3 dias em Paris

Semana passada passei três dias inteiros em Paris, encontrando amigas, explorando a cena vegana da cidade, que continua aumentando, e curtindo um pouco essa cidade que eu tanto adoro. Aconteceu assim.

Cheguei em Paris de trem, vindo do interior da França, num domingo à noite. Sempre que chego em Paris sou invadida por um sentimento de familiaridade e estranheza ao mesmo tempo. Como quando você volta pra casa dos seus pais, depois de ter morado muito tempo na sua própria casa. Você se sente em casa e ao mesmo tempo ali não é mais a sua casa. Quando eu morava em Paris era diferente. Eu voltava pra cidade depois das férias, mesmo quando as férias eram no Brasil, e assim que chegava na minha rua soltava um suspiro feliz de “lar doce lar”.

A presença da polícia na ferroviária me impressionou, mas logo eu descobriria que isso é a nova norma em Paris. No metrô vi uma senhora empurrando um carrinho de bebê com um cachorrinho poodle dentro. Sorri pensando na história que escutei tempos atrás. Uma brasileira morava em Paris há anos, com os filhos pequenos, e ainda assim não tinha feito amizade com ninguém do prédio. Mas a vida dela mudou radicalmente no dia que ela adotou um cachorro. A partir dali todos os moradores passaram a sorrir pra ela, dizer “bom dia” e puxar conversa, enquanto alisavam o totó. Os parisienses são apaixonados por cachorros, como prova a quantidade de cocô que você vê pelas ruas (diminuiu muito, muito nos últimos anos, pois quem não apanha as obras do seu cãozinho leva multa, mas essa marca registrada das ruas da cidade luz ainda existe). Um conselho: admire os prédios lindos com um olho e não desgrude o outro da calçada.

Cheguei no apartamento de Martine, a amiga francesa de 74 anos que me hospedou, e descobri que ela tinha preparado o seu quarto (o único) pra Anne e pra mim e assim teria que dormir no sofá-cama na sala. Protestamos, por razões óbvias, mas ela recusou firmemente. Engraçado como os franceses têm fama de serem frios e arrogantes, mas eu conheço inúmeras excessões. O que me faz ter certeza que gentileza e hospitalidade estão por todos os lados, independente da cultura.

Segunda

Martine acordou mais cedo pra comprar a deliciosa baguete com cereais da padaria da esquina, o que ela repetiu nas manhãs seguintes. Ela colocou o despertador só pra ter certeza que traria uma pra casa, pois a baguete desaparece em pouco tempo. Ela tinha comprado hummus e uma deliciosa pasta de alcachofra no restaurante grego da rua, onde você pode levar várias pastinhas e outras comidas prontas pra casa. Ela é tão fofa que, além das pastas vegetais, tinha comprado leite de amêndoas e vários burgers veganos pra nós e até separou uma prateleira da geladeira unicamente pra colocar alimentos 100% vegetais.  Era a nossa prateleira na casa. E sempre que comíamos juntas a refeição era vegana, apesar dela ser onívora. Tem pessoas tão maravilhosas na minha vida que é impossível não se emocionar.

Durante o café conversamos sobre o “estado de urgência” decretado pelo governo francês depois dos atentados de novembro em Paris e que continua em vigor. É uma situação especial onde a liberdade dos cidadãos é restringida e o poder que geralmente pertence ao Judiciário passa pras mãos do Executivo. Ela contou revoltada o caso dos ativistas ecologistas que estavam em prisão domiciliar. Eles não tinham cometido nenhum crime, mas o governo queria impedi-los de fazer protestos durante a COP 21 (conferência organizada pela ONU sobre as mudanças climáticas).

Depois do café fui matar a saudade do Marais, um dos meus bairros preferidos na cidade. Quando morava em Paris costumava passear por ali nos fins de semana e voltar a esse bairro sempre traz boas lembranças. É lá que fica a “Fontaine des Innocents”, construída em cima do cimetério de mesmo nome que existiu ali desde antes de 1130 e que foi destruído em 1780.  Eu descobri isso lendo o livro “O vampiro Lestat”, de Anne Rice (quem viu “Entrevista com o vampiro”, baseado em outro livro de Anne Rice, vai achar o nome familiar. Lestat é o personagem interpretado por Tom Cruise no filme e tem um livro inteirinho dedicado a ele).

