhão de reais devem ter descontos de 65%.

Quem são os “vagabundos” que se aproveitam do governo, mesmo?

7- Como você se sentiria se o MST invadisse a sua casa? O seu sítio? Aí eu queria ver se você continuaria apoiando esse movimento.

O MST não “invade” casas nem o sítio de ninguém. MST ocupa somente as grandes propriedades improdutivas, que podem servir pra reforma agrária. São 228 milhões de hectares abandonados ou que produzem abaixo da capacidade, segundo o Incra. Então pode dormir tranquila que o MST não está interessado em “tomar” aquele seu pedacinho de terra em Santo Antônio dos Milagres.

8- O MST, ao invadir fazendas, deixa milhares de trabalhadores desempregados.

Já expliquei que o MST não “invade” fazendas, o movimento ocupa terras improdutivas. Logo, se as terras eram improdutivas, não tinha pessoas trabalhando ali e ninguém perde seu emprego com ocupações de sem terras.

O caso do Quilombo Campo Grande, em MG, mostra que a situação é na verdade a oposta. A usina que existia ali, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo, decretou falência em 1996, deixando muitos desempregados e mais de 300 milhões de reais de dívidas trabalhistas. Em 1998 criou-se o assentamento Quilombo Campo Grande nas terras abandonas. Vinte anos depois o local abriga 450 famílias. São 1.200 hectares de lavoura de milho, feijão, mandioca e abóbora, 40 hectares de horta agroecológica e 520 hectares de café (que produzem 500 toneladas de café por ano), gerando emprego e renda pra 2 mil trabalhadores, além de alimentos pras famílias. No início de novembro a existência do Quilombo Campo Grande foi ameaçada, pois apesar de ser extremamente produtivo, o Juiz Walter Zwicker Esbaille Junior mandou despejar as 450 famílias. Após 24 dias de resistência, o pedido de despejo foi suspenso, mas essa não é, infelizmente, um vitória definitiva. Por trás do pedido de reintegração de posse está o interesse dos grandes produtores de café da região, que cobiçam as terras do assentamento pra expandir seus latifúndios.

É a expansão do latifúndio que causa desemprego e expulsa as famílias do campo, não os assentamentos.

9- O que são assentamentos?

Assentamento rural é um conjunto de unidades agrícolas independentes entre si, instaladas pelo Incra onde originalmente existia um imóvel rural que pertencia a um único proprietário. Cada uma dessas unidades é entregue pelo Incra a uma família sem condições econômicas pra adquirir e manter um imóvel rural por outras vias. Os trabalhadores rurais que recebem o lote comprometem-se a morar na parcela e a explorá-la para seu sustento, utilizando exclusivamente a mão de obra familiar.

O assentamento é um espaço pro conjunto de famílias camponesas viver, trabalhar e produzir, dando uma função social à terra e garantindo um futuro melhor pra população. A vida no assentamento garante às famílias direitos sociais que não são garantidos a todo o povo brasileiro, como casa, escola e comida.

O impacto da criação de um assentamento marca a vida de um município, tanto do ponto de vista social como econômico. Em primeiro lugar, a terra ganha uma função social. Em segundo lugar, um conjunto de famílias ganha instrumentos pra sua sobrevivência. Depois de um período, as famílias constroem suas casas, às vezes também constroem escolas, e começam a produzir. A produção garante o abastecimento de alimentos aos moradores das pequenas cidades próximas aos assentamentos e gera renda às famílias assentadas.

Em cada assentamento o MST procura “desenvolver uma mentalidade e uma atitude de Soberania Alimentar, compreendendo que a nossa função social é produzir alimentos, sendo esta a nossa primeira tarefa histórica, eliminando a fome do meio das famílias camponesas”.

10- É verdade que o MST destrói propriedades e esquarteja animais nas fazendas que invadem?

Não. Acusações infundadas como essas são espalhadas com o intuito de incitar o ódio de setores conservadores da sociedade contra as formas legitimas de manifestação pelos direitos sociais garantidos pela constituição brasileira. Quem ganha se não houver reforma agrária? Os grandes latifundiários. Por isso eles se opõem à democratização da estrutura fundiária brasileira e lideram uma campanha de demonização dos movimentos sociais que lutam pelo direito à terra. E repetindo: o MST não “invade”, só ocupa grandes propriedades improdutivas.

11- Se é verdade que os sem terras são pessoas de bem lutando por justiça no campo, então por que o presidente eleito quer criminalizar o MST e disse que suas ações serão consideradas “terrorismo”?

