Sonho de uma tarde de (quase) outono

Vou contar uma história pra vocês (a história será contada mais com fotos do que com palavras). Outro dia fui colher cogumelos no interior da França com Anne, Guy (um tio dela) e Annie (esposa do tio e madrinha dela). Sempre sonhei em procurar cogumelos na floresta. Pra quem nasceu no litoral do Nordeste brasileiro, essa é uma daquelas coisas que só vi em filmes. Estou passando uns dias na França, em uma região cercada de florestas, e como o outono está se aproximando pensei que não podia perder essa oportunidade de realizar um sonho tão antigo.

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É preciso ter um certo conhecimento em matéria de cogumelos ao fazer esse tipo de aventura, pois muitos são venenosos e alguns podem até matar. Por isso Anne chamou o tio, que é um grande especialista de cogumelos pra nos acompanhar. (Vocês sabiam que a ciência que estuda os fungos se chama ‘micologia’? E que um especialista em fungos é um ‘micologista’ ou ‘micólogo’? ). Pra minha grande elegria ele aceitou. Então fomos os quatro, no carro invocado de Guy, passar a tarde no bosque dele (tem coisa mais bacana do que ter seu próprio bosque?). Ainda é muito cedo pra colher cogumelos, que geralmente só começam a aparecer depois das primeiras chuvas do outono, então Guy me falou que achava que não íamos encontrar nada, mas que o passeio valeria a pena mesmo assim. Mas os deuses do bosque ficaram com pena dessa nordestina que queria tanto colher cogumelos e nos mostraram onde eles se escondiam. No final do dia voltamos pra casa com três cestos cheios de tesouros.

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Guy e Annie me ensinaram a reconhecer alguns cogumelos comestíveis. É preciso ser extremamente atentivo, pois às vezes só uma manchinha ou uma certa tonalidade diferenciam um cogumelo comestível de um cogumelo letal. Nas fotos acima Guy estava me explicando que se esse tipo de cogumelo tiver uma tonalidade levemente rosada embaixo do ‘chapeu’ isso significa que ele é comestível. Se ele for azulado, não é. Lembrei de um dos meus melhores amigos, que é daltônico, pois me dei conta que daltônicos não podem ser micólogos. (Depois falei com ele sobre o assunto e ele me disse que tudo bem, ele nunca quis sair por aí colhendo cogumelos.)

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O olho treinado de Guy e Annie viam cogumelos em lugares onde eu só via mato e gravetos. Eles se comoveram diante da minha enorme excitação (eu parecia criança na véspera de natal) e sempre me chamavam quando encontravam um cogumelo especialmente grande ou bonito e me deixavam colhê-lo.

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Abaixo o menor cogumelo que encontramos e o maior. Guy me ensinou que você tem que cortar o cogumelo na base, nunca arrancá-lo. Quando cortado o cogumelo cresce novamente.

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Achamos alguns cogumelos venenosos pelo caminho. Abaixo Guy está me mostrando um cogumelo tóxico (branco com manchas vermelhas). Não acham que só de olhar pra cara dele a gente adivinha que ele é mau, muito mau? Guy me mostrou até um cogumelo mortal, tão cruel que só o contato com a pele já é perigoso (por isso ele está segurando o malvado com um lenço). Ele também explicou que quando comemos cogumelos colhidos por ele é importante guardar os restos do prato, pois caso alguém adoeça depois da refeição é preciso mostrar os cogumelos ingeridos ao médico, que só assim saberá o tipo de antídoto necessário. Por isso nunca, nunca saia por aí colhendo cogumelos sem a companhia de um especialista e mesmo assim lembre de guardar os restos da refeição até o dia seguinte. Nunca se sabe…

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Encontramos uns cogumelos tão perfeitinhos, verdadeiros top models do reino fungi, e outros nem tanto. Alguns tinham formas e cores interessantes. Annie me explicou que o cogumelo laranja abaixo, parecido com um mini coral, tem efeito laxante. Ela disse que coloca só um pouquinho nos seus pratos, mas que sempre que sua mãe vinha jantar em casa Guy colocava secretamente uma quantidade grande desse cogumelo no prato da sogra.

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Guy ficou muito feliz por ter achado esse cogumelo em forma de couve-flor, que é difícil de encontrar por ali, mas que é muito gostoso. Eu fiquei impressionadíssima com a forma e o tamanho dele. E mais tarde, quando o provei, fiquei impressionada com o sabor.

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O bosque escondia outros tesouros. Enquanto procurava cogumelos me deliciei com mirtilos e framboesas selvagens. Isso explica porque na oitava foto o meu polegar está tingido de roxo.