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Almocei no Hank Burger, pertinho dali. É uma ‘hamburgueria’ vegana. O burger é um só (esqueci de perguntar de que era feito, mas acredito que tinha proteína de soja na mistura), mas os acompanhamentos variam. Escolhi um com molho de figo e rúcula, Anne pediu o com molho bbq defumado e queijo (vegano, claro). Como acompanhamento tinha batatas fritas (daquelas mais espessas, muito boas) e uma saladinha simples de repolho e cenoura. Também provei a sobremesa do dia, que era um mousse de chocolate excelente. Suspeitei que ele tinha sido feito com aquafaba e antes de ir embora perguntei ao cozinheiro, que confirmou. Pra quem gosta de burgers, vale a pena ir lá. O restaurante oferece até um pão sem glúten, que pode acompanhar qualquer recheio.

Continuei a caminhada ao redor do Centro Pompidou, um museu super interessante (nos últimos andares tem uma vista linda da cidade) e fiz uma parada na loja de produtos naturais Bio C Bon, quase em frente ao centro. Visito lojas de produtos orgânicos como alguns visitam museus e me enche de alegria ver que tem sempre novidades vegetais pra experimentar.

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De lá fui pro sex shop que fica alguns passos mais longe, o ‘Passage du Désir’. Ele é um dos meus preferidos. Tudo é lindo, a atmosfera é descontraía, as vendedoras são simpáticas e os sex toys são de primeira. As melhores marcas do mundo são vendidas ali, o que está refletido nos preços. Mas posso afirmar por experiência própria: é muito melhor comprar um sex toy de qualidade, que vai durar anos e funcionar maravilhosamente bem do que comprar algo barato que além de ter um desempenho fraco vai quebrar em pouco tempo. Um pequeno parênteses pessoal. Aos 19 anos montei um negócio de venda de sex toys em domicílio com uma das minhas irmãs, um negócio de família que nos divertia muito. Meu interesse pelo assunto começou ali, mas continuo adorando sex toys e vez ou outra uma amiga me pede conselho (e acompanhamento) na hora de comprar algum.

Peguei o metrô pra voltar pra casa e na estação ‘Montparnasse’ vi cartazes de uma ONG explicando que com uma doação de 7 euros é possível oferecer um ‘kit dignidade’ (toalha, barbeador, escova e pasta de dentes, absorventes e outros produtos básicos e essenciais de higiene) pra ajudar os refugiados. Em todos os cartazes alguém tinha riscado a palavra ‘refugiados’ e escrito ‘franceses’, transformando a frase original “ajude os refugiados” em “ajude os franceses”. Eu e Anne nos indignamos profundamente e ela tirou uma caneta da bolsa, riscou a palavra ‘franceses’ e escreveu novamente ‘refugiados’ nos cartazes. Enquanto nos afastávamos ela disse: “Que país é esse onde até a palavra ‘refugiados’ é uma agressão pras pessoas?”

Depois de passar pelos correios pra mandar um pacotinho pro Brasil (pode surpreender alguns, mas a burocracia sem sentido e as filas intermináveis também estão presentes no “primeiro mundo”) cheguei no apartamento de Martine. Ela preparou um chá de alecrim e tomilho (“Como o que eu tomava quando era pequena no sul da França”, ela me explicou) e conversamos mais sobre ativismo, militância e o aumento da islamofobia e xenofobia na França. Martine foi militante a vida inteira e apesar de ter 74 anos ela continua lutando por direitos humanos. Nos conhecemos graças ao envolvimento dela com a Palestina, que ela visitou várias vezes. Ela até organizou uma oficina de culinária palestina comigo na casa dela uns anos atrás. O chá foi seguido do aperitivo, pois sempre que amigas queridas passam pela casa dela ela abre uma garrafa de champanhe. A única bebida alcoólica que bebo (e mesmo assim muito, muito raramente) é champanhe e Martine tem o mesmo costume. Ela me contou que sempre explica pras pessoas que só bebe “Champanhe ou água!” e às vezes eu copio a minha amiga e digo a mesma coisa.

