Vale do Jordão

Já que estou sem tempo de cozinhar algo digno de aparecer por aqui, vou continuar falando das minhas atividades extra-gastronômicas. No fim de semana passado pude visitar, pela primeira vez, o vale do Jordão. Sem entrar nos detalhes geo-políticos, essa região fica no norte da Cijordânia, nas margens do Rio Jordão. Pra quem está se perguntando onde fica a Cijordânia aqui vai a resposta: a Palestina hoje é dividida em duas partes, a maior fica entre Israel e a Jordânia e é chamada de Cijordânia e a pequena língua de terra entre Israel e Egito é a Faixa de Gaza. O vale do Jordão é o lar de muitas tribos beduínas, que vivem essencialmente do cultivo da terra e da criação de ovelhas e cabras. A maior cidade da região é Jericó, a mais antiga cidade habitada do mundo (mais de 10 mil anos) e a mais baixa (260m abaixo do nível do mar). Há tempos que Anne trabalha nesse lugar, junto com o coletivo de fotógrafos do qual ela faz parte. Por ser uma área de difícil acesso, e por estar sempre ocupada com meu trabalho em Belém, eu nunca tinha visitado o Vale do Jordão. Temos uma amiga francesa que trabalha em uma ONG local e como eles estavam precisando de voluntários sábado, resolvi juntar a vontade de ajudar com a de visitar e acompanhei Anne (que estava indo por causa do trabalho).

Passei o primeiro dia plantando oliveiras em uma das comunidades beduínas. Ser filha de sem terra (na verdade ex-sem terra, já que meu pai conseguiu se transformar em “com terra”) não ajuda muito na hora de pegar no pesado. A prova: não sei nem como chamar a ferramenta que estou segurando (alguém sabe?).

Esqueci minha máquina fotográfica em casa, mas usei a de Anne pra fazer essas fotos. Como a máquina é seu instrumento de trabalho, não pude fotografar muito. Claro que as fotos onde apareço foram feitas por ela.

Ficamos hospedadas na casa dos voluntários da ONG onde nossa amiga trabalha. A casa foi inteiramente construída com barro, palha e pedra. Uma das atividades da ONG é ensinar a população local a fazer tijolos com esses materiais. Na foto acima, Khader, que também trabalha na ONG, prepara o fogo pra fazer café. Tudo é cozinhado nesse fogão à lenha.

Sempre sonhei em ter um fogão desses. Mas é bom não ter muito amor pelas panelas, porque elas ficam todas com esse look gótico.

No dia seguinte acompanhamos nossa amiga enquanto ela trabalhava. Domingo aqui é um dia de trabalho normal: os muçulmanos descansam na sexta e nós, voluntários estrangeiros, seguimos o ritmo local. Ela leva assistência (tendas, água e o que mais eles precisarem) às famílias mais isoladas. Eu, Anne e outro voluntário francês fomos ajudar.

Visitamos cinco famílias e aprendi muito sobre a cultura e o modo de vida dos beduínos. Essas experiências são sempre enriquecedoras e a vida me ensinou que sou eu quem mais ganho e aprendo no trabalho voluntário que faço aqui.

As irmãs da foto fizeram questão de me mostrar o mais novo membro da família, um carneirinho de apenas três dias.

Também vi muita cabra por lá. As cabras daqui são de uma raça especial. Não gosto de falar mal de ninguém, ainda mais de bichinhos indefesos que não fazem mal à ninguém, mas essas cabras, senhor, essas cabras… Eu tenho crises de riso quando olho pra elas. Sem querer ofender o criador, essas cabras são, como dizia minha vozinha, feias de cair da rede! Cliquem na foto pra ver melhor esse arroubo de feiúra (recomendado pra quem estiver precisando rir um pouco).

