O mousse que deu errado, mas deu certo

Confesso que nunca fui fã de mousse, nem nos meus tempos pré veganismo. Mesmo assim postei uma receita de mousse aqui muitas luas atrás, muito boa, porque sei que tem gente que adora essa sobremesa. Então quando a moda de fazer mousse com aquafaba (água do cozimento do grão de bico) chegou eu nem me empolguei pra testar.

Mas eu estava de férias na casa do meu sogro umas semanas atrás e minha concunhada, que adora explorar a culinária vegetal, disse que há tempos esperava a oportunidade de fazer mousse com aquafaba comigo. Por que comigo? Porque ela não é vegana e acha que precisa da minha companhia vegana pra que a receita dê certo. E porque é mais divertido cozinhar comigo, ela diz.

Então ela comprou um vidro de grão de bico cozido e eu escolhi uma receita de mousse que me pareceu bacana (na verdade escolhi porque era a mais simples) e fomos pra cozinha. Realmente foi muito divertido fazer essa mousse, principalmente porque nem ela nem minhas cunhadas tinham trabalhado com aquafaba antes e ficaram de boca aberta quando mostrei a consistência linda depois de bater “em neve”. Fica tão durinho que virei a tigela de cabeça pra baixo e ela não caiu, exatamente como que via minha mãe fazer quando batia clara em neve.

Combinamos de não contar pras crianças nem pro meu sogro que o mousse era feito com a água do cozimento do grão de bico, porque imaginamos que eles não iriam nem querer provar se soubessem. A gente fez o mousse de manhã e deixamos o dia inteiro na geladeira, pra terminar de firmar. Comemos de sobremesa no jantar, junto com os mirtilos e morangos selvagens que colhemos no bosque naquele dia. Foi um sucesso absoluto! Tanto que as crianças pediram pra gente fazer novamente dois dias depois.

Algumas informações importantes antes de compartilhar a receita.

1- O líquido de cozimento do grão de bico tem propriedades culinárias que se assemelham à clara de ovo. Então quando você bate com uma batedeira o ar é incorporado da mesma maneira que acontece quando batemos claras em neve. Mas aquafaba não é tão estável quanto clara de ovo, então perde o ar incorporado com muito mais facilidade. Por isso é comum usar um ingrediente chamado cremor tártaro como estabilizante nas receitas que usam aquafaba em neve (mousse, macaron, suspiro). Eu não tinha esse ingrediente e li na internet que usar um pouco de limão quebra o galho, embora o cremor tártaro seja muito mais eficiente aqui. Se encontrar cremor tártaro por aí, vale a pena usá-lo nessa receita. Mas saiba que usei limão nas duas vezes que fiz esse mousse e o resultado foi muito satisfatório.

2- Essa receita produz um mousse de estilo francês, ou seja, extremamente leve e aerado. Mousse significa “espuma” em Francês (e sim, é uma palavra feminina em Francês, mas eu sempre digo “o mousse” porque me acostumei a falar assim no Brasil). A receita original leva apenas chocolate e ovos: as gemas entram no chocolate derretido, deixando a mistura mais untuosa (e a gema tem lecitina, um estabilizante) e a clara é batida em neve pra dar a textura característica de espuma. Como a receita que fiz leva apenas aquafaba em neve e chocolate, o resultado é ainda mais aerado do que a receita clássica com exploração animal.

3- Nas duas vezes que fiz a receita aconteceu um fenômeno interessante. Parte do chocolate derretido, ao entrar em contato com a aquafaba em neve, cristalizou. Achei que tinha destruído a receita, mas minha cuncunhada disse que adorava quando tinha pedacinhos de chocolate nas sobremesas e quando provei o mousse pronto tive que concordar com ela. Sabe sorvete “flocos”? Aquele que tinha raspinhas de chocolate dentro? Eu achei uma delícia e as crianças também adoraram. Até exibiam felizes os pedacinhos de chocolate particularmente grandes, como se tivessem achado um tesouro na sobremesa. Acredito que o fenômeno aconteça porque aquafaba é basicamente água e quando misturamos água com chocolate derretido (que tem gordura – a manteiga de cacau) os dois podem se separar e o chocolate adquire uma textura granulosa (o chocolate cristaliza). Talvez minha aquafaba estivesse muito líquida… Ou talvez o fato de não ter respeitado a ordem da mistura, que é colocar a aquafaba em neve sobre o chocolate e ter feito o contrário tenha produzido o efeito “flocos”. Vou precisar fazer mais testes pra comprovar minha teoria, mas o que importa é que todo mundo adorou meu mouse de chocolate-flocos.