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Fomos jantar num restaurante vegetariano pertinho da casa dela, o que sempre fazemos quando passo por Paris. O restaurante existe desde 1980 e se chama “Aquarius”. A comida é simples, mas tem um prato lá que adoro: salada de algas frescas com três tipos de algas, abacate, pomelo rosa, tofu e legumes crus.

Terça

Depois de mais baguette com cereais, azeite, za’atar e as deliciosas pastas, fui aproveitar mais um pouco de Paris. Dessa vez fui passear pelo “Quartier Latin”. Esse é outro bairro que conheço bem porque a faculdade onde estudei, a Sorbonne, fica ali. Ao passar pela frente desse prédio tão imponente e antigo sinto o que na minha terra chamamos de “saudade aliviada”. Meus anos de universitária foram muito importantes, mas por nada nesse mundo voltaria no tempo pra revive-los. Suspeito que muita gente sente a mesma coisa.

Anne queria comprar uma daquelas toalhas ultra finas que secam em pouco tempo (vida de nômade obriga) e fomos na instituição francesa do material pra acampamento (e os mais diferentes esportes): Au Vieux Campeur. São várias lojas no quarteirão da Sorbonne, cada uma especializada em um esporte ou atividade diferente. Pra quem gosta de acampar ou viaja muito, a loja é cheia de engenhocas que facilitam a vida dos viajantes, das toalhas citadas acima à lanternas e carregadores de celular que funcionam à energia solar, passando por potinhos pra transportar comida ou cosméticos e chaveiros que escondem dinheiro.

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Almoçamos no restaurante tibetano vegetariano Pema Thang, que fica pertinho dali. Se você nunca provou comida tibetana, vale a pena visitar o lugar. Os pratos são simples e não recomendo o restaurante pra quem evita glúten (as opções sem glúten são limitadas), mas o lugar é aconchegante e tranquilo, pelo menos na hora do almoço durante a semana. E a senhora que cuida de tudo (serve as mesas e cozinha) é uma simpatia. Pedimos mo-moks (ou momos), que são um tipo de guyosas, com os mais diferentes recheios e cozidos no vapor, muito apreciados no Tibete, Nepal, Butão e partes da Índia. O restaurante oferece quatro recheios diferentes (três veganos e um vegetariano). O de repolho é sempre o meu preferido (o de proteína de soja, a outra opção que pedimos, é bem inferior) e veio acompanhado de um molho de coentro fresco batido com tomate cru (singelo, mas ótimo!). Também adorei a sopa tradicional chamada ‘tapsa’, feita com farinha de cevada tostada, espinafre e alho. Essa eu vou tentar refazer em casa.

Achei a história do lugar linda (estava escrito no próprio menu). Duas irmãs do Tibete abriram um restaurante tibetano e vegetariano na Holanda muitos anos atrás. Depois elas abriram um segundo na Índia e outro em Paris. Contrariamente aos irmãos holandês e indiano, o restaurante de Paris era o único que servia carne. Ano passado o irmão das proprietárias adoeceu e elas decidiram então retirar toda a carne do restaurante de Paris, algo que elas vinham pensando em fazer há tempos. Desde então a saúde do irmão melhorou muito e a família é “feliz com o Karma positivo de não vender mais carne no restaurante” e esperam “que os clientes compartilhem esse Karma positivo degustando comida vegetariana.” A senhora que preparou os pratos explicou que a proposta de pratos veganos está sempre aumentando, pois a clientela vegana não para de crescer. Por isso atualmente 70% do menu é vegano.