Existe um esforço organizado pra criminalizar movimentos sociais e a luta pela terra e por Reforma Agrária no Brasil. Também vemos um esforço pra acabar com o pluralismo político, um dos pilares da democracia.

O MST é uma das principais forças políticas de combate ao agronegócio (a galera da Bancada Ruralista, lembra?), então enquadrar o MST como organização criminosa visa tornar crime toda e qualquer luta organizada dos movimentos, como o MST e o MTST. Há anos vemos uma campanha mediática tentando influenciar negativamente a opinião pública sobre o MST e movimentos sociais em geral. Por trás disso está, mais uma vez, os interesses dos latifundiários. Medidas como a tentativa de criminalização do MST é um esforço da parte do novo governo eleito pra proteger os interesses de seus aliados e conservar o apoio deles.

O MST luta desde 1984 por Reforma Agrária e transformações sociais no país. Conquistou assentamentos pra mais de 1 milhão de pessoas e ajudou a construir e/ou implementar o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o reconhecimento da profissão de agricultora, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), entre outras políticas. Sua luta é pelo cumprimento da função social da terra, que é produzir alimentos, pela diminuição da desigualdade social e por um planeta mais sustentável, com mais oportunidades para homens e mulheres. Na sua opinião, o que isso tem a ver com terrorismo?

12- Depois de conquistar a terra, o que os sem terra fazem?

Se organizam, constroem escolas (são mais de 2 mil escolas públicas construídas em acampamentos e assentamentos) e plantam alimentos.

Uma das principais contribuições do MST pra sociedade brasileira é cumprir o compromisso de produzir alimentos saudáveis. São 100 cooperativas, 96 agroindústrias e 1,900 associações, melhorando a renda e as condições do trabalho no campo.

O MST está comprometido com a transição pra agroecologia e muitos dos assentamentos produzem unicamente alimentos sem veneno (agrotóxicos). O MST luta pra construir uma nova sociedade, com soberania alimentar e agroecologia como modelo agrícola.

As famílias assentadas e acampadas são as maiores produtoras de alimentos orgânicos do Brasil e pioneiras no cultivo de sementes de hortaliças agroecológicas. São as maiores produtoras de arroz orgânico da América Latina, segundo o Instituto Rio Grandense de Arroz (IRGA). O MST tem centenas de feiras agroecológicas e promove anualmente a Feira Nacional da Reforma Agrária, a maior em diversidade de produtos no território brasileiro. Possui centenas de cooperativas, associações e agroindústrias que produzem alimentos in natura e industrializados, muitos com certificação orgânica. Isso movimenta a economia dos municípios, gera trabalho e renda.

13- O MST doutrina crianças?

Os estudantes do MST têm acesso às mesmas grades curriculares das escolas municipais e estaduais. A diferença é que as disciplinas são trabalhadas de acordo com a realidade das acampada(o)s e assentada(o)s. O Movimento luta pelo acesso à educação pública, gratuita e de qualidade em todos os níveis pra suas crianças, jovens e adultos. Já conquistou mais de 2 mil escolas públicas e 320 cursos via Pronera em 40 instituições, onde já se formaram 165 mil educandos no ensino fundamental e médio e em cursos técnicos e de nível superior, como agronomia, agroecologia, medicina veterinária, história, direito, serviço social e cooperativismo.

14- Mas o agronegócio gera empregos e produz alimentos! Sem ele não teremos comida, já que o modelo agroecológico não é capaz de alimentar toda a população brasileira. 

De acordo com o relatório “Perspectivas da Agricultura e do Desenvolvimento Rural nas Américas 2014: uma visão para a América Latina e Caribe” publicado pela FAO, no Brasil a agricultura familiar representa 77% dos empregos do setor agrícola. Mesmo recebendo boa parte do incentivo do governo, o agronegócio gera poucos empregos (comparado à agricultura familiar) e produz principalmente as chamadas commodities voltadas pra exportação (soja, milho, laranja, eucalipto, cana-de-açúcar e carne bovina).

Quem realmente alimenta o povo brasileiro é a agricultura familiar. Dados da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), mostram que a agricultura familiar é responsável por 70% do alimento que chega na mesa das brasileiras e brasileiros.

