Despensa vegana

Uma parte da minha despensa (nos meus sonhos)

Eu me tornei vegana do dia pra noite. Minha alimentação evoluiu lentamente durante os anos e pouco a pouco fui parando de comer animais, mas minha intenção era ser vegetariana. Quando atingi esse ponto pensei que meu trabalho tinha terminado, dei um tapinha nas minhas costas e me felicitei por ter alcançado meu objetivo. Eu nem sonhava que poucas semanas depois eu tomaria uma decisão ainda mais “radical”, segundo alguns. Embora eu não lembre quando comecei a pensar em adotar uma dieta vegetariana, me recordo perfeitamente do momento em que decidi me tornar vegana. Foi no meio de uma tarde de setembro de 2007 e meu armário e geladeira estavam cheios de produtos de origem animal. Por que eu lembro desse detalhe? Porque naquele exato momento fiz um acordo comigo e com a geladeira: eu comeria aquilo tudo mas nunca mais compraria nada que não fosse vegano. Não que eu quisesse alguns dias pra me despedir dos queijos, iogurtes e sorvetes que seriam excluídos pra sempre da minha vida, de maneira alguma! Minhas convicções eram tão fortes que eu queria era começar minha nova dieta sem crueldade o mais rápido possível. Mas sendo a pessoa aversa a disperdícios que sou, a idéia de jogar comida fora era inadmissível. Então comi tudo, com uma mistura de culpa e nostalgia antecipada (“Foi muito bom te conhecer, sorvete Häagen-Dazs. Você sempre terá um lugar no meu coração, queijo de cabra. Querido Baileys, sentirei saudades!”).

Depois meus problemas começaram. O que colocar na minha recém esvaziada despensa? Como eu ia estocar minha (futura) cozinha vegana? Na época eu não conhecia nenhum vegano pra me ajudar, mas uma passagem pela loja de produtos naturais do meu bairro (e muitas horas de leitura de rótulos) foi suficiente pra descobrir que eu não corria risco nenhum de morrer de fome. A lista de alimentos “autorizados” era muito maior que a de alimentos “proibidos”. Eu experimentei coisas que nunca tinha provado antes e descobri outras que eu nem desconfiava da existência. Eu já era apaixonada por gastronomia na época, tinha bastante intimidade com alimentos e visitar lojas de comida era (e ainda é) um dos meus maiores prazeres, mas percebi depois que o caminho foi mais espinhoso pra alguns novos veganos. Então resolvi fazer um mini guia de como preencher uma despensa vegana. O guia é “mini” porque a lista de alimentos vegetais é imensa e só descrevi aqui um ínfima parte do que um vegano come no dia a dia. Usei minha própria despensa como guia mas nada te impede de rechear ainda mais (e melhor) sua cozinha.

Cereais (básicos)

Quem disse que pra ser vegano tem que comprar comida esotérica (no meu dicionário isso quer dizer comida estranha, exótica, cara e difícil de encontrar)? Alguns dos alimentos mais básicos, e que fazem parte da despensa de qualquer onívoro, são veganos.

-Arroz. Aqui em casa o consumo de arroz é pouco e hoje só tem tem arroz jasmim, de risoto e de sushi. Outros tipos: integral, da terra (vermelho), basmati, negro (selvagem).

-Macarrão. A comida mais universal que existe (se come no mundo inteiro, todo mundo adora e sabe como preparar) é (na maioria das vezes) vegana. Alguns, especialmente os do tipo chinês, podem ter ovos, então não deixe de ler o rótulo pra ter certeza. Na foto tem: macarrão de várias formas, normal e integral, noodles chinesas com chá verde e tradicional (sem ovos).

-Pão. Integral, francês, com cereais, de forma, rústico, com fermento natural, sírio, indiano, italiano… Alguns tem ovos (absurdo!), principalemente os doces ou de estilo “brioche”, mas pão de verdade, o tradicional, o autêntico, o que Jesus comeu com vinho e pediu pra nós ganharmos com o suor do nosso rosto, é vegano.

Leguminosas

Junto com os cereais acima, as leguminosas formam a base da nossa alimentação. Elas são ricas em proteínas, fibras e minerais. Não esqueça: um cereal + uma leguminosa = proteína completa. Na minha opinião são elas que deveriam ocupar o lugar da carne na dieta dos vegs, não essa pseudo comida chamada PTS.

-Feijões: preto, branco, marrom, mung (feijão de soja), macaça, fava… a lista é longa então aproveite pra variar os sabores.

-Letilhas: verde, du Puy, coral, preta… (acabo de descobrir que existem 19 tipos de lentilhas!)