Depois do almoço caminhei até um cinema independente, o “Nouvel Odéon”, que só tem uma sala de projeção e uma micro sala de espera-café. Poucas coisas no mundo me deixam mais feliz do que pequenas salas de cinema. Fui ver um filme japonês e como a sessão era no meio da tarde e durante a semana, o público era composto essencialmente por senhoras aposentadas. Isso pra mim é a perfeição absoluta em matéria de cinema. O filme que vi se chama “An” (o nome daquela pasta doce de feijão azuki em Japonês), da diretora Naomi Kawase, e é lindo. Ele tem a poesia e a delicadeza de uma cerejeira em flor e eu me emocionei e chorei várias vezes. Mas só recomendaria o filme pra quem aprecia o ritmo lento e a economia de diálogos do cinema japonês.

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Logo do lado fica uma das maiores livrarias da cidade, a Gilbert Joseph, que vende tanto livros novos quanto usados. Entrei pra procurar um livro que há tempos quero ler, mas não consegui encontrar nas prateleiras e não tinha tempo pra procurar um vendedor, então deixei pra lá. Depois do filme meu apetite tinha acordado e fui conferir uma doceria vegana que há tempos queria visitar. A doceira se chama “Vegan Folie’s” e oferece cheesecakes, bolos, cupcakes, cookies e outras doçuras, além de alguns salgados (torta salgada e sanduíches) e café/cappuccino. Tudo 100% vegetal e servido com um sorriso. A rua da doceira é muito charmosa, então sentei em frente à vitrine pra admira-la enquanto degustava meus três (!!!!) doces e um café. Provei um cheesecake de caramelo e chocolate (sem graça), um cheesecake de frutas vermelhas (com graça, mas longe de ser algo realmente interessante) e um brownie, que estava delicioso e foi a única coisa que pediria novamente ali. Confesso que saí um pouco decepcionada, pois depois de tanto tempo querendo ir lá a expectativa era grande. Porém não experimentei tudo. Talvez os cookies, potinhos de sobremesas cremosas, bolos e salgados sejam mais saborosos. Também achei o lugar, que acabou de ser reformado, pouco acolhedor (apesar da simpatia da vendedora) e a iluminação era quase agressiva.

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Continuei o passeio e fui caminhando devagar, embaixo de uma chuva fininha, na direção da Catedral de Notre-Dame. Passei do lado da livraria Shakespeare and Company e não pude resistir a vontade de entrar. Essa livraria existe há décadas e só vende livros em Inglês, novos e usados. O lugar não poderia ser mais charmoso e virou ponto turístico (é proibido fotografar o interior da livraria). Eu não tinha a intenção de comprar nada, mas acariciei capas, folheei alguns exemplares e, quando não tinha ninguém olhando, cheirei muitas páginas.

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Notre-Dame fica a poucos passos dali, do outro lado do Sena. Atravessei a ponte às seis em ponto e a vista, o monumento majestoso com um pedacinho do rio, ficou ainda mais mágica com os sinos da catedral badalando.

Em seguida passei pelo Hôtel de Ville, o imponente prédio da prefeitura de Paris, que à noite fica ainda mais bonito, e descobri que o carrossel antiguinho que eu gostava de admirar continua lá. Eu tinha um encontro às 19h, mas antes de pegar o metrô entrei na loja de produtos orgânicos ‘Naturalia’ que fica a poucos metros da prefeitura. Eu precisava comprar os ingredientes pro jantar do dia seguinte e, pra ser bem sincera, eu nunca recuso uma oportunidade de entrar em uma loja de produtos orgânicos. Mesmo quando não compro absolutamente nada (o que acontece com frequência) saio de lá inspirada e otimista depois de ver que a oferta de opções veganas, com expliquei mais acima, não pára de aumentar.

Fui jantar com Ana Carla, uma leitora de longa data do blog. Faz anos que estamos tentando nos encontrar e o mais engraçado é que cada tentativa de encontro foi em um país diferente. Ela é tão nômade quanto eu e depois de não termos conseguido nos encontrar no Brasil ela propôs um encontro na Bélgica, outro na Itália, outro em Londres e finalmente esse em Paris. Os desencontros da vida… Quase não acreditei quando vi que dessa vez, na quinta tentativa (e quinto país), nosso tão esperado encontro ia acontecer!  Fomos jantar no restaurante vegano e crudívoro 42 degrés (“42 graus”, porque nada ali é aquecido acima dessa temperatura).

