Guisado cubano

Minha irmã caçula, Lu, já apareceu nesse blog várias vezes. Na verdade, quem aparece são as receitas dela. O bolo de laranja dela mudou a vida de muita gente que acreditava que tinha alguma incapacidade genética pra fazer bolos. E convenceu outro tanto de que é possível fazer bolo fofinho sem ovo. Tem também o hummus cubano, que ela me ensinou ano passado e que eu compartilho desde então com todas as pessoas que cruzam o meu caminho. Sucesso absoluto de público e de crítica.

A receita de hoje também me foi transmitida por Lu e também veio de Cuba. Ela conta que quando ela esteve lá comeu muita banana, quando não tinha opção vegetal por onde passou, mas que se virou sem problemas comendo feijão, arroz e macaxeira (mandioca). No último dia da viagem, uma das amigas que ela fez na ilha preparou um guisado pra ela, que ela comeu com a amiga e ainda levou na marmita pra comer no avião, no caminho de volta. 

A amiga, que se chama Madeleine, disse que tinha preparado um guisado tradicional, apenas tinha deixado a carne de fora. Contrariamente a maioria das pessoas, que fica com a cabeça bugada quando descobre que você é vegana e não sabe mais o que cozinhar, Madeleine acolheu o veganismo da minha irmã com muita naturalidade e tomou a iniciativa de preparar um prato típico, mas só com ingredientes vegetais.

No último natal eu estava aqui com a família e Lu fez questão de preparar o guisado cubano de Madeleine pra nossa ceia. A gente tinha decidido que teria uma ceia vegetal, pras quatro veganas da família, e outra com animais pro resto do pessoal. O guisado acabou confundindo algumas familiares, que atacam a nossa ceia achando que aquilo era galinha. Um irmão acho até que era bode! (Garanto que não tem gosto desses bichinhos, nem de nenhum outro.) Não sei se isso aconteceria em outras regiões, mas é verdade que guisados são pratos comum e muito apreciado pra nós aqui no território de onde falo (potiguar), a ponto de confundir as pessoas que comem animais. E apesar da receita vir de tão longe, ela leva ingredientes que fazem parte da nossa cultura alimentar (mais uma vez, estou falando do território onde nasci), então embora seja uma receita que só entrou na minha vida no ano passado, esse prato tem um sabor familiar e afetivo pra mim. O fato de ser feito com três ingredientes que eu adoro e de vir de um lugar que eu sempre sonhei em visitar deixou tudo ainda mais especial. 

Além de ser a melhor irmã do mundo, Lu trás as melhores receitas pro meu repertório. E como coisa boa fica melhor ainda quando compartilhada, fico muito feliz em poder publicar essa receita aqui pra que mais pessoas se deliciem. 

Guisado Cubado (receita de Madeleine, transmitida por Lu)

O que esperar desse prato? Uma bomba de sabor (umami) que reconforta e tem gosto de comida caseira (o oposto de comida gourmetizada e esnobe). Um prato pra agradar as pessoas que vieram antes de nós e pra criar novos rituais com quem amamos (“De agora em diante domingo será o dia do guisado!”). E pra iniciar conversas interessantes ao redor da mesa (“Sim, tem inhame e quiabo em Cuba. Sabe o que mais tem lá? Saúde pública de qualidade. Viva o SUS!”)

3 colheres de sopa de óleo

2 cebolas

4-6 dentes de alho

2 bananas da terra (de cozinhar), maduras

2 punhados de quiabo

1 palmo de inhame ou 1 cará pequeno (não precisa de medida exata, basta ter mais ou menos o mesmo volume de inhame/cará que de banana da terra)

1 caixinha (350g) de extrato de tomate (ingredientes: tomate, açúcar e sal)

1 colher de sopa de vinagre (de vinho ou de sidra), ou 1 limão

Um punhado de coentro 

Sal e pimenta preta a gosto

Comece descascando e cozinhando o inhame ou cará na água. Desligue antes que ele fique totalmente cozido (vai continuar cozinhando no molho depois). Escorra e reserve.

Enquanto isso corte a cebola em pedaços grandes e pique o alho. Descasque e corte as bananas da terra em 3 ou 4 pedaços, dependendo do tamanho. Lave o quiabo e retire o chapéu. 

Refogue a cebola no óleo quente, mexendo de vez em quando, até começar a caramelizar. Junte o alho e cozinhe mais alguns segundos. Acrescente o inhame/cará (quase cozido), a banana da terra e o quiabo. Salgue generosamente e cubra tudo com o extrato de tomate. Aqui entra o vinagre (Madeleine usa vinagre, mas já fiz com limão e também dá certo) e uma pitada de pimenta preta. O ácido é essencial nessa receita. Madeleine disse que era pra que o quiabo não ficasse com muita baba, mas meu instinto de cozinheira diz outra coisa. Além de realçar (muito) o sabor, acidez faz com que o quiabo e a banana, que são vegetais que cozinham muito rápido, não se desintegrem completamente. É que as coisas cozinham mais lentamente em um meio ácido. Lembrando que tomate já é ácido, então o vinagre vem potencializar a acidez do extrato de tomate. E não precisa ficar com medo do guisado ficar azedo no final: os sabores se equilibram perfeitamente (salgado, ácido e doce, que vem da banana). 