A agroecologia não é somente a maneira mais ecológica de produzir alimentos, ela também pode ser a mais eficaz. Um relatório do Alto-Comissariado de Direitos Humanos da ONU publicado em 2011 confirma essa declaração. O belga Olivier de Schutter, relator especial da ONU sobre direito à alimentação afirma: “Para poder alimentar nove bilhões de pessoas em 2050, necessitamos urgentemente adotar as técnicas agrícolas mais eficientes conhecidas até hoje. Neste sentido, os estudos científicos mais recentes demonstram que ali onde reina a fome, especialmente nas zonas mais desfavorecidas, os métodos agroecológicos são muito mais eficazes para estimular a produção alimentar do que os fertilizantes químicos.”

Além de já ter sido demonstrado que o modelo baseado em grandes monoculturas, onde a utilização de agrotóxicos e fertilizantes químicos é massiva, não é o mais eficaz pra produzir alimentos, esse modelo acelera o processo de aquecimento global, destrói o meio ambiente, polui fontes de água e empobrecem o solo, o que por sua vez vai dificultar cada vez mais a produção de alimentos. É um círculo vicioso. A FAO declarou em 2016 que o solo foi tão empobrecido pela pecuária e monocultura (utilizada em grande parte pra alimentar animais de abate) que se continuarmos com o modelo atual a Terra só terá capacidade de produzir mais 60 colheitas. Se nada for mudado, em menos de 60 anos não será possível produzir alimentos e a população mundial morrerá de fome ou vítima dos conflitos violentos causados por ela. A agroecologia é capaz de recuperar o solo e é a única chance de sobrevivência pras gerações futuras.

15- Se agroecologia é tão maravilhosa, por que as grandes empresas do agronegócio não a praticam?

As empresas privadas não investirão em práticas que não podem ser protegidas com patentes e que não criam novos mercados pra novos produtos químicos ou sementes melhoradas. Simples, e revoltante, assim. O objetivo do agronegócio não é produzir alimentos saudáveis e acessíveis pro povo, é lucrar o máximo possível. E o modelo atual do agronegócio é muito lucrativo… pros ruralistas. Mas na verdade os lucros só são tão elevados porque não são os ruralistas que pagam pelos desgastes que produzem: é o meio ambiente, os povos originários, a Amazônia, nossos rios, nossa saúde…  A proposta da agroecologia é justamente sair desse modelo gigante e trazer a agricultura pra uma escala humana, onde é possível cultivar a terra sem destruir-la, onde é possível produzir alimentos saudáveis e preservar a floresta ao mesmo tempo. Não faz sentido praticar agroecologia em escala industrial . O que é ótimo, pois assim o campo não é controlado por um punhadinho de grandes latifundiários, que é o que vemos hoje. Agroecologia passa por reforma agrária e democratização do campo, tudo que o agronegócio quer impedir.

16- Agroecologia precisa de muita mão de obra no campo e isso é atraso! Você quer voltar pra Idade Média se quiser que todo mundo volte pro campo. O agro é mais moderno, é o futuro.

No modelo atual já é a agricultura familiar que produz 70% do alimento que chega na mesa do povo brasileiro, segundo dados do Governo. Pra atingir os 100% e produzir alimentos suficientes pra alimentar toda e qualquer pessoa no Brasil, você não vai precisar largar seu emprego de engenheira, design ou de professora universitária e ir pro campo virar agricultora. Tem muita gente, mais de 4 milhões de famílias sem terra, pra ser exata, que esperam atualmente ter acesso à terra pra plantar e produzir alimentos. Não vai ser preciso forçar ninguém a largar sua vida na cidade e ir morar em uma comunidade rural.

Mas algo me diz que muitas pessoas que hoje moram em grandes centros urbanos prefeririam morar no campo, se tivessem a garantia de melhores condições de vida lá. Imagino que várias pessoas aceitariam de bom grado trocar seu emprego precário, junto com as duas horas diárias espremidas nos transportes públicos pra chegar até ele, pela chance de ser agricultora em sua própria terra.

E democratizar o campo não é atraso, não é “querer voltar pra Idade Média”. Sei que nos foi ensinado que “progresso” e “sucesso” são medidos unicamente em matéria de acumulação de dinheiro (capital), sem nunca incluir a destruição do planeta, a opressão humana e o sofrimento animal na conta. Mas e se a maneira de medir o progresso fosse diferente? E se ter comida sem veneno, educação gratuita de qualidade, saúde, lazer, justiça e liberdade fosse o verdadeiro progresso? Nesse caso, um Brasil sem desigualdade, com um campo cheio de camponesas e camponeses praticando técnicas de agricultura que respeitam o humano e os não-humanos (a fauna e a flora), colocando alimentos sem veneno na mesa de todas, protegendo nossos bens comuns (as florestas, a água, o ar) e respeitando os povos originários não seria um Brasil muito mais avançado do que o que temos atualmente?