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Foi o restaurante mais caro que visitei por lá, mas esse tipo de culinária exige mais tempo e dedicação do que culinária cozida, então acho que faz sentido. A noite o menu é mais elaborado e os pratos, mais caros. Mas eles abrem pro almoço com um menu reduzido, que muda sempre, e com preços bem mais em conta (prato + entrada ou sobremesa por 15€ , entrada + prato + sobremesa por 19€). A comida é preparada com maestria e muito carinho e a apresentação é tão linda que fiquei com pena de destruir aquela belezura. As combinações de sabores são originais, as técnicas são refinadas e é o tipo de comida que você não conseguiria fazer em casa (detesto pagar caro por algo que sei que faria em casa em 3 minutos ou, pior ainda, que sei que faria bem melhor na minha própria cozinha). E tudo sem glúten, como é de costume na culinária crudívora.

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O que mais gostei foi o prato de queijos (de castanhas) que dividimos na entrada. Nós duas ficamos impressionadas com o sabor e como Ana Carla é onívora e come queijos tradicionais, isso é um enorme elogio. O prato que ela pediu foi o burger de cogumelo com chips de kale (delícia!) e eu pedi um flã salgado de amêndoas com espuma de gergelim, creme de raíz de salsão e wakame (bem ousado, mas eu gosto de aventuras gastronômicas). De sobremesa pedi algo chamado “A mexerica se desvenda” porque achei o nome hilário e porque, como acabei de dizer, minhas papilas gostam tanto de aventura quanto eu e a mistura de mexerica, ganache de limão e granitê de sálvia me intrigou. Achei tudo sublime e embora esse tipo de restaurante não possa entrar com frequência no meu orçamento, vale muito a pena comer lá pelo menos uma vez, com alguém especial. E eu não poderia ter sonhado com um lugar mais bacana pra encontrar uma pessoal tão especial quanto Ana Carla.

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Quarta

O café da manhã foi o mesmo dos dias anteriores: baguete com cereais, pastas vegetais e conversas sobre a situação política e ativismo na França. Procuro não comer pão todos os dias, mas as visitas à Paris são momentos especiais que merecem uma boa baguete. Também provei algumas das geleias feitas pelas amigas de Martine, com as frutas dos seus jardins: uma de mirtilo, outra de laranja amarga.

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Almocei com minha avó e minha prima Flora (ambas adotivas). A história de como Vérène, ‘minha vó francesa’, como gosto de chamá-la, entrou na minha vida é longa e vai ficar pra outro dia. Marcamos o encontro em uma cantina vegana chamada “Le Veganovore”, que oferece um menu bem sucinto, com preço fixo, que muda diariamente. O lugar é pequeno e como as mesas são coladas umas às outras é difícil ter uma conversa tranquila no meio do barulho ambiente. Mas os preços são modestos, as porções são generosas, todos os ingredientes são orgânicos e a chef tem um cuidado todo especial na hora de equilibrar as refeições do ponto de vista nutricional. Todos os dias tem uma sopa, uma opção quente, uma salada completa e duas sobremesas. No dia que estive lá a sopa era de jerimum e cenoura, o prato quente tinha arroz integral, lentilha, legumes cozidos e uma saladinha verde, a salada completa tinha arroz integral, hummus e vários legumes crus.

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As opções de sobremesa eram creme de chocolate ou creme de batata doce com limão, ambos acompanhados de crumble de amêndoas. Como éramos três pude provar um pouco de tudo. O tempero poderia (deveria) ser menos tímido e o acréscimo de um molho simples teria transformado a refeição em algo realmente saboroso, mas saí de lá satisfeita e bem nutrida, com a barriga cheia de vegetais orgânicos e sem ter gastado muito.  Preciso dizer que uma das preparações, a mais simples de todas, realmente me impressionou. Eu não dava nada pelo creme de batata doce (do tipo laranja, não aquelas que encontramos com mais frequência no Brasil) e limão, mas foi a sobremesa que Flora escolheu e quando provei tive a agradável surpresa de descobrir um sabor delicado e uma textura ultra cremosa, mas leve. Foi o que mais gostei ali e quando fui elogiar a chef ela me explicou que só levava três ingredientes: batata doce (do tipo laranja) cozida, limão e um tico de açúcar mascavo.