Tampe a panela e deixe cozinhar no fogo brando até o quiabo e a banana amolecerem e o inhame/cará ficar totalmente macio. Se começar a pegar no fundo da panela, junte um tiquinho de água. O guisado deve ficar quase seco, pros sabores ficarem bem concentrados. E essa é a diferença entre um guisado e um cozido (cozido é cozinhado na água e tem um caldo/molho líquido). Ignore a abundância de molho na foto acima, eu me abestalhei e coloquei água demais, deixando o molho mais líquido do que deveria. E como já estava tudo bem cozido, não era uma opção deixar no fogo mais tempo pra evaporar. Sim, até cozinheiras profissionais erram. 

Quando tudo estiver bem macio e envolto de uma quantidade pequena de molho espesso, desligue o fogo. Junte o coentro, prove e corrija o sal. Sirva com arroz e feijão, pra fazer o pf mais maravilhoso da terra (+ farofa pra quem gosta). Também acho uma delícia no dia seguinte como recheio de tapioca ou acompanhamento pra cuscuz. Rende 4-6 porções.

8 comentários em “Guisado cubano

  1. A Lu é vegana?
    Se ela for vegana; por favor, fala para ela dar mais dicas sobre o veganismo em Cuba!

    Vi um vídeo do canal da Luísa Moraleida (que ela tirou do canal dela) em que ela falou que teve dificuldade de ser vegana em Cuba; pelo vídeo, deu para perceber que ela não foi em feira e esperou depender de mercados.

    Eu fui uma vez para Cuba em 2010; no mercado do hotel havia mais variedade (menos que na Cidade de São Paulo e quando estava lá não havia banana) que muitos mercados cubanos (entrei em um mercado da Havana Velha e haviam muitas prateleiras vazias). Conheci um cubano na rua e ele me levou até uma feira onde achei várias frutas e legumes.

    3 dicas que dou para quem é vegano e viajar para Cuba:
    1) Pergunte aonde está a feira mais próxima, porque é lá aonde se localiza a maior variedade de frutas e legumes.
    2) Se hospedar em casa (talvez em hostel) para ter acesso a uma cozinha, porque em um hotel não costuma ter cozinha.
    3) Talvez as pílulas de B12 sejam encontradas facilmente por lá; mas mesmo assim, caso você tome pílulas de B12, leve elas na viagem.

    Não sou vegetariano, porque sou peixetariano (não como frango e carne vermelha; mas como peixe, frutos do mar, ovos, coisas feitas com leite).
    Curiosamente, meu pai que nem é peixetariano ou vegetariano (ele ainda come frango e carne vermelha) teve mais dificuldade para comer em Cuba do que eu; por Cuba ser uma ilha menor que o Ceará, lá tem pouca quantidade de carne bovina e tem muita quantidade de peixes nos restaurantes.
    Lá em Cuba, os cubanos me falaram que cada cubano pode comer até 5 quilos de carne bovina por ano porque isso é racionado em Cuba (esse racionamento é feito pelo governo, para que todos os habitantes possam consumir alguns produtos); como fui para lá a 11 anos, não sei se o racionamento de carne bovina ainda é desse jeito.

    O abastecimento de carne bovina é racionado em Cuba por causa do bloqueio. Além do bloqueio prejudicar o abastecimento disso em Cuba, ele prejudica o veganismo; porque um dos motivos é pela pouca quantidade de carne bovina em Cuba criar o sentimento de muitos cubanos quererem comer isso (como algo valorizado por ser consumido raramente). No meu comentário do artigo desse blog chamado Hummus cubano está explicado melhor sobre o bloqueio e como ele prejudica o veganismo.

    Link:
    A pouca quantidade de carne bovina em Cuba influencia os cubanos a terem vontade de comê-la: https://www.tremendanota.com/por-que-no-fracasa-el-veganismo-en-cuba/.
    O artigo chamado Hummus Cubano desse blog (aonde está escrito meu comentário sobre o bloqueio): http://www.papacapim.org/2021/01/11/hummus-cubano/.

    1. Lu é vegana, sim (eu contei isso no texto acima ;). E a dica dela foi: coma muita banana. Ela achou tranquilo se alimentar somente de vegetais por lá porque, assim como eu, ela prioriza uma alimentação mais simples (feijão/arroz/macaxeira/banana) e entende que quando a gente está viajando, temos que baixar um pouco as expectativas de alimentação e que é normal comer de maneira diferente (menos variada, mais repetitiva) do que quando comemos em casa. Não viajamos (nem pra Cuba nem pra lugar nenhum) esperando ter tudo que comemos no lugar onde moramos ou ter versões “veganas” de tudo. Acredito que a frustração de muitas pessoas veganas em viagens vem daí. E também entendemos que, por mais que seja gostoso descobrir novos alimentos e receitas em outros países, esse não é o objetivo da viagem, então focamos na experiência, nos encontros, nos passeios…e tudo bem se passarmos dois dias comendo só banana.

    2. Gente… vc vem aqui nesse blog maravilhoso de comida e modo de vida veganos pra falar de carne e de da sua família que come carne?! Putz… e de uma conjuntura política em Cuba de há mais de 10 anos atrás, depois de tantos acontecimentos importantes nesse ínterim… Putz! Sem falar nos erros de gramática e ortografia que doem nos olhos lendo esse comentário dispensável…

  2. Nossa, que beleza de cozido!!! Deu água na boca aqui, rs. A neutralidade do cará, o doce da bana, o ácido do tomate, e o quiado… ah o quiabo! Sandra, vc acha que dá pra acrescentar mais legumes, por exemplo, cenoura e maxixe? 🙂 Amo…

  3. Eu sei q pode parecer estranho, mas já substitui muito a banana da terra por banana d’água/nanica em moqueca, guisado ou sopa, perde um pouco na textura porque ´fica mais mole, mas deixa o caldo maravilhoso

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