Café de dente de leão

Andei fazendo muitas coisas estranhas ultimamente, incluindo preparar uma bebida parecida com café, mas feita com raiz de dente de leão.

Essa planta, que cresce de maneira espontânea por todos os lados e cujas folhas são comestíveis, entrou na minha alimentação no ano passado. Cresce aqui no quintal e nos Jardins Operários, onde cultivamos uma horta coletiva, e sempre que lembro vou buscar umas folhinhas pra colocar na salada. Eu acho uma delícia, mas o sabor amargo não empolga muita gente. Passei a achar que amargo, assim como picante, é um sabor que a gente aprende a gostar se o cultivarmos. Você come um pouquinho hoje, outro pouquinho amanhã, e de repente passa não só a achar aquilo gostoso, como a ter desejo por esses sabores. Pelo menos foi assim comigo.

Mas eu não vim aqui falar das folhas de dente de leão, e sim da raiz. Quando descobri que era possível torrar as raízes e fazer café com elas, fiquei empolgadíssima! Chamar a bebida de “café” é provavelmente exagero, mas o sabor lembra, um pouco, o danado. Embora, e espero que isso não afugente quem só curte café de qualidade, eu acho o sabor mais próximo de café instantâneo (aquele que vem acompanhado do prefixo “Nes”) do que de café passado. Mas eu detesto café instantâneo, não tomo nem pra ganhar dinheiro, e mesmo assim achei o sabor do “café” de raiz de dente de leão bem gostoso. Vai entender…

Não vou falar das propriedades medicinais dessa planta, que são muitas, porque isso você acha facilmente na Vasta Rede Mundial. Vou só ensinar como transformar as raízes em café porque, embora trabalhoso demais pra se tornar um substituto do café diário, vai que um dia essa informação te seja útil. Ninguém sabe o que esse mundo em colapso reserva pra nós e talvez em algum momento a gente seja grata por lembrar que dá pra fazer um cafezinho maroto com raízes de uma planta que cresce em toda rachadura de calçada. Ou, num pensamento menos “o fim do mundo está próximo”, é um projeto bacana de fazer num dia de folga e com certeza não vai deixar de impressionar suas convidadas quando você disser: “Aceita uma xícara de café de raiz de dente de leão, bem?”

Como fazer café com raiz de dente de leão

Como explico no texto acima, o sabor não é idêntico ao do café, mas é uma bebida saborosa, com notas que lembram o café e ao mesmo tempo, com sabor próprio. Gosto de ter esse café na cozinha quando quero beber algo quentinho e amargo, mas já está tarde demais pra ingerir cafeína sem que isso atrapalhe o meu sono. Gosto de degustar puro, acompanhando um pedaço de pão ou bolo, ou com um pouco de leite vegetal e uma pitada de canela.

Primeiro, aprenda a identificar a planta. É essa aqui:

As flores são amarelas, mas agora é outono e não tem nenhuma aberta por aqui (no cantinho da foto dá pra ver uma flor fechada, porque o colapso climático é real e tá fazendo 26 graus no norte da França em pleno mês de outubro).

Depois de identificar a planta, use uma pá pequena pra cava ao redor e liberar as raízes. Elas costumam ser profundas, então cave de acordo. Como as que desenterrei estavam num solo muito argiloso e compacto, não consegui retirar nenhuma inteira e todas se partiram durante a operação. As raízes liberam uma seiva leitosa quando cortadas (foto abaixo, à esquerda). Como as raízes variam de tamanho, dependendo da idade da planta, você provavelmente vai precisar arrancar vários pés de dente de leão pra conseguir uma quantidade razoável de raízes. Lembrando que depois de torradas elas reduzem bastante. (Lembrando também que você pode comer as folhas! Mas como eu tinha um monte de folhas, não consegui comer tudo.)

Raízes desenterradas, é hora de lavar/escovar bem pra retirar a terra e cortar em rodelas (assim torra mais rápido e de maneira mais uniforme).

Leve ao forno médio até elas ficarem bem secas (desidratadas) e torradas de acordo com o seu gosto. Quanto mais escura a cor (mais torrada), mais forte será o café. Exatamente como na torra dos grãos de café. Eu fiz uma torra média e o sabor ficou no ponto pra mim. Da primeira vez torrei mais, até ficar bem escuro, e a bebida ficou ainda mais parecida com café, embora com uma nota amarga (do mesmo jeito que acontece com café). Fique de olho no seu forno, abra regularmente pra checar e mexa de vez em quando. Cuidado pra não queimar (mas provavelmente os pedacinhos mais miúdos queimarão)!

Depois é só deixar esfriar e moer. Usei o liquidificador, mesmo. Se estiver fazendo uma quantidade bem pequena de café, vai ser difícil moer em um liquidificador normal (a menos que você tenha aqueles bem pequenininhos, chamados de “bullet”). Mas você pode usar um pilão e socar na mão (cuidado: se seu pilão for usado pra pilar alho, o sabor vai passar pro café!). Guarde em um vidro com tampa, em temperatura ambiente.

Na hora de preparar, use o pó de raiz de dente de leão exatamente como você usaria café: no filtro de papel ou pano, na prensa francesa… Quando quero preparar só uma xícara, coloco uma colher de chá cheia do pó de dente de leão numa caneca, despejo água fervente, cubro e espero 5 minutos. Depois passo por uma peneira fininha (despejando em outra canela) e degusto. Como tomo café sem açúcar, dá pra sentir as notas de sabor específicas da raiz de dente de leão. Se você tomar com açúcar e leite, talvez ache ainda mais parecido com café. Última dica: acho o pó bem intenso e acabo usando uma quantidade um pouco menor do que quando uso pó de café. Ou seja, rende mais do que café.