No caminho entre o Veganovore e a estação de metrô encontrei mais uma loja de produtos orgânicos, ‘La Vie Claire’. Elas estão por todas as partes em Paris hoje em dia e, como vivo repetindo aqui, fazem a alegria dos veganos de passagem que querem experimentar produtos especiais. Não estou dizendo que pra ser vegana é preciso ter uma loja de produtos orgânicos super bem equipada por perto (e, consequentemente, muito dinheiro pra gastar lá, já que esses produtos são mais caros). É totalmente possível ser vegana comprando somente vegetais frescos na feira (a mais barata que você encontrar) e produtos secos (cereais, leguminosas) em um supermercado comum ou mercadinho. Essas lojas oferecem algumas delícias pros momentos especiais, mas não são de maneira alguma indispensáveis.

Entrei na loja de orgânicos porque eu viajaria no dia seguinte e queria comprar alguns ingredientes pra preparar a comida que seria consumida na estrada. As companhias ‘low cost’, que têm os voos mais baratos, não oferecem comida a bordo (elas vendem alguns sanduíches, mas nada vegano) e é difícil encontrar comida vegana em aeroportos. Por isso sempre viajo com um lanchinho na bolsa, mas dessa vez eu sairia de casa por volta das 10h e só chegaria na minha destinação final depois da meia noite, por isso eu precisava preparar uma lancheira com duas refeições robustas. Um dia escreverei um post sobre como preparar comida pra viagens de avião, pois acabei me tornando expert no assunto e tenho dicas preciosas pra compartilhar.

No caminho pro apartamento de Martine comprei os legumes que faltavam pro jantar (no mercadinho da esquina, porque nem só de lojas de produtos orgânicos vivem as veganas) e como tinha uma livraria independente do lado, entrei pra perguntar se tinha o livro que eu estava procurando e bingo! Cheguei no apartamento no final da tarde e comecei a preparar o nosso jantar de despedida. Tempos atrás prometi fazer um fondue vegano pra Martine, que nunca esqueceu a promessa, e como Anne estava desejando um fondue desde o ano passado eu decidi fazer as duas felizes. Preparei o rejuvelac semanas antes, na casa do meu sogro, e fui pra Paris com ele na mala. Na segunda-feira misturei o rejuvelac com castanhas de caju trituradas (comprei manteiga de castanha pronta na loja de orgânicos, pois Martine não tem liquidificador) e coloquei pra fermentar. Então meu queijo de castanha tinha fermentado por dois dias (como estava frio coloquei o pote do lado do aquecedor pra acelerar o processo) e estava pronto pra se transformar em fondue.

Enquanto fazia o fondue (falei sobre a receita, como fazer rejuvelac e tudo mais nesse post) aproveitei pra preparar as refeições do dia seguinte, que seriam degustadas durante a viagem. Fiz uma salada de quínua vermelha com tofu defumado, couve kale refogada, brócolis no vapor e cobri tudo com brotos de alfafa e rúcula. Na hora de fazer o molho pra salada olhei pra panela de fondue, dei um pulo e gritei: “Aha!”. Juntei duas colheres de sopa do queijo de castanha derretido à salada e quase me dei um abraço pra agradecer a ideia maravilhosa que tive. (No dia seguinte, enquanto degustava minha super salada, tive vontade de me dar dois abraços pois ficou extremamente delicioso). Preparei também meus acompanhamentos preferidos pra degustar com fondue: brócolis (que também tinha entrado na salada do dia seguinte) e batatas no vapor, maçã em fatias e a tradicional baguete.

