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Nos últimos dias recebi mensagens de leitores (comentários aqui no blog, e-mails e recados na página facebook do Papacapim) perguntando como eu estava e como andava a situação aqui na Palestina. A última semana foi intensa, muito intensa. Longas horas de trabalho passadas realizando o novo projeto do grupo de mulheres no campo de refugiados (prometo contar mais em breve). Tive problemas tecnológicos : faz uma semana que o computador pifou e fui obrigada a reduzir drasticamente minhas atividades « internéticas ». E teve o ataque de Israel na faixa de Gaza.

Anne estava trabalhando em Gaza quando esse pesadelo começou. Enquando escrevo essas linhas ela continua lá, como ela mesma disse « expondo os crimes do governo Israelense contra o povo palestino, de novo e de novo, até que o mundo resolva tomar uma providência ». Vocês podem acompanhar o trabalho dela, e ver o que acontece em Gaza, aqui (não deixe de clicar, no final de cada página, em « older posts » pra ver mais fotos).

Não vou explicar a ocupação militar israelense na Palestina, nem tentar defender o povo palestino que, além de ser atacado com bombas aqui, é acusado (pelos defensores de Israel e pelos mal informados) de ser o culpado pelo próprio sofrimento. Não tenho forças pra isso e nem é esse o objetivo do blog. Nessas horas sempre lembro dessa foto, onde um senhor, numa passeata em solidariede aos palestinos, segura um cartaz com os seguintes dizeres :

VOCÊ toma minha água, queima minhas oliveiras, destrói minha casa, toma meu trabalho, rouba minha terra, prende meu pai, mata minha mãe, bombardea meu país, nos deixa famintos, nos humilha, mas EU sou o culpado: eu respondi com um foguete.

Mas quem quiser se informar de verdade sobre o ataque à Faixa de Gaza e sobre a situação na Palestina em geral (e não se « desinformar » vendo os nossos jornais e telejornais), recomendo esses sites :

http://electronicintifada.net/ (um dos sites mais completos, com informação atualizada diariamente e análises de jornalistas independentes)

http://www.jonathan-cook.net/ (o site do jornalista britânico Jonathan Cook, que mora em Nazaré e escreveu, entre outros, um dos melhores livros sobre o assunto « Desapearing Palestine – Israel’s experiments in humain dispair »)

Quem quiser acompanhar os acontecimentos através de fotos pode consultar o blog de Anne, além do flickr do coletivo de fotógrafos Activestils, do qual ela faz parte (lá é possível ver o que acontece em toda a Palestina e Israel, já que cada fotógrafo do grupo mora em uma cidade diferente).

No contexto atual postar receitas por aqui me parece absurdo. Mas a vida continua. Sábado passado teve aula de culinária do meu projeto, enquando do lado de fora os soldados israelenses invadiam o campo, jogavam gás lacrimogêneo e atiravam. Leith, um menino de 14 anos que parcipou das minhas oficinas pra crianças, foi preso e espancado pelos soldados israelenses (ele foi liberado seis horas depois). Outro morador do campo foi baleado. Dentro da casa de Islam nós bebíamos chá e as mulheres do projeto de vez em quando nos dirigiam um sorriso, pra nos lembrar que elas continuavam resistindo, com dignidade e com essa coragem incrível que o povo palestino tem.

Então resolvi escrever esse post só pra falar pra vocês que estou bem e em segurança. Anne também. Obrigada a todos que me escreveram nos desejando força nesse momento tão difícil.

E antes de ir embora gostaria de dividir com vocês trechos do poema « We teach life, sir » da palestina Rafeef Ziadah. Durante uma das minhas palestras sobre a Palestina no  Brasil alguém me fez uma pergunta que ouvimos com frequência quando expomos a injustiça sofrida por esse povo : « Você não acha que esse problema só se resolverá quando os palestinos pararem de ensinar aos seus filhos a odiar os israelenses ? » A mesma pergunta foi feita à Rafeef Ziadah durante a operação israelense « Chumbo Grosso » em Gaza (2008/2009), que fez 1400 mortos em duas semanas. Ela respondeu com um poema (não deixem de ver sua sua emocionante interpretação, em Inglês, nesse vídeo) e traduzi alguns trechos pra vocês :

“(…) ele me perguntou, Sra. Ziadah, você não acha que tudo isso seria resolvido se vocês simplesmente parassem de ensinar tanto ódio aos seus filhos?
Pausa.
Eu olho para dentro de mim procurando força para ser paciente, mas a paciência não está na ponta da minha língua nesse momento em que as bombas caem sobre Gaza.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós, palestinos, ensinamos vida, depois de terem ocupado o último céu.
Nós ensinamos vida, depois de terem construído suas colônias e seu muro do apartheid.
E esses não são lados iguais : ocupante e ocupado.
E cem mortos, duzentos mortos, mil mortos.
E entre esses acontecimentos, crimes de guerra e massacre, eu exalo palavras e sorrio ‘não exótica’, ‘não terrorista’.
E conto novamente. Cem mortos, mil mortos.
Alguém vai escutar ?
Eu queria poder correr descalça em cada campo de refugiados e abraçar cada criança, cobrir seus ouvidos para que elas não tenham que escutar o som das bombas pelo resto de suas vidas, como eu tenho que escutar.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós, palestinos, acordamos todas as manhãs para ensinar ao resto do mundo vida, senhor.”
 