– Ervilhas secas (inteiras ou partidas), grão de bico

Cereais (avançados)

Na parte correspondente aos “cereais” da sua dieta, você pode comer arroz, macarrão e pão todos os dias e ser feliz. Pode, mas não deveria. Com a imensa variedade de cereais no mundo, por que se contentar com dois (arroz e trigo)? Privar seu corpo dos nutrientes oferecidos pelos outros cerais, e negar às suas papilas novos sabores, é no mínimo uma pena. Você não precisa raspar sua poupança pra comer quinoa todos os dias, mas é importante variar sua alimentação de vez em quando.

-(Na foto) Quinoa vermelho e amarelo, amaranto, aveia, polenta (milho), trigo (integral), cevada, trigo einkorn, centeio e farinha de milho. Também gosto muito de “millet”, um tipo de painço descascado (painço não é só pra passarinho, não!).

Oleaginosas

Vou dizer mais uma vez: coma um punhado de oleaginosas todos os dias. Descubra porque elas são tão importantes aqui. Guarde sempre suas oleaginosas na geladeira pra evitar que elas fiquem rançosas.

-Castanha de caju, castanha do Pará, nozes, noz pecã, amêndoas, pistache, amendoim (tecnicamente é uma leguminosa), macadâmia, avelã…

Frutas secas e sementes

Pra mim frutas secas são os bombons do reino vegetal. Um verdadeiro concentrado de fibras, vitaminas e minerais, podem ser degustadas sozinhas ou incorporadas em inúmeras receitas. Sementes, nutricionalmente falando, são parentes próximas das oleaginosas. Descubra mais sobre elas aqui (Sabia que gergelim tem mais cálcio do que leite? Que semente de abóbora tem mais ferro que carne?).

-Frutas secas clássicas: passas pretas e brancas, tâmaras, damascos, figos, bananas (procure por bananas naturais, sem açúcar adicionado), coco. As exóticas: morango, abacaxi, kiwi… Teoricamente, toda fruta fresca pode ser desidratada então a lista não fica por aqui.

-Sementes: gergelim, semente de abóbora, semente de girassol, linhaça (marrom e dourada)…

Conselho importante: coma semente de linhaça todos os dias e guarde-as na geladeira. Elas são uma ótima fonte de ômega 3 e 6 pra deixar você inteligente e têm muita, muita fibra pra limpar seu organismo.

Temperos e condimentos

E pra temperar isso tudo é bom estocar sua despensa vegana com muitas especiarias e condimentos. Mais sobre essa parte da minha despensa aqui (Falando em temperos, a primeira foto do post é a loja de Tawfic, meu amigo que vende temperos, oleaginosas e o melhor café da cidade).

-sal, pimenta do reino e azeite (a santa trindade dos tempeiros)

-ervas desidratadas (manjericão, orégano, tomilho, sálvia, alecrim…)

-tempeiros em pó: cominho, semente de coentro, cúrcuma, pimenta calabresa, curry, canela, gengibre, cardamomo…

-Condimentos e molhos: shoyo (natural, fermentado), Worcester (o molho inglês original. Atenção: alguns usam anchovas), mostarda de Dijon, caldo de legumes, sal com ervas, sal marinho, vinagre de arroz, balsâmico, de cidra, óleo de gergelim…

E também…

Essa foi a lista básica da despensa vegana. Ela é composta de alimentos acessíveis (a maioria baratos, alguns um pouco mais caros), fáceis de encontrar (com algumas poucas excessões) e, junto com verduras e frutas frescas, alimenta qualquer vegano, mesmo em fase de crescimento (seja ele pra cima ou pros lados). Mas você não precisa parar por aí. Graças ao veganismo, descobri uma infinidade de alimentos novos e minha alimentação ficou muito mais variada. Claro que você não precisa consumir esses produtos pra ser vegano, mas aumentar seus horizontes gastronomicos é gostoso e divertido. Aqui vai uma pequena amostra do que estou falando:

-(achado na minha cozinha em uma manhã de segunda) algas marinhas, tofu sedoso, creme de aveia, levedo de cerveja em flocos, miso, xarope de bordo, alfafa, tomates secos, extrato de levedo, patê vegetal, araruta, agar-agar, liquid smoke.