O modelo predominante hoje, as monoculturas em grandes latifúndios, gera concentração de terras nas mãos de poucos, desigualdade social, desemprego, pobreza, trabalho em condições análogas à escravidão, destruição da natureza e violência contra os povos originários e o campesinato. Só os ruralistas ganham com esse modelo, enquanto todo o resto da população paga a conta. Esse sim é o verdadeiro atraso que faz com que continuemos parados no tempo. No tempo do Brasil Colônia.

17- Como posso apoiar o MST? 

Primeiro de tudo: se eduque sobre o MST. Desconfie do que a mídia dominante publicar sobre o Movimento e se informe diretamente com quem faz parte dele. O site do MST explica toda a história do Movimento, as bandeiras levantadas (cultura e educação, combate à violência sexista, saúde pública, diversidade étnica, soberania nacional e popular, entre outras), os projetos e ainda traz reportagens e notícias relacionadas à luta por justiça no campo.

Segundo: ajude a combater o discurso de ódio e a campanha de difamação contra o MST. Converse com pessoas ao seu redor e use suas redes sociais pra divulgar notícias (verdadeiras) sobre o Movimento e compartilhar a informação com o maior número de pessoas possível. E se ouvir os mitos expostos acima serem repetidos por alguém que você conhece, use a oportunidade pra educar essa pessoa, já que agora você conhece a realidade por trás dessas mentiras.

Terceiro: procure feiras da Reforma Agrária (as feiras agroecológicas do MST) na sua região e apoie agricultores que produzem alimentos sem veneno. Leve as amigas, a família. Aproveite pra conversar com os agricultores e agricultoras e se informar diretamente com essas pessoas sobre a realidade do movimento, as dificuldades que elas enfrentam…

Quarto: veja se tem acampamentos ou assentamentos do MST na sua região ameaçados de expulsão e leve seu apoio até eles. Acompanhe as notícias nas redes sociais do MST ou pergunte diretamente às assentadas durante as feiras da Reforma Agrária. As 350 mil famílias que fazem parte do MST estão em perigo e precisam urgentemente da nossa solidariedade. E ofereça seu apoio na hora de votar! Não vote em candidatos e candidatas que demonizam a luta do MST. Vote em quem apoia a reforma agrária.

E a pergunta valendo um milhão de reais…

O que o MST tem a ver com o movimento vegano?

O MST não é um movimento que luta por direitos de animais não-humanos e nunca levantou a bandeira vegana. E apesar da maior parte da produção do MST ser vegetal, animais também são explorados pro consumo e existem cooperativas de laticínios e de carnes em alguns assentamentos. Sem contar que a prática de criar animais pra consumo próprio, como galinhas, está presente em praticamente todos os acampamentos e assentamentos. O que, nesse caso, é uma relação com o animal completamente diferente da exploração animal praticada pela agropecuária, mas que, como militante anti-especista, eu também gostaria que não mais existisse.

Mas uma coisa é certa. A agropecuária destrói nosso patrimônio ambiental, explora humanos, compromete nossa segurança alimentar e assassina não-humanos aos bilhões. O Brasil já é o segundo maior exportador de carne de vaca no mundo e a empresa mais poderosa do setor, a JBS, é a maior processadora de carne do mundo, abatendo 80 mil vacas, 110 mil porcos e 12 milhões de aves POR DIA! O único compromisso do agronegócio é com o lucro e não se responsabiliza pelo desastre ambiental que causa e que afeta absolutamente todas nós.

No modelo imposto pela agropecuária a injustiça reina e milhões de pessoas passam fome. E não podemos ignorar que a exploração animal é o pilar mais importante que sustenta a agropecuária. Não é por acaso que a Bancada Ruralista também é chamada de Bancada do Boi. Enquanto esse for o modelo dominante, não poderemos sonhar com a conquista de direitos animais, nem com um crescimento considerável do veganismo, principalmente na população mais pobre, que é a maior no nosso país.

Já o modelo de sociedade que o MST luta pra construir tem como objetivos a justiça social, a democratização das terras, a soberania alimentar, a equidade de gênero, a preservação do meio ambiente e a agroecologia. Além de produzir alimentos sem veneno, ao alcance de todas, o MST se compromete com a reflorestação de áreas destruídas pela agropecuária, garantindo a proteção de animais silvestres. A visão de mundo do MST defende a preservação do nosso patrimônio ambiental e incorpora a noção de justiça não somente pra nossa geração, mas pra todas as outras que virão.