13 comentários em “Notícias

  1. Ainda bem que você e Anne estão bem, pelo menos fisicamente. Porque imagino que a tristeza, a dor e a revolta devem ser muito grandes perante tão bárbaros acontecimentos. Fui ver o blogue de Anne, mas as lágrimas e um aperto no peito impediram-me de continuar. Como é que seres humanos fazem isso a outros seus semelhantes? Como um povo que já sofreu e foi dizimado como os israelitas podem fazer uma coisa destas!E as crianças? Crianças são iguais em todo o mundo, inocentes. E estas crianças com tanto sofrimento e morte. Não consigo entender, perceber se existe uma razão para o ódio ultrapassar a barreira da compaixão perante o olhar inocente de alguém. O mundo tem de mudar, tem de evoluir, isso é barbarie! Fico aqui de coração apertado, torcendo para que nada de mal vos aconteça e que possam continuar a desenvolver este trabalho tão necessário, tão caloroso, tão real e humano. Vocês são o exemplo do que é ser verdadeiramente humano.
    Um abraço bem apertado para vocês.

  2. Oi Sandra querida! Como eu tenho pensado em você estes dias… e de alguma forma, estava aguardando muito por este post. Fico feliz que você e Anne estejam bem, apesar de lamentar muito por toda situação do povo palestino. Desejo muita força para todos, muita união entre aqueles que compartilham ideais e lutam contigo e muita paz, pelo menos internamente, para todos vocês. Um beijo fraterno

  3. Que bom que você mandou notícias! Suas, de Anne e da Palestina. Fico feliz por vocês duas estarem bem. Aqui no Brasil estamos vendo nos jornais o que está acontecendo e fico tentando interpretar o que realmente é verdade. Quando será que vamos acabar com este horror?? Fico me perguntando, o que nós podemos fazer aqui de tão longe… Obrigada pelas informações, é uma pena esses sites estarem em inglês mas sempre existe o google tradutor ;D.

  4. Olhei o blog de Anne, é triste demais tudo isso, fico até sem palavras… admiro o trabalho de ambas, espero que pessoas como vocês que fazem um trabalho tão… tão… sensacional fiquem bem, e que tudo dê certo pra vocês e pra esse povo que sofre tanto… abraço no coração.

  5. Obrigada pelas informações e, por favor, não nos deixe sem notícias. Você não imagina como vocês já fazem parte de nossas vidas.
    Fiquem bem!

  6. Faço minhas as palavras dos outros comentários. Que vocês estejam seguras, ao menos. Que continuem tendo força pra esses trabalhos incríveis que fazem. Toda minha admiração e respeito.

    (Pode não ser o momento, mas queria perguntar assim mesmo: você tem uma receita de panetone? Obrigada)

  7. Nossa Sandra, é muito triste pra quem ta longe e não tem sequer contato com algum palestino, imagine pra vc que ta aí! Desejo força pra vc e todos os palestinos, sobretudo, desejo paz!

  8. Querida Sandra,
    Sigam em frente, você e Anne, pois a força que têm é como um farol que ilumina esse povo que já é parte de suas vidas. Admiro muito a sua postura, o seu caráter e a sua capacidade de Ser!! Beijos, Vagaluminha (Belo Horizonte/MG).

  9. Passar por aqui e me deparar com essa declaração tão triste me deixa sem saber o que dizer exatamente. Talvez porque, mesmo vivendo à beira de um conflito político tão intenso, você não deixa que isso transpareça por entre suas fotos, suas receitas…há uma leveza. Desejo que mesmo frente a tudo, haja força e muito amor para seguir.

    Se há pessoas que estão fazendo a diferença no mundo, certamente são você e Anne. Espero que continuem acreditando que tudo pode melhorar.

    A vocês envio muitos abraços que querem confortar

  10. Eu quase não acessei a internet nesses dias mas só pensava em perguntar por tu. Que bom que tu e Anne estão fisicamente bem. Como eu disse no facebook, a cada dia que passa minha admiração por tu só aumenta. Como Marjorie falou. continue sendo esse farol que ilumina não só os teus alunos mas a nós que temos oportunidade de te conhecer graças ao blog. Muita força para as duas.

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