Por que a gente não come animais

Oi, minha flor

Estou te mandando essa mensagem porque sua mãe me pediu pra eu conversar com você. Ela me falou que seu pai, depois de anos sendo vegetariano, voltou a comer animais porque, segundo ele te contou, o “organismo” dele “estava precisando comer carne”. Ela me explicou que você está se sentindo muito traída pois, tendo nascido vegetariana e crescido com uma mãe vegana e um pai vegetariano, você acredita que animais não são comida. Mas, ao mesmo tempo, essa mudança veio do seu pai, que você ama, então isso provocou uma confusão dentro do seu peito. Agora que você vai conviver, nos dias em que estiver com o seu pai, com pessoas que comem animais, talvez você escute comentários que te deixem desconfortável ou te façam se perguntar se você também precisa comer carne. Por isso sua mãe me pediu pra eu te lembrar, de uma maneira à altura da sua idade, mas sem ser superficial, por que não comemos animais. 

Fiquei honrada com o pedido e feliz de ter a oportunidade de trocar ideias com você, mesmo estando tão longe. 

Primeiro, deixa eu te contar que as pessoas não precisam comer outros animais pra ter saúde. Nem animais nem derivados de animais, como leite e ovo. As pessoas comem porque gostam, porque querem, porque estão acostumadas, porque não sabem que é possível viver de outra maneira, mas não é uma necessidade. Sabia que já faz 18 anos que sou vegana? E estou muito bem. Conheço até pessoas que nasceram veganas e que são muito saudáveis. E sabia que existe populações no mundo que são vegetarianas há muitos séculos? Na Índia, por exemplo, tem milhões de pessoas que não comem animais há muitas, muitas gerações. Elas fazem isso porque a religião delas fala pra não matar os animais. Se fosse verdade que as pessoas precisam comer animais, esse povo já tinha morrido. 

Agora deixa eu te falar por que nós, veganas, vegetarianas, escolhemos não comer outros animais. É importante pra gente que todo ser nesse mundo tenha a oportunidade de ser feliz. Todos os seres: os que têm pelos, os que têm penas, os que tem pele ou escamas. Todos os que existem e estão vivos hoje têm tanto direito de viver quanto a gente. Os animais sentem as mesmas dores que a gente sente, o mesmo medo, a mesma felicidade. Eles têm o direito de viver em liberdade, de beber água quando quiserem, de comer uma comidinha boa, de ter amigos, de ter o carinho da mãe. Achamos injusto pegar uma galinha, um peixe ou uma vaca e cortar em pedaços pra gente comer, sabendo que não precisamos disso pra viver. Se a gente matar eles, a gente impede eles de serem felizes.

Tem uma última coisa que eu queria te dizer. Ser vegana é, pra mim, motivo de muita alegria. É maravilhoso botar a cabeça no travesseiro de noite e saber que hoje nenhum animal foi preso, torturado nem morto por minha causa. Gostaria que você lembrasse sempre que escolher não comer animais é uma fonte de alegria, porque estamos contribuindo pra transformar o mundo num lugar melhor pra todo mundo. Todo mundo mesmo: pessoas, animais, cachorros, vacas, galinhas, porcos, peixes, passarinhos. Quando me falam: “É muito difícil ser vegana!”, respondo que, muito pelo contrário, que é motivo de alegria. 

E, olha, eu fico muito feliz por ter a sua mãe e você do meu lado enquanto a gente transforma o mundo e deixa tudo melhor e mais bonito pra toda criatura que vive. 

Um cheiro. Saudades de você.

2 comentários em “Por que a gente não come animais

  1. Oi, Sandra, tudo bem? Sou de João Pessoa/PB e te e conheci pelo canal da Sabrina Fernandes no Youtube durante a pandemia e desde lá tenho considerado diminuir o consumo de animais até conseguir parar totalmente. Me tornei vegano recentemente, este mês, aos 21, e você foi uma grande inspiração, me identifiquei com a situação que você contou de dar a notícia de que pararia de comer carne e isso não gerar tanto espanto porque a sua família não consumia animais com frequência. Aqui, também, proteína animal sempre foi um luxo, o qual nunca podemos nos dar todos os dias. Imagino que seja assim para a grande maioria dos brasileiros. Admiro muito a sua trajetória de militância contra o genocídio cometido por Israel para com o povo da Palestina.
    Eu gostaria de te pedir, por favor, se ainda não fez isso, para dar a sua opinião experiente sobre esses veganos liberais, que existem aos montes na internet, que ao invés de ter orgulho de falar sobre a história do prato, seus ingredientes, seu modo de preparo, o que aquele prato significa, estão sempre falando de “carne vegana”, em todas as variações que você possa pensar, até em réplicas de coisas que nem deveriam ser comestíveis, como embutidos ultraprocessados. Em outras palavras, sempre trazendo coisas da dieta onívora para o veganismo. Não sei bem como colocar a minha indignação em palavras, mas sinto que muitos veganos não têm aquele nojo/repulsa/revolta necessários ao imaginar um animal morto em seus pratos e preferem considerar apenas como uma dieta restritiva, por isso tentam replicar gosto, textura, cheiro animal em seus pratos. Não sei se é algo errado ou se estou apenas equivocado, mas é muito estranho para mim. Imagino que isso seja de onde vem o “liberal” em “vegano liberal”, sinto que há uma dissociação de algo que deve sempre ser indissociável, a política do veganismo.

    PS: Quando te conheci pela Sabrina, seu Instagram tinha a foto de um smoothie roxo lindo que me fez salivar (imagino que era de mirtilo ou uva), você ainda tem a foto? Inclusive, gostaria muito de saber a receita.

    1. Oi, João. Fiquei muito feliz em saber que o meu trabalho te inspirou a praticar a solidariedade política com os outros animais, que é como entendo o veganismo. Como você percebeu, muitas pessoas veganas não entenderam ainda as relações entre a opressão animal e todas as outras formas de opressão, por isso vivem seu veganismo de maneira isolada e, muitas vezes, focada apenas no consumo. E, por essa perspectiva, imitar produtos de origem animal (em versão vegetal, mesmo que ultraprocessada) parece um bom caminho pra convencer as pessoas a pararem de comer animais. Como o veganismo popular parte de outro ponto (as classes populares e comunidades tradicionais) e também quer chegar em outro ponto (uma sociedade livre de todo tipo de dominação, incluindo o capitalismo), os caminhos da nossa prática vegana divergem. E sobre pessoas veganas gostarem (ainda) de sabores que imitam carne animal, eu até entendo, sabe? A gente se torna vegana por razões éticas, e políticas, não porque não gostamos do sabor da carne. Acho que pode ser uma “muleta” na transição de muita gente. Com o tempo a gente acaba se desapegando desses sabores com os quais estávamos acostumadas (ou não). Escrevi dois posts falando sobre mistura, sobre a função dela no prato e por que continuamos com esse apego, mesmo depois de termos nos tornado veganas (se chama “o paradigma da mistura – parte 1 e 2). Aconselho a leitura 😉 Sobre o smoothie roxo, não lembro o que era 😀 Mas tem uma receita de smoothie de cereja com cacau aqui no blog (procure na página “Receitas”, na seção “bebidas”). Será que é ele?

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