Na hora de servir o fondue Martine disse: “Não sei se vai combinar, mas guardei uma garrafa de champanhe especialmente pra tomar com vocês na despedida.” Quem recusaria um gesto tão lindo? Então eu declarei que champanhe combina demais com fondue vegano e tivemos um jantar maravilhoso, com comida ótima, champanhe de primeira e a companhia de pessoas muito especiais.

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Em dias de viagem, principalmente viagens longas, gosto de tomar um café da manhã reforçado e nutritivo. Minha opção preferida nesses momentos é papa de aveia ou aveia dormida. Preparei aveia dormida na noite anterior, que coloquei pra descansar na geladeira com o leite de amêndoas que Martine tinha comprado pra nós, mais um punhado de chia. Servi com castanhas do Pará picadas e degustei tudo com café.  Depois de me despedir da minha querida amiga Martine parti rumo ao aeroporto de Orly. Felizmente ela mora pertinho de Montparnasse, de onde sai um ônibus que te leva direto pra esse aeroporto. Mais prático do que isso só se eu conseguisse me teleportar com mala e tudo (meu sonho!!!!). O tráfego estava tranquilo e cheguei cedo no aeroporto. Fui tomar mais um café pra enfrentar a viagem, um pequeno ritual meu, e qual não foi a minha surpresa ao descobrir que no Starbucks do aeroporto de Orly tem não uma, mas duas opções de leite vegetal: soja e coco. Gostaria de dizer que, por razões políticas, não gosto de Starbucks e nunca tomo o café deles. Só faço uma ou outra exceção quando estou em aeroportos franceses, pois apesar de todo o progresso em matéria de alimentação vegana que aconteceu nos últimos anos, achar leites vegetais em cafés franceses ainda é um desafio. Como não sou fã de leite de soja e leite de coco é o meu preferido, principalmente com café, dei três pinotes de alegria, pedi um cappuccino grande com leite de coco e sentei pra degustá-lo, enquanto esperava o check-in do meu voo abrir, pensando nas aventuras que me aguardam nesse novo capítulo da minha vida.

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PS Escreverei em breve sobre esse novo capítulo aqui no blog, mas quem me segue no Instagram e FB já sabe onde estou.

PPS Um dia reunirei todas as dicas de Paris em um super Guia Vegano da cidade, mas por hora coloco aqui a lista dos lugares mencionados acima (Google vai te ajudar a encontrar os endereços, sites, páginas FB com horários de funcionamento e telefones…) :

Hank Burgers – hamburgueria vegana, 55 Rue des Archives, 3ème.

Bio C Bon – loja de produtos orgânicos.

Passage du Désir – sex shop na Rue St Martin (Marais).

Aquarius – restaurante vegetariano com opções veganas, 40 Rue de Gergovie, 14ème.

Au Vieux Campeur – loja de equipamentos e acessórios pra vários esportes e atividades ao ar livre (várias lojas, separadas por esporte, no Quartier Latin).

Pema Thang – restaurante tibetano vegetariano com 70% do menu vegano, 13 Rue de la Montagne Sainte Geneviève, 5ème.

Nouvel Odéon – cinema independente com apenas uma sala de projeção e uma lista de filmes reduzida, mas sempre interessante, 6 Rue de l’École de Médecine.

Gilbert Joseph – livraria que vende livros novos e usados, misturados nas prateleiras (os usados tem uma etiqueta na lombada indicando).

Vegan Folie’s – doceria vegana com algumas opções salgadas, 53 Rue Moufettard.

Shakespeare and Company – livraria anglófona que vende livros novos e usados.

Naturalia – loja de produtos orgânicos (vários endereços na cidade).

42 degrés – restaurante vegano crudívoro e orgânico, 109 Rue du Faubourg de la Poissonière.

Le Veganovore – cantina vegana e orgânica, Rue de Paradis.

La Vie Claire – loja de produtos orgânicos.

E, como sempre, o site Happy Cow será o seu melhor amigo na hora de descobrir todos os endereços vegetarianos/veganos/veg friendly da cidade, incluindo lojas de produtos orgânicos.