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E aqui está a recompensa da nossa caça ao tesouro. Voltamos pra casa com vários quilos de deliciosos cogumelos de espécies diferentes. Anne e Guy levaram as belezuras pra serem inspecionadas nesse cômodo que serve de sala de jantar nos meses mais quentes e fica bem no meio do jardim da casa de Guy e Annie. Enquanto o fogo crepitava na lareira (nada mais agradável depois de ter passado a tarde inteira na frieza úmida do bosque), Guy selecionava e limpava os cogumelos. Quando ele não tinha certeza se um dos cogumelo que tínhamos trazido pra casa era comestível ou tóxico, pedia pra eu verificar no grande livro de cogumelos que ele tem em casa. Ele pedia pra eu ler as características do cogumelo em voz alta, olhar bem se as cores e formas eram exatamente as mesmas das ilustrações no livro e decidir se devíamos comê-lo ou não. Só no dia seguinte me dei conta que uma pessoa experiente como ele sabia exatamente se o cogumelo ‘duvidoso’ era bom ou ruim sem precisar olhar no livro, mas ele estava fingindo que não tinha certeza só pra aumentar o meu prazer. Eu folheava as páginas daquele livro pesado, que o tempo tinha amarelado, e ia descobrindo coisas curiosas, interessantes, formas engraçadas e me maravilhava cada vez mais. Como um pai abrindo as portas de um mundo fantástico e convidando a filha a explorá-lo. Fiquei emocionada quando me dei conta disso.

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Querem saber o que fizemos com tanto cogumelo? Essa é outra história pra outro dia, então aguardem o próximo post. Deixo vocês com uma foto da casa linda, linda de Guy e Annie (o lago lá no fundo também é deles), duas pessoas incríveis que transbordam gentileza e me deram um dos presentes mais mágicos que já recebi. Eles merecem ter um bosque só pra eles. Embora, generosos que são, fiquem felizes em dividi-lo com quem souber apreciar os tesouros escondidos por lá.

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* Todas as fotos foram feitas por Anne Paq, com exceção da vigésima sétima e da última, feitas por mim.

41 comentários em “Sonho de uma tarde de (quase) outono

  1. Que sonho! Lindo lugar e linda energia! Viva esse alimento tão saboroso e ainda por cima lindíssimo! Fiquei louca de desejo de provar todas variedades!

  2. Fantástico! Procurei em cada foto um elfo. 😛
    Nossa, que afortunados eles são em viver num lugar assim, imagino o êxtase que foi participar dessa expedição. Parabéns, o post tá lindo. E eu não sabia que você era do nordeste, até porque nunca vi nenhuma menção à cajuína aqui no blog.

    Abraço!

  3. Que lugar lindo…. você já faz parte da família aqui em casa… rsrsrs… e isso que conheci teu blog a uma semana… (estou repassando para todo mundo!)… Parabéns, você escreve tão gostoso quanto são tuas receitas!!! Grata por compartilhar tudo isso e fazer nossa vida mais alegre!

    Abraços!

  4. Sandra, não sei o que é mais belo… Sua forma de escrever, o lugar, ou a viagem que você me proporcionou.
    Lugar maravilhoso, casa linda e cogumelos de dar água na boca!!
    Obrigada mais uma vez, pois não me canso de apreciar seus post!
    Parabéns pelo talento!

  5. Que lindo, incrível. Hoje meu primo dividia comigo esta experiência de colher cogumelos que teve com os pais de uns amigos, agora com as fotos, vi o quanto mágico pode ser tudo que me relatou.

    Estava louca para chegar no fim do post para ver o que sua inspiração divina lhe trouxe para o preparo deles.

    Aguardando ansiosa.

  6. Que post lindo Sandra!
    Adoro quando vc divide coisas assim como os cogumelos e o azeite!

    Parabéns pelo seu blog, que esta cada vez mais lindo!

    Por favor avise seus leitores quando vc vier ao RJ!

    Abraços

    1. Comi tanto mirtilo que saí de lá com os lábios roxos (um look totalmente gótico:-) Mas as framboesas estavam ainda mais deliciosas, Bárbara.

  7. A magia, na verdade, é uma criatura do bosque ter a aventura do encontro com o bosque. Une petite fée dans le bois d’un songe d’une soirée d’été (même si l’automne). O mundo me arranca inocências com uma voracidade que só uma Sandra pode acalmar.

    Obrigada por ser tão improvável. Beijo

    1. Rapaz, você reconheceu essa preciosidade! Eu nunca tinha ouvido falar dos carros 2CV (2 cavalos), mas fiquei encantada:-) E você acredita que Guy tem DOIS!!!