Preciso falar um pouco sobre três produtos especiais. Na França (e em outros países europeus) tem essa linha de patês veganos que são sublimes, totalmente orgânicos e sem nenhum produto  químico. Esse é nosso preferido: trufas e champanhe. Até a avó de Anne adorou e disse “Nossa, podia jurar que estava comendo fois gras!”. Liquid smoke (literalmente “fumaça líquida”) é um produto americano que devia ser canonizado, se houvesse algum tipo de santificação gastronômica. Não é nada mais que água que passou por canais de fumaça e ficou com gosto de (surpresa!) defumado. Esse é o ingrediente secreto pra transformar um inofensivo pedaço de tofu em bacon vegano. Mas a estrela da despensa vegana é, sem dúvida nenhuma, o levedo de cerveja. Mas não estou falando do levedo de cerveja que os homeopatas prescreviam pros seus pacientes, estou falando da nova geração de levedo de cerveja. Eles são flocados e tem um sabor delicioso que lembra os queijos fortes. Como ocorreu essa mutação? Levei um tempinho pra entender, já que levedo no brasil tem mais gosto de cerveja do que de parmesão, mas desvendei o mistério:

Tradução: levedo de cerveja em flocos 93%, malte de cevada 7%. Acrescentando míseros 7% de malte de cevada o levedo se transforma completamente. Comprei levedo outro dia e não prestei atenção no rótulo, mas bastou eu provar o sabor amargo e acervejado típico pra perceber que tinha comprado levedo comum e não maltado. Vamos escrever cartas pros fabricantes de levedo no Brasil pedindo (Exigindo! Suplicando!) que eles façam uma versão maltada pra nós veganos. Os amigos veganos da Europa e dos EUA estão se deliciando com queijos veganos à base de levedo maltado e nós merecemos a mesma coisa.

Eu não poderia encerrar essa lista sem o produto que aparece na minha mesa todo santo dia: tahina  (tahine, tahini, chame como quiser, o sabor é o mesmo). Tahina é pro meu estômago o que o ar é pros meus pulmões. Não tomo leite de soja fortificado e tahina é minha principal fonte de cálcio (seguido de amêndoas e tofu, que só como ocasionalmente). Quando eu morrer gostaria que escrevessem na minha sepultura “Ela comia tahina e foi feliz”.

Complete seu estoque de comida vegana com frutas, verduras, muitas folhas verdes e, se quiser, alguns ítens refrigerados (leite de soja, margarina vegetal, iogurte de soja, tofu). Eu fujo de produtos industrializados como o diabo foge da cruz, então na minha casa você não vai achar biscoitos, cereais matinais, barrinhas de cerais, congelados, salsichas vegetais, etc, mas isso é uma escolha pessoal e não tem nada a ver com o regime vegano. Acontece que eu acho que chocolate com 70% de cacau deveria ser a única guloseima permitida , mas ninguém precisa levar a sério a opinião de uma pessoa que toma suco de espinafre e lentilha germinada no café da manhã.

E pra terminar, uma dica: visite a “despensa vegan” do blog “Cantinho Vegetariano”. A lista é mais organizada que a minha e contém  produtos que não aparecem aqui.

28 comentários em “Despensa vegana

  1. Achava que só eu fechava embalagens de feijão, arroz etc com prendedor de roupa rs. Sou de Natal também e achei seu blog super por acaso duas vezes no mesmo dia: procurando por sal rosa e receita de queijo vegetal. Agora sou leitora assídua 🙂
    Não sou vegana (nem vegetariana) ainda, mas tento ter uma alimentação o mais natural possível.

  2. a minha eu já estou preenchendo aos poucos com cada coisinha dessa. saudades desse patê vegano da frança. se um dia eu for lá, vou comprar um montão deles e fazer um estoque!

    hoje fiz o hummus com pimentão vermelho e ficou muito bom, nunca tinha experimentado! 🙂

    a venda dos meus cupcakes foi muito boa, pra um começo. vendi a 2 reais cada um. pena que levei poucos! acabou rápido! fiquei bem empolgada pra vender de novo.

    1. Renata, se seu malte for como o que tenho aqui em casa (um tipo de xarope escuro e denso) não sei se a mistura vai dar certo… Desconfio que o malte seja misturado com o levedo durante a fabricação. Mas por favor me conte os resultados da experiência pois fiquei muito curiosa.

  3. O texto tá muito bacana Sandra. Parabéns pelo blog! Quando eu li sobre as frutas desidratadas e suas transmutações em bombons me lembrei de certa vez que fui questionado sobre a falta de açúcar na minha dieta. Respondi que o açúcar eu evitava mesmo, mas o sabor doce eu fazia questão de ter e hoje quando vou apresentar as frutas desidratadas digo que elas são os açúcares em vários sabores e cores. Uso-as muito na forma de cobertura para sorvete vivo de banana, fica lindo o amarelo do damasco se entrelaçando com o negro da ameixa.

    1. Obrigada, Laércio. Eu também tenho um cotidiano 100% sem açucar e meu paladar mudou tanto que hoje banana é doce demais pra mim (não como pura, so uso pra adoçar minhas sobremesas). Também faço sorvete cru de banana e é o preferido aqui em casa, mas sirvo com noz de pecã.