Mousse de chocolate com aquafaba

Essa é uma daquelas receitas que, na verdade, é uma técnica. Depois de ter feito uma vez pra entender o funcionamento, sinta-se livre pra personaliza-la. Como usamos a mesma quantidade de chocolate que aquafaba, essa receita oferece muita liberdade, pois independente da quantidade de aquafaba que você conseguir depois de reduzir o líquido de cozimento do grão de bico, você consegue fazer esse mousse. Basta pesar a mesma quantidade de chocolate e voilà. Aviso: sem batedeira não dá pra fazer essa receita.

150g de aquafaba (líquido de cozimento do grão de bico)
150g de chocolate de boa qualidade (com pelo menos 50% de cacau)

Opcional: 1/2 cc de suco de limão (ou uma pitada de cremor tártaro, se tiver)

A aquafaba deve estar bem concentrada. Se você cozinhou seu grão de bico e o líquido te parece bem aguado, ferva até que ele reduza e fique mais encorpado. Quando fria, a aquafaba deve se assemelhar, em consistência, à clara de ovo crua.

Depois de reduzir sua aquafaba e esfriar (melhor se tiver gelada), pese. Use o mesmo peso de chocolate. As medidas que dei nessa receita (150g de cada) é suficiente pra fazer 6 porções pequenas.

Bata a aquafaba (com o limão ou cremor tártaro, se estiver usando) em neve usando uma batedeira. ATENÇÃO: por ter mais água que clara de ovo, aquafaba só pode ser batida em neve na batedeira. Se não tiver batedeira em casa peça a da vizinha emprestada. Ou escolha outra receita. Bata até que a aquafaba forme picos bem firmes (na batedeira velhinha que usei isso levou uns 12-15 minutos). Veja a progressão nas fotos abaixo.

Enquanto isso quebre o chocolate em pedaços pequenos e derreta no banho-maria.

Despeje 1/3 da aquafaba em neve sobre o chocolate derretido e misture delicadamente até ficar bem incorporado. Junte mais 1/3 da aquafaba em neve, misture delicadamente (use uma espátula de silicone e faça movimentos levantando o conteúdo do fundo da tijela – isso é importante pro conservar o máximo de ar possível no mousse) e repita a operação mais uma vez, até que toda a aquafaba tenha se misturado ao chocolate. (Ou faça tudo errado como eu e veja se também produz um mousse-flocos 😉

À partir daqui você pode despejar o mousse em copos/cumbucas pequenas e deixar pelo menos 4 horas na geladeira, ou levar a tijela diretamente pra geladeira e servir as porções mais tarde (menos bonito, porém produz menos louça pra lavar depois). Rende aproximadamente 6 porções.

3 comentários em “O mousse que deu errado, mas deu certo

  1. É incrível como é simples, né?? Imagina com uma paçoca ou uma farofinha de sementes por cima
    Vim correndo da minha caixa de e-mails ver essa receitinha de três ingredientes dizer:
    Cremor tártaro é fácil de encontrar em lojas de artigos para festa ou confeitaria, vem num potinho bem pequeno porquê em geral se usa só 1cc nas receitas mesmo;
    Eu nunca tive sucesso em reduzir a aquafaba, então costumo deixar 1/3 dos grãos cozidos dentro dela na geladeira de um dia pro outro (essa dica eu vi no blog da ChubbyVegan, mas segue a mesma lógica do caldo de feijão). Sucesso!

  2. Estou aqui, em plena madrugada, procurando aquela tua receita de chocolate com abacate quando me deparo com essa receita. Menina, eu tinha acabado de colocar o grão de bico de motho e será que já era prevendo ler teu blog,? Só pode! Vai ser agora que eu vou aprender a fazer alguma coisa que preste, naaaammmm KKKK.

    beijossss

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