  8. Torço para poder ler logo o próximo post! Deu até vontade de sair a caça de cogumelos, mas eu sei que a única coisa que vou encontrar aqui onde moro vai ser uma bela intoxicação :/

  9. Puxa, adorei o dia que encontrei por casualidade o seu blog. Também sou brasileira, do Rio de Janeiro, mas moro na España, cataluña, há 5 anos. Tenho 35 anos, sou vegetariana há 16 e vegana há 2. Na verdade faz dois anos que vivo intensamente com a alimentaçao viva! Me devolveu a vitalidade que tinha me escapado com as gestaçoes dos meus dois filhos…
    Dou oficinas e cursos sobre alimentaçao viva e consciente, aqui na regiao onde moro, com a intensao de difundir e propagar formas mais respeituosas, sustentaveis, felizes e sobre tudo de compaixao e respeito aos Reinos: Vegetal e Animal.
    Enfim, queria dizer que acho seu blog lindamente inspirador e agradecer por compartilhar tantas coisas belas com tantas pessoas.
    Com amor,
    Daniela

  10. Que lindo, Sandra! Muito lindo, pelo passeio, pelas fotos, pela sua narrativa deliciosa, pelos momentos legais com a família da Anne. Obrigada por compartilhar conosco.

  11. Fico feliz por você ter conseguido realizar esse sonho, que eu achei muito legal! Amei as fotos e o modo como nos contou essa aventura… Deu pra aproveitar um pouco daqui de longe também. Minha jornada atrás de cogumelos nunca foi além do bosque (que tá mais pra terreno com árvores) da faculdade, onde eu só encontro meia dúzia daqueles vermelhos com pintinhas brancas… hahahaha É a primeira vez que comento aqui, mas desde que encontrei seu blog tenho sido uma visitante fiel, além de já ter testado e aprovado várias receitas e dicas. Estou realmente curiosa pra saber da maravilha gastronômica em que você deve ter transformado essas preciosidades! Beijos

  12. Queridos leitores, muito obrigada por terem recebido tão bem esse post. Eu coloquei todo o meu amor nele e fico muito feliz em ver que vocês sentiram isso do outro lado da tela. Confesso que acabou sendo um dos meus preferidos de todos os tempos:)

    Alba, por que esse medo de cogumelos? Eles não mordem (alguns matam, mas…).

    Marta, esse bosque fica na Auvergne, sim.

    Nic, pelas caridades, não coma esses cogumelos vermelhos com pintinhas brancas. Embora seja o cogumelo dos smurfs e o que mais aparece nas ilustrações pra crianças, ele é do mal. Guy me falou que eles são mortais. Fique bem longe deles!

  13. Sabe, Sandra, eu gostava muito de uma postagem de um amigo meu (que é churrasqueiro) sobre a alegria dele em pescar, escolher e preparar os peixes e depois servir num almoço de domingo para sua família. Agora, lendo uma versão vegan da mesma história, passo a pensar quanta inconsciência há em matar os peixes que nada tem com a nossa vida. Acho muito justo o horrível cheiro de peixe que fica na cozinha: a morte não pode mesmo cheirar bem. Aposto que seus cogumelos não fedem carniça.

    1. Um dos objetivos principais ao criar esse blog era exatamente isso: mostrar que o prazer de comer não está necessariamente ligado a produtos de origem animal e compartilhar um pouco da alegria que sinto ao colher/preparar/degustar vegetais. E pode ter certeza que meus cogumelos deixaram a cozinha com um aroma delicioso:)

  14. Nossa, que riqueza de comida. Eu bem sei que aqui em Natal não tem nada disso e só vemos nos filmes ou só comemos industrializados. Fui à Florida em abril e me deliciei com mirtilo e framboesa 🙂

  15. Sandra…realmente a cada dia que passa, mais e mais você alcança o seu objetivo!!! Além de nos deliciar com palavras e imagens, você intensifica os nosso desejos por uma comida gostosa, saudável e natural!!! Obrigada por fazer parte de nossas vidas com suas dicas e tambem, por nos transportar em viagens pelo mundo a fora!!! sou grata pela grande oportunidade que este site nos proporciona!!! bjks daqui de São Bernardo

  16. Estou encantada com tanta beleza e delicadeza dessa passeio lindo e esse lugar deslumbrante!!!
    Você escreve muito bem mas com uma simplicidade que parece conversar com a gente.
    Obrigada,adoro o seu site!

  17. Estou encantada com tanta beleza e delicadeza desse passeio deslumbrante!!!
    Você escreve muito bem mas com uma simplicidade que parece conversar com a gente.
    Obrigada,adoro o seu site!Ana Talone

  18. Ai, Papacapim, que delícia ler esse post! Viajei com vocês, percorri o bosque, senti o vento frio no rosto, babei com as framboesas e me emocionei com a humildade do Guy ao permitir “ajudá-lo” a descobrir se uma determinada espécie era venenosa ou não a partir da leitura do livro.
    Pessoas especiais atraem pessoas especiais; não seria diferente com você, pessoa especial.
    Fala pra Anne que senti uma invejinha branca por ela conviver sempre pertinho de você e por esses parentes fofos que ela tem. O tio Guy e a tia-madrinha Annie são apaixonantes!
    Patrick e eu esperamos recebê-las muitas vezes no nosso apartamento. A nossa cozinha estará sempre disponível para você fazer as suas gostosuras! E, ó: o nhoque é por nossa conta! Esse nós fazemos questão de fazer para vocês!

    Saudades!

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