  4. Adorei o post! Vc compra esses produtos como o levedo maltado onde? mercado comum como extra e carrefour ou em casas específicas? abs

    1. Renata, eu compro quase tudo na feira perto de onde moro e algumas coisas em lojas de produtos organicos. Nao frequento supermercados (nao tem onde moro), mas acho que hoje em dia se encontra muita coisa por la, principalmente na parte “diet/organico”. Procure tambem as lojas de produtos naturais da sua cidade. Geralmente elas vendem muitos produtos bacanas e veganos. Ja o levedo maltado infelizmente parece que nao é vendido no Brasil.

  5. OI Sandra!

    Adoro passar por aqui, é passagem obrigatória quando abro outras paginas da internet, e sempre fico feliz com suas postagens!
    Não comento sempre, pois sei que recebe muitas mensagens e às vezes deve ser difícil responder todo mundo, mas aproveito pra deixar minha admiração por você, seu trabalho e sua gentileza em ser tão amável com veganos, vegetariano, onívoros ou qualquer outra pessoa que passe pelo seu cantinho. Também sou da opinião que não devemos afastar ninguém de nosso meio (apesar de eu ainda ser ovolacto), pois não tem como as pessoas se entenderem sem conversas gentis e compartilhamento de informações. Nada se transforma para o bem sem amor e caridade!
    Bom, mas na verdade resolvi escrever por causa do seu comentário no post, sobre vc achar que os feijões deveriam ser o melhor substituto para carne.

    Ano passado eu assisti a uma palestra do Dr Eric (www.alimentacaosemcarne.com.br) no Ibirapuera, onde ele mostrou por uma série de estudos e gráficos, que o melhor substituto para carne realmente são os feijões, especialmente por suas qualidades/quantidades de proteínas biodisponíveis e ferro.
    Então, mais uma vez vc está certa. |E eu não poderia deixar se te dizer isso, apesar de achar que você á tinha já certeza, só não quis enfatizar no blog.

    Beijos e muito obrigada por seus posts que alegram nossos dias!

    1. Fernanda, não deixe de comentar pensando que não terei tempo de ler. Às vezes não tenho tempo de responder os comentários, mas todos os dias tiro uns minutinhos pra ler os recadinhos dos leitores e pode ter certeza que suas palavras sempre me enchem de alegria. Não me prive desse prazer, por favor. O Dr Eric Slywitch é um dos meu heróis. Quando comecei a estudar nutrição (sou autodidata) percebi que feijão é realmente o melhor substituto pra carne, mas se você está dizendo que essa também é a opinião do Dr Slywitch, melhor ainda. É sempre bom ter um argumento de autoridade, afinal não passo de uma linguista que decidiu ser cozinheira:-) Um abraço e espero te ver (ler) mais por aqui.

  6. Olá Sandra,
    Comprei recentemente uma garrafa de “liquid smoke” e gostaria de experimentar fazer o bacon vegano que você fala. Será que pode partilhar alguma receita ou dar algumas dicas de como preparar? Bjs

  7. Foi fácil pensar e decidir me tornar vegana. Na verdade, é tão recente, que estou na fase de olhar na geladeira e me despedir das coisas que contém derivados… E também visitas aos supermercados e várias olhadelas nos rótulos… O mais difícil é saber por onde começar, e até lá, estou lendo bastante e graças a Deus encontrei esse blog! Me esclareceu muito! Cada página que acesso sobre o assunto, me deixa mais feliz em ter tomado essa decisão! Serei uma visita frequente, agora. Obrigada por esse texto!

  8. Olá, eu comecei com a ideia do vegetarianismo e fui pesquisar, da mesma forma eu não conhecia ninguém pra me orientar, mas logo fui me encaixando (apesar de ainda ser ovolacto), me sinto feliz como uma futura estudante de medicina veterinária! Agora que já alcancei esse objetivo, estou pensando em ir um pouquinho mais além e virar vegana, porém não conheço quase nada sobre…

  9. Olá Sandra!
    Sou ovolactovegetariana, e você me animou ainda mais a me tornar vegana, deixar meus chocolates e doces…mudar meu paladar, sentir o mesmo prazer comendo banana ou frutas secas. Animada!

  10. Ô Sandra, tenho tanta sorte por ter te conhecido (através da Sabrina Fernandes) que até chego a me emocionar! Eu saí do Instagram por um tempo e quando voltei não te encontrei mais. Nasci em 1997, não participei da construção da cultura de ler blogs, mas quero criar o hábito principalmente por sua causa. Ainda não sou vegana, mas os vejo os seus posts como uma preciosidade a ser aproveitada. Beijos de uma comedora-de-jerimum em terras cearences!

Deixe uma resposta