12 comentários em “Café de dente de leão

  1. Nesse mundo em colapso, saber que dá pra torrar raiz de dente de leão e ter um cafécito, saber que dá pra viver em coletividade e ética, é das coragens e atos de amor que encontro e aprendo por aqui. Que bom que há você, Sandra. Te envio um abraço apertado nessa semana pavorosa e estou em pensamento com as amigas e amigos que lembro sempre, desde que você nos apresentou. Islam, Rania, Majdi, Tawfic, Tareq, Sara, Khoulud, o contrabandista de zaatar… Obrigada por fazer crescer meu coração em fraternidade, mesmo que doa e dê uma angústia indescritível, isso da gente se importar com esse danado desse mundo acabando e as pessoas que estão conosco nele. Você é maravilhosa.

  2. Sandra, eu costumava ler o seu blog há cerca de dez anos, com o tempo perdi o hábito (erro meu). Nesses últimos dias lembrei muito de seus posts de quando você morava em Belém e até repassei para algumas pessoas os posts das Histórias Palestinas. Não posso imaginar como você esteja nesse momento, espero que seus amigos e familiares que moram lá estejam bem.

  3. Sandra, já passei por essa seção de comentários quatro vezes nos últimos dias, ensaiando alguma coisa pra te dizer, e não consegui escrever nada. Não tenho dom com palavras e, nesse momento, tudo que vem à minha mente parece muito pequeno e insignificante perto da tragedia e da dor que não sem nem dimensionar. Só posso dizer muito obrigada por ser quem vc é, e por lutar pelo que vc luta. Um forte abraço.

  4. Sandra, passei por essa seção de comentários quatro vezes nos últimos dias, mas não encontrei palavras pra expressar o que queria te falar. Não tenho o dom das palavras, e, diante de todo esse horror, tudo que penso em escrever parece pequeno e insignificante. Então, só quero mesmo te agradecer muito por ser quem vc é e por lutar pelo que vc luta.

  5. Procurei suas redes ávida por saber algo da sua visão sobre a Palestina nesse momento e me surpreendi em ver uma receita com um comentário muito breve sobre o fim do mundo. Não entendi, porque não nos conhecemos, mas sei lá. Sinto como se o mundo inteiro os tivesse abandonado. Como ouvi hoje em alguma rede social, o outro lado tem tudo, a ONU Hollywood… As narrativas são deles. Onde estão as narrativas dos e pelos palestinos?

    1. Você pode acompanhar as redes da Anne Paq, esposa da Sandra, que diariamente está registrando e divulgando as manifestações em Paris em atos pró Palestina. Também recomendo o coletivo de fotógrafos ao qual ela pertence, o activestills, que tem página no Instagram e site, com diversos fotógrafos , de variadas nacionalidades, que estão na Palestina nesse momento. Aqui no Brasil temos a página da palestina brasileira Hyatt Omar, além do Thiago Ávila, que diariamente estão compartilhando centenas de conteúdos. Assim como a guilhotina.info (de Portugal) e o diário da Palestina. Existem incontáveis outras, mas eu sigo páginas preferencialmente em português, porque é a única língua que compreendo, mas através dessas você alcança diversas outras vozes. Você também pode ajudar através do aplicativo share the meal, que doa refeições para pessoas em situação de tragédia humanitária em todo mundo, como na Palestina e na Armênia, por exemplo. A Sandra é uma escritora maravilhosa e eu também busco diariamente as palavras dela. Se você reler todas aqui presentes, acredito que a visão dela sobre a Palestina nesse momento, é tão coerente, ética e afetiva quanto sempre. Mas antes de ser uma escritora, ela é uma militante. Eu também não a conheço, mas tenho certeza que ela está diariamente nas ruas, se somando às vozes que ecoam em solidariedade e denúncia, que está em suas atividades com os refugiados, com os jardins operários, enfim, que está, principalmente, sofrendo uma dor muito pessoal, porque além do afeto internacionalista e coletivo que ela demonstra, dentre as vítimas do genocídio, estão seus amigos e amigas. Isso é imaginável pra você? Talvez seja, pra mim é muito difícil. Então eu peço desculpas, porque eu vou encerrar de forma que vai soar rude, mas sai pra lá com esse seu “sei lá” crítico e tome seu tempo erguendo sua voz onde a narrativa falta. Aqui ela ecoa em alto e bom som, não importa quantos meses a Sandra fique sem postar.

    2. Quando uma militante séria como a Sandra não está presente no mundo virtual postando sobre análise geopolítica, pode ter certeza que está na luta no mundo físico, talvez até arriscando a vida. Espero que você fique firme e fique bem, Sandra. Estamos juntas por uma Palestina Livre. Uma abraço afetuoso.

  6. Querida, Sandra,
    Nesse momento tão duro que o povo Palestino esta vivendo, vim para o seu blog procurando as antigas postagens da época em que vivia lá. Acho que à procura de uma forma de estar mais perto desse povo que não fosse por notícias de horror tão permeadas de interesses e propagandas de guerra que a midia traz.

    Que o mundo pudesse ler seus relatos, se aproximando um pouco da beleza dessas pessoas, de sua cultura, de sua terra e do sofrimento que vivem há tantos anos. Talvez seriam tocados com empatia, admiração e tristeza como eu fui. Obrigada por partilhar.
    Desejo de todo coração que esse horror passe, que venha a justiça e abundância que lhes são de direito.
    E te envio a minha solidariedade para a imensa dor que deve estar vivendo.
    Um abraço, Anna.

  7. Olá!
    Estou a pensar torrar raiz de dente de leão e adorei o seu blog. Fiquei mesmo entusiasmada por experimentar!
    A quantos °C é que devo colocar o forno, para fazer a torra?
    Grata:)

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