22 comentários em “3 dias em Paris

  1. Estou acompanhado o Papacapim há algum tempo e já sou fã de carteirinha. Suas receitas são deliciosas e seus textos também. Obrigada por compartilhar conosco seu entusiasmo pela culinária vegana e pelas questões políticas que a acompanham. Paz e sucesso pra você! 🙂

  2. Oi Sandra,
    Adorei tuas andanças por Paris. , mas uma vez tomei nota das dicas de restaurantes no meu caderninho. Pois eh, infelizmente Paris mudou em muitas coisas, para melhor e piores em outras. Uma das coisas ruins é o monte de pickpockets atualmente nas ruas de Paris, acho que em certo sentido pior que no Rio. Como aqui no sul da França, Paris também esta toda pichada, faço uma diferença entre expressāo artistica através do graffiti e vandalismo atraves de pichaçāo em todo e qualquer lugar. Meu filho, como vc., estudou em Paris, primeiro no liceu Charlemagne, no Marais, e depois na École de Chimie de Paris. Aprendi a conhecer Paris caminhando, moravamos no 14 arr. e perambulava de um lado a outro sem nunca usar transporte público. Nāo tive o previlegio de ser estudante em Paris, mas tive a oportunidade de morar por algum tempo lá e agradecida por isso.
    Abraços, marta

    1. Engraçado, não tive de maneira alguma a impressão que a cidade estava mais perigosa ou mais pichada. Espero que você possa experimentar alguns dos restaurantes que visitei na sua próxima ida à Paris. Abraços

  3. o problema do site happy cow é que não fazem ideia do que é veganismo. Em Paris há imensos restaurantes veganos , mas muitos deles não o são. Mais do que uma vez pesquisei no happy cow e fui a restaurantes veganos em Paris e depois de comer algo á confiança , percebi que tinha mel ou molhos de marcas que testam em animais. Também me chegou a acontecer comer um cheesecake e no fim per eber que não só não eravegano como era feito com ingredientes de origem animal. Num restaurante vegano. Quando reclamei com o happy cow pela sugestão errada pergu taram qual a diferença entre vegetariano e vegano…

    1. Que triste e que estranho eles não saberem a diferença! Eu nunca tive problemas com o Happy Cow. Até hoje todos os restaurantes que vi lá e pude visitar eram realmente vegetarianos/veganos. Mas fica a dica pro nós ficarmos mais vigilantes.

  4. Ah, que leitura pra lá de boa. Se nunca senti curiosidade pra conhecer Paris, agora me parece um destino mágico.
    Ótima ideia de fazer um post com dicas veganas para longas viagens. Lembro de um vídeo seu preparando salada de tofu com uvas verdes, se não estou enganada. Faz tempo.

    Bons dias pra você!

  5. Que post lindo, doce e sensivel. Amei ler cada linha, escrita com tanto carinho pois tem muitos detalhes. As dicas são ótimas, as reflexoes iluminating. Espero que tenhas chegado bem a teu destino.

  6. Em Natal, como você sabe, estamos a anos-luz de distância. Mas não posso deixar de relatar uma pequena luz que se acendeu no mercado voltado ao grande público: ao menos duas redes locais, a Wayne’s e a Freddy’s, agora tem opção de hambúrguer vegetariano.

  7. Que post delicioso! Também estou indo visitar amigos (veganos) em Paris mês que vem e já estamos anotando as dicas. Aguardo o post sobre refeições para levar no avião – adoro levar lanches nas viagens. Também estou encantada com a perspectiva dos posts libaneses. Felicidades na nova fase!

  8. Não sei se o pacotinho enviado foi o que chegou para mim mas, até arrepiei aqui e emocionei! <3
    Já estou usando o azeite e ele é incrível (achei genial ver como ele não é filtrado).

    Venha logo para o Brasil para que eu possa fazer uns pães de "queijo" para ti!
    Um beijo!

    1. Foi o seu pacotinho, sim 🙂 Que bom que você está gostando do azeite. Já, já chego aí pra comer seus pães de ‘queijo’. Beijos

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