O Vale do Jordão é uma região muito particular. Parece um deserto, mas tem fontes de água em vários pontos, criando muitos oasis. Mas por ser um quase deserto, e por estar tão abaixo do nível do mar, o verão aqui castiga intensamente os habitantes. Em agosto do ano passado as temperaturas chegaram a 56°. Embora no final de junho o tempo seja um pouco mais clemente, o termômetro chegou aos 45° quando estive por lá. Eu que, no último post, reclamei do calor de Belém, voltei pra casa achando minha cidade fresquíssima. Moral da história: é preciso piorar pra melhorar. Muitos anos atrás li um conto, não sei aonde nem de quem, que me ensinou muito. Um camponês que morava em um barraco pequenino com sua família numerosa vai consultar o sábio da região. Ele diz: “Minha casa é pequena e minha família é grande. É um inferno morar com essa gente toda, mas não tenho dinheiro pra constuir uma casa maior. Como melhorar minha situação?” O sábio mandou ele colocar todos os seus animais, vacas, ovelhas e cavalos, dentro da casa e voltar dali a um mês. O camponês obedeceu e, obviamente, sua vida ficou cem vezes pior. Um mês depois o sábio perguntou: “Sua situação melhorou?” O camponês contou então o suplício que estava vivendo. O sábio falou pra ele tirar todos os bichos da casa e voltar dali a um mês. Quando o camponês voltou pra ver o sábio mais uma vez, ele disse: “Ah, agora está tudo ótimo! Minha casa é uma tranquilidade só”, agradeceu o sábio e voltou pra casa feliz da vida. Foi o que senti voltando pra casa domingo a noite. Mas se você quiser sabedoria de verdade, leia a versão que Millôr Fernandes fez dessa história. O conto dele consegue ser ainda mais engraçado do que as cabras palestinas.

14 comentários em “Vale do Jordão

  1. Minha vida tem horizontes bastante estreitos, mas eles se alargam de forma maravilhosa com as informações que você compartilha! Deus ilumine seu caminho e também a vida das pessoas que lhe são caras.
    Lembranças e carinho de Balneário Camboriú para você e esse povo maravilhoso!
    Mariangela.

  2. Oi Ninha, a respeito da ferramenta que vc segura e usa, o nome é chibanca ou xibanca, não sei ao certo como se escreve, e sobre as pobres cabras são realmente feias e ri muito com a foto. Amo seus textos. Bj

    1. Menina, quanta sabedoria! So podia ser minha prima! Mas não me lembro de você ter trabalhado na roça…você pediu ajuda aos universitarios? De todo jeito, obrigada pela informação. Essas cabras em Itaja iam fazer um sucesso danado, não é?

  3. vc já pensou em escrever um livro?
    não só pelos locais que vc conheceu, as culturas…mas por tudo que vc aprendeu com as pessoas, imagino que deve ter muita coisa a dizer!
    toda vez que venho aqui eu fico o dia todo pensando sobre algo, filosofando…sabe?
    pensando que há coisas mto maiores e diferentes por ai…
    que eu to aqui reclamando do meu salário e do frio que to sentindo em minhas mãos, mas tem gente que (por exemplo) mora na rua, sem salário e sem a cama quentinha igual a minha.
    é bom pensar além de vez em quando.
    aquilo na sua mão seria uma enxada? (não sei se ta escrito certo, hehe).
    boas férias!

    1. E como pensei! Um dia, quem sabe, realizarei esse sonho. Por enquanto espero continuar compartilhando minhas descobertas e filosofando aqui, mesmo. O nome da ferramenta é chibanca. Minha prima Iris deixou um comentario explicando.

  4. Lugar castigado hein minha amiga! Mas até na adversidade encontramos beleza… As fotos são lindas, o seu texto, como sempre envolvente e o trabalho, sem dúvida, abençoado.

    Salaam ‘Aleikum ;))

  5. Pois eu, do alto do meu cinhecimento ferramentístico, diria que é uma picareta (O negócio que vc tava segurando, sister, calma aí!!)
    To rindo até agora com as cabras daí, que aliás, só ficam feias qdo crescem, pq aquela pequeninha eu quero pra mim…

  6. Flor, no meio desse deserto tem cada oasis lindo. E na primavera fica tudo verdinho e cheio de flores. Espero voltar la nessa época do ano. ‘Aleikum Salaam.

    Mona, você esta certa, a tal da chibanca é um tipo de picareta. Ja a coisinha fofa da foto é um bebê ovelha, não cabra. Essas cabras, coitadas, são feias com qualquer idade.

  7. … Olá 🙂
    e sabes que mais? … não apetece dizer nada para além do …… muito Obrigada 🙂
    ……
    e como eu ando (neste momento) a praticar a ser fiel à minha palavra, nem vou dizer que, por cá em Portugal, chamamos picareta a essa ferramenta …
    oops!!! … afinal digo sempre mais 🙂

    🙂 Abraço

    1. O material de base é o mesmo, o barro, mas as casas de taipa do interior do nordeste são feitas com uma técnica diferente. La o barro é colocado diretamente sobre uma estrutura de madeira (o esqueleto da casa), enquanto que aqui eles fabricam tijolos com barro e palha, que secam no sol durante dois dias, e em seguida constroem a casa com esses tijolos. Mas o teto é igual, feito com folhas (embora hoje em dia muitas casas de taipa usam telhas no teto).

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