Em qual desses dois mundos você acha que a semente do veganismo tem mais chances de brotar?

Sim, pessoas sem terra fazem churrascos em seus assentamentos, mas sabe quem também faz? Os pais, amigos e até companheiras da maioria das pessoas veganas que conheço. Enquanto o especismo for a ideologia dominante, pessoas continuarão comendo corpos de animais e achando isso “normal, natural e necessário”. O problema está nessa ideologia, não em uma suposta tendência particularmente cruel das militantes do MST. E não posso não chamar a atenção das ativistas veganas que me criticam por apoiar os “fazedores de churrasco/exploradores de animais do MST”, mas que não vêem problemas em incentivar o consumo de produtos “veganos” produzidos por grandes multinacionais como a Nestlé, que exploram animais não-humanos (e humanos) em uma escala incomparavelmente maior, afirmando que se trata de uma aliança estratégica pra “tornar o veganismo mais acessível”.

A minha aliança é com quem luta pra construir o mundo onde quero viver e onde a emancipação animal tem uma chance de acontecer. Se luto do lado do Movimento é porque os inimigos do MST são os mesmos inimigos da libertação animal: o agronegócio, a pecuária, a bancada ruralista. O MST está comprometido com a construção de um mundo mais justo e, por produzir comida vegetal sem veneno, muitas vezes em lugares onde antes só tinha capim e gado, agricultoras sem terra fazem  com que comida vegetal se torne acessível pra população. E, consequentemente, excluir a exploração animal no prato passa a ser algo possível nessas comunidades. A luta do MST é por soberania alimentar e somente com soberania alimentar poderemos tornar o veganismo verdadeiramente acessível.

O MST não integrou a noção de direitos animais na sua cartilha (ainda), mas estou convencida que o mundo que o Movimento está atualmente lutando pra construir trás nele o embrião da libertação animal. E pra ilustrar esse sentimento que carrego no peito, aqui vai o refrão de uma música de Zé Pinto, um poeta sem terra, que aprendi com Joelson, da liderança do assentamento Terra Vista (assunto do próximo post), no interior da Bahia.

“E assim já ninguém chora mais

Ninguém tira o pão de ninguém

O chão onde pisava o boi, é feijão e arroz

Capim já não convém”

12 comentários em “Por que o movimento vegano deve apoiar o MST – parte III

  1. Querida Sandra, esses posts estão sendo das melhores coisas que li nos últimos tempos. Você tem o dom da docência: sabe articular e descomplicar sem jamais tornar a questão rasa. Que exemplo que você dá para a militância de esquerda! Grande ativista e comunicadora!

    1. Muito obrigada, Aline. São comentários como o seu que não me deixam esquecer que estou no caminho certo, apesar de ser uma missão desafiadora construir essa ponte entre libertação animal e humana.

  2. Obrigada por essa série de posts. Imagino o trabalho que deve ter dado compilar tanta informação pra trazer mastigadinha pra gente, que não entende muito do assunto mas quer conhecer mais. Eu aprendi desde criança que o MST era coisa de vagabundo, pessoas folgadas que invadem terras de trabalhadores rurais. Minha mãe sempre me falava que conhecia não sei quem que tinha terra em assentamento mas morava na cidade e tinha vários bens. Inclusive tenho um tio que mora em assentamento (onde planta e cria porcos e galinhas pra vender) mas tem uma casona com piscina na cidade, camionetes, oficina mecânica… eu sempre fiquei com uma pulguinha atrás da orelha com relação a essas críticas: por que culpar o movimento que busca justiça social, em vez de criticar aquelas pessoas que usam a reforma agrária de maneira escusa (quando usam né, porque parece que pras pessoas assentado tem que necessariamente ser paupérrimo, tipo comunista que não pode ter iphone kkkkk)? Tais comportamentos antiéticos não fazem parte da agenda do movimento, diferente do caso do agronegócio, que não esconde de ninguém que pretende piorar ainda mais a situação do meio ambiente, dos animais, do veneno nos nossos alimentos.
    Já faz um tempo que entendi que o veganismo é um movimento político, mas talvez por preguiça mesmo nunca fui pesquisar a fundo a questão do MST.
    Gratidão pela oportunidade de aprender! Aguardo o post sobre o assentamento que você conheceu. Beijos!!

    1. Foram semanas de pesquisa, mas tenho consciência da necessidade de levar essas informações ao público vegano, então fiquei muito feliz em fazer esse trabalho. O próximo post da série sairá em janeiro, mas vai ser lindo 🙂

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