Em defesa da carimã (macaxeira pubada)

Outro dia eu trouxe macaxeira da feira (compro na feira da economia solidária- CECAFES, aqui em Natal, e ela já vem cortada em pedaços e descascada) e, ao invés de já congelar tudo, como fazemos por aqui, deixei um saquinho na geladeira pra fazer bolo de macaxeira no final do dia. Acabei não tendo tempo de fazer o bolo e dois dias depois resolvi cozinhar o saquinho com a macaxeira descascada, que ainda estava na geladeira. Mas quando peguei os pedaços, vi que já estava pubando. Pra quem não conhece esse termo, deixa eu explicar.

Macaxeira pubada, ou carimã, é simplesmente macaxeira fermentada na água. Uma fermentação natural, não precisa acrescentar nenhuma cultura de bactéria ou fungo. Você deixa a macaxeira descascada e cortada dentro de um pote com água, em temperatura ambiente, coberto com um pano (eu coloco a tampa do pote por cima, mas sem fechar) e em alguns dias, dependendo da temperatura da sua cozinha, ela vai fermentar e se transformar em carimã (ou macaxeira pubada, o nome varia dependendo da região). Como saber quando está pronta? A macaxeira deve ficar com uma textura tão mole que pode ser esmagada facilmente entre os dedos. Depois é só descartar a água onde a fermentação aconteceu, que tem um cheiro bem forte, lavar ligeiramente a macaxeira pubada e deixar escorrendo um pouco dentro de um pano (se for usar a puba pra fazer panqueca, que é a receita que vou compartilhar mais na frente, nem precisa fazer isso).

A massa pubada pode ser usada em um número enorme de receitas. Como o meu bolo de carimã com goiabada, mas também pra fazer mingau de carimã. Se quiser um passo-a-passo de como pubar macaxeira, Neide Rigo, que é uma grande professora pra mim, explicou tintin por tintin nesse artigo.

É um processo extremamente simples e quem mora nessa quentura do Nordeste (e, imagino, do Norte), não vai ter dificuldade nenhuma em pubar macaxeira em poucos dias. A prova: depois de ter passado o dia dentro d’água, na feira, e de ter feito a viagem entre a feira e a minha casa, na hora mais quente do dia, a macaxeira começou a pubar sozinha. Prossegui a pubagem na minha cozinha e em cinco dias ela estava pronta pra ser consumida. (Como toda fermentação, o tempo varia de acordo com a temperatura da sua cozinha.)

Carimã faz parte da cultura alimentar do Nordeste e Norte, mas infelizmente está desaparecendo nessa parte do território nordestino de onde venho (RN). Eu mesma só comecei a cozinhar com carimã no ano passado! Escutava as mais velhas falarem de um tal de mingau de carimã e de uma tia-avó era famosa por seu bolo de carimã, mas cresci sem provar essas delícias. Fazia tempos que eu queria incluir esse alimento no meu repertório culinário, mas achava que era difícil fazer em casa. Mas pubar macaxeira não poderia ser mais simples e eu incentivo todo mundo a usar essa técnica que nos foi transmitida pelos povos indígenas. Originalmente, a macaxeira era amarrada em redes e deixada dentro do rio por vários dias, até pubar. E além de honrar a nossa cultura alimentar, macaxeira pubada/carimã tem um sabor delicioso e pode ser usada em receitas doces ou salgadas.

Eu anda fazendo panquecas de carimã quase todos os dias, pra comer no café da manhã e no lanche. Mas tenho planos de explorar o potencial gustativo da carimã em muitas outras receitas. Como tem aquele azedinho típico de alimentos fermentados, desconfio que ela tem o potencial de temperar e dar liga em receitas onde tradicionalmente se usa queijo animal. Estou pensando em usá-la na minha receita de pão de macaxeira (a versão vegetal do pão de queijo), pois acho que vai enriquecer muito o sabor, e também quero tentar uma versão de dadinho de tapioca com carimã. Aguardem.

Mas vamos começar com uma receita simples, rápida e que você pode incrementar de muitas maneiras.

Panqueca de carimã (macaxeira pubada)

As explicações de como pubar a macaxeira estão no texto acima ou, de maneira mais completa e detalhada, nesse artigo de Neide Rigo. Depois de pubar minha macaxeira, deixo em um pote fechado, coberto com água limpa, dentro da geladeira e vou usando durante a semana. Se conserva vários dias na geladeira (durou uma semana inteira aqui em casa, mas talvez se conserve até mais).

Carimã (não precisa ser escorrida no pano, basta tirar da água e apertar um pouco entre as mão pra retirar o excesso de água)

Sal a gosto

Azeite/óleo pra cozinhar

Peque uma quantidade suficiente de carimã, dependendo de quantas panquecas quiser fazer, e retire o pavio dos pedaços. Se tiver comprado massa de carimã pronta, não precisa fazer isso. Amasse a carimã escorrida com um garfo (ela deve estar bem macia e se desmanchar sem esforço) e tempere com sal a gosto. Nesse ponto você pode acrescentar ervas, temperos, verduras picadas…

Espalhe um pouco de óleo/azeite em um frigideira antiaderente, de preferência com o fundo grosso. Coloque um pouco de carimã na frigideira (fria) e espalhe com as costas de uma espátula até formar um círculo de espessura média (pode ser mais fina, pra ficar mais crocante, ou mais espessa, pra ficar mais macia). Leve ao fogo baixo, coberto com um tampa, e deixe cozinhar até as bordas começarem a ficar douradas e a panqueca puder ser virada facilmente. Cheque levantando a borda da panqueca com a espátula. Isso leva de 5 a 10 minutos, dependendo do tamanho e espessura da sua panqueca. A parte superior vai ficar seca, então regue com mais um fio de óleo/azeite e vire pra dourar do outro lado (mais 2-3 minutos).

Você pode degustar sua panqueca pura ou recheada com o que quiser. Na foto acima servi com queijo de castanha fermentado (tem a receita aqui, mas fiz uma versão mais simples, usando um pouco de água de kefir pra fermentar e temperando só com sal) e um resto de vinagrete do almoço.

2 comentários em “Em defesa da carimã (macaxeira pubada)

  1. Não sabia da macaxeira pubada!
    Interessante como através do seu blog, conheço várias coisas sobre a macaxeira.

    Parece que no Sudeste, muito gente não liga para a macaxeira porque se não consome tanto; se consome mais pão e arroz com feijão

  2. Aqui no Vale do Paranhana, no Rio Grande do Sul, tivemos a experiência neste ano de não conseguir comprar aipim novo no supermercado, ou seja, aquele estoque que a gente fazia antes do aipim pegar geada e não cozinhar. Simplesmente o pessoal plantou menos ou acabou não crescendo por causa de que também houve seca